
De ameaçador-mor do Planalto a desafeto acuado. Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) segue pronto para disparar o gatilho do impeachment de Dilma Rousseff, mas desde a quinta-feira ganhou outra prioridade: assegurar a própria sobrevivência política. Denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) - é suspeito de receber US$ 5 milhões em propina no esquema de corrupção da Petrobras -, Cunha traça um plano para conservar seu poder enquanto se defende das acusações e tenta evitar que o Supremo Tribunal Federal (STF) o torne réu. Essa maratona jurídica não tem previsão para ser encerrada.
Apesar do constrangimento, ele avisou que não vai renunciar. Na quarta-feira, ao saber que seria denunciado na Operação Lava-Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, passou a tarde em conversas com aliados. À noite, aprovou em segundo turno a proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal e deixou pronta uma nota de defesa, revisada na quinta e divulgada após a confirmação da denúncia. Em seu gabinete, o presidente reuniu parlamentares, leu a peça - mesmo exercício de seus advogados - e disparou:
- É ridícula a denúncia.
Como termina a semana de Renan Calheiros
Cunha e sua tropa saíram a repetir que faltam provas que sustentem as acusações, como vídeos e escutas. O encontro também fechou o discurso conspiratório sobre um suposto "acordão" entre PGR e Planalto, que poupou petistas e o presidente do Senado (e governista outra vez), Renan Calheiros (PMDB-AL), outro investigado na Lava-Jato - o governo refuta qualquer ingerência e a PGR nega seletividade em seu trabalho. Esse será o tom das falas de aliados do presidente, que destacarão o ritmo intenso de votações que impôs em sua gestão.
- Ele (Cunha) faz a Casa funcionar, os deputados nunca trabalharam tanto. Eduardo tornou a Câmara independente e desagradou o palácio - diz o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS).
A situação atual contrasta com a vivida por Cunha há seis meses. Eleito em primeiro turno presidente da Câmara, ao patrolar o candidato do Planalto Arlindo Chinaglia (PT-SP), ele se consolidou como principal ameaça para um eventual impeachment. Sua força derrubou Pepe Vargas (PT-RS) da articulação do Planalto. O véu de neutralidade permaneceu até o mês passado, quando se tornou oposição declarada, ciente do cerco da Lava-Jato.
Expectativa sobre pauta de votações
Rivais e aliados tentam projetar se o presidente manterá a hegemonia capaz de aprovar PECs do seu interesse, que dependem de 308 dos 513 votos do plenário.
As votações dos próximos dias são consideradas um termômetro. Petistas demonstram receio de que Cunha reforce a agenda das bancadas da fé e da bala.
- Temo que ele (Cunha), para manter a maioria, tenha de sucumbir ainda mais à pauta de interesse particular dos grupos que lhe dão sustentação - adverte Paulo Pimenta (PT-RS).
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Blindado por dominar a Mesa Diretora, a Corregedoria e o Conselho de Ética, Cunha tem apoio de nanicos e oposição. Ainda é senhor da bancada do PMDB e conta com defecções em outras legendas, incluindo o PT. Seus inimigos acreditam que, como auxilia no financiamento de campanhas de colegas, cobrará a conta agora.
Parlamentares de 10 partidos exigem o afastamento do peemedebista, porém calculam reunir pouco mais de 30 membros - uma eventual cassação necessita de 257 votos. Assim, a intenção é vencer Cunha no cansaço.
Aposta nos colegas do PMDB e na oposição
Para manter a hegemonia na Câmara e continuar a aprovar os projetos de seu interesse, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aposta na fidelidade da bancada do PMDB e da coalizão de deputados de diferentes partidos contrários ao governo. Nesta aliança de oposição ao PT e favorável à queda da presidente Dilma Rousseff, destaque para PSDB, DEM e Solidariedade.
Com 67 parlamentares, a bancada do PMDB é liderada por um aliado fiel de Cunha, Leonardo Picciani (RJ), filho do atual presidente da Assembleia fluminense, Jorge Picciani. Aos 35 anos, Leonardo é deputado federal desde os 23, cumpre seu quarto mandato consecutivo.
O parlamentar foi escolhido graças a uma manobra de Cunha e do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), que nomeou deputados como secretários por poucos dias, a fim de que suplentes tomassem posse com a missão de votar no herdeiro dos Picciani. A artimanha assegurou controle da bancada para o presidente da Câmara, que liderou seu partido até fevereiro.
Na prática, as posições do PMDB nas votações refletem as opiniões de Cunha - os deputados divergem apenas em questões pontuais. O apoio foi reforçado na quinta-feira, quando a bancada divulgou nota de apoio após a confirmação da denúncia no Supremo. O texto lembrou que "enquanto não se esgotarem todas as etapas previstas no rito da lei, não há culpados, mas acusados".
Depois de distribuir cargos importantes em comissões a parlamentares de oposição e de fomentar o impeachment de Dilma, Cunha cobra o empenho em sua defesa de PSDB e DEM, que adotam discursos moderados em relação ao afastamento do peemedebista.
- Não vou fazer um prejulgamento nem atuar para blindar qualquer que seja a pessoa - disse o líder do DEM, Mendonça Filho (PE).
Controlado pelo deputado Paulinho da Força (SP), o Solidariedade está fechado com Cunha. Na sexta-feira, a Força Sindical, ligada ao partido, recebeu o peemedebista em São Paulo com gritos de "Cunha, guerreiro do povo brasileiro".