O simples movimento de uma porta se abrindo tem causado sobressaltos na sala da turma 31 da Escola Técnica Cenecista Carolino Euzebio Nunes, em Charqueadas, nos últimos dias. A excitação dos alunos é fruto de uma improvável expectativa: que o colega Ronei Wilson Júnior, o Junico, apareça na sala de aula, improvisando alguma desculpa bem-humorada para a entrada tardia.
- Quase sempre ele chegava atrasado na aula. Era sempre notado, porque chegava agitado, sempre alegre - comenta a amiga Natana Jaqueline Grunevald da Silva, 17 anos.
Morto na saída da festa que ajudou a organizar para juntar dinheiro para a formatura da turma, do 3º ano do Ensino Médio, Ronei deixou mais que uma classe vazia na escola técnica onde estudava. O adeus precoce mexeu com os ânimos dos cerca de 30 colegas, que, desde terça-feira, quando as atividades foram retomadas, recebem acompanhamento psicológico.
- Reunimos a turma em um salão para conversar e eles choraram muito. Apesar de tudo, são crianças ainda, estão com medo e se sentem um pouco culpados, por ter sido na festa da turma. É uma sensação muito ruim, mas não vamos fingir que nada aconteceu - diz a professora de Língua Portuguesa Simone Azzi, que descreveu o aluno como "divertido" e "curioso".
Para a professora, o sentimento que tomou conta da comunidade escolar é de incredulidade, já que Ronei era conhecido como um garoto "tranquilo" e tinha bom relacionamento com colegas e professores. Alunos que souberam do crime pelo whatsapp da turma também relutaram em acreditar. Um dos mais próximos de Ronei chegou a ligar para o hospital para onde o amigo foi levado para confirmar a informação.
Não à toa, choque tem se refletido na sala de aula. Durante as sessões de terapia em grupo que se tornaram os encontros durante a semana, alguns pediram para escrever sobre o colega, que foi atingido na cabeça ao deixar o Clube Tiradentes, em um crime que envolveu oito adultos e seis menores. "Cientista maluco", "maninho" e "tagarela" foram algumas expressões usadas para lembrar Ronei, conhecido por um hobby considerado incomum pelos adolescentes: criar e montar máquinas, motores e aeromodelos.
Ronei (no centro) era considerado tranquilo e alegre pelos colegas
Foto: Arquivo Pessoal
Um dos alunos mais próximos do garoto, Patrick Azzi, 17 anos, lembra que o amigo usou das habilidades com engenhocas para contribuir com a festa junina da escola, também organizada para arrecadar fundos para a formatura:
- Ele construía muita coisa. Para a festa, fez um tiro ao alvo completo. Levou uma arma criada por ele, que disparava rolhas, e fez os alvos. A gente vai manter ele vivo na nossa memória, no nosso coração. Só nos resta isso. E pedir justiça - conta o adolescente, que, como outros, soube da morte do colega por mensagens trocadas com os colegas no celular.
Se as boas lembranças ajudam os amigos a enfrentarem a dor da perda, a perturbação com as circunstâncias quase inexplicáveis da morte de Ronei também vem à tona nas manifestações dos adolescentes. A decepção com a brutalidade do ato que resultou na morte do colega, o medo de sair à rua e pedidos por segurança aparecem em tom de desabafo nas mensagens, transcritas pela professora e enviadas à reportagem.
A comoção foi tão grande que os jovens vão tirar a dor do papel nesta sexta-feira. O desejo de uma rotina mais pacífica vai cruzar o portal da graça de Ronei, a porta da sala de aula da turma 31, a partir das 17h, quando alunos, familiares e professores farão uma caminhada do Parcão até o Clube Tiradentes. O trajeto será realizado em homenagem ao garoto e pela paz na comunidade.