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Por ironia do destino, coube a um norte-americano (ou ianque, como dizem os cubanos, ao depreciar o vizinho poderoso) realizar um dos melhores painéis do complexo universo da Cuba revolucionária. O escritor e correspondente de guerra Jon Lee Anderson alcançou o estrelato em 1997 ao publicar Che, uma biografia, um cartapácio de 904 páginas sobre a vida, a morte e as lendas em torno do guerrilheiro argentino-cubano Ernesto Che Guevara.
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Para chegar lá, Jon Lee viveu de 1993 a 1995 em Havana, após receber permissão especial do governo comunista, já que era cidadão dos EUA. O resultado é um espetacular panorama das conquistas e frustrações da revolução castrista - de quebra, o repórter ganhou franco acesso às autoridades governamentais.
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Desde o lançamento do livro Jon Lee esteve 12 vezes em Cuba, na maioria das vezes dedicado a reportagens para The New Yorker, a revista da qual é colaborador-fixo.
Espectador privilegiado das contradições cubanas, o jornalista foi a Havana duas vezes no primeiro semestre deste ano e agora irá lá de novo, para testemunhar a histórica abertura da embaixada norte-americana em Cuba.
Poucos dias antes da nova viagem, o escritor concedeu esta entrevista por e-mail a Zero Hora, no qual analisa a aproximação lenta e gradual entre "ianques e comunistas".
ZH - Como foi sua viagem a Cuba dessa vez? As pessoas estão otimistas? Mais do que o normal?
Jon - Eu recém voltei para casa após uns meses de viagem. Fui a Cuba duas vezes neste ano, em fevereiro e em abril. Volto lá em breve, por volta do final do mês. O povo lá tem ficado bastante estimulado hoje em dia, eu observei, tanto pelos benefícios materiais das "mudanças" - como os cubanos se referem à liberalização econômica de Raúl - quanto pelo que eles chamam de "la coyuntura" - a reaproximação com os Estados Unidos. Esta última causou um turbilhão de atividade palpável, incluindo um influxo de turistas e um número visivelmente maior de estadunidenses, bem como novos acordos de negócios sendo anunciados a cada poucos dias. Como um todo, isso criou uma atmosfera inebriante de expectativa e otimismo em meio a uma maioria cubana. Pela primeira vez, na minha experiência - desde o colapso da União Soviética, eles parecem geralmente esperançosos quanto ao futuro. (Há cubanos que permanecem pessimistas ou sardônicos, mas esses, até agora, parecem ser a minoria.)
ZH - Por que a Guerra Fria durou tanto entre os EUA e Cuba? Falcões em ambos os lados? Razões econômicas?
Jon - A Guerra Fria durou tanto tempo sim, em parte por causa de "gaviões" em ambos os lados. [Nota: em inglês, o termo "gavião" (hawk) pode se referir a alguém que apoia ações políticas agressivas ou extremas.] Linhas duras em Cuba se preocupavam que o sistema pudesse desaparecer como os outros ex-Estados socialistas, que eles realizassem qualquer abertura aos Estados Unido...e estavam travando uma prepotente disputa de vontades, de qualquer modo, enquanto Fidel ainda estava no poder. O fato de que Chávez apareceu com seus subsídios de petróleo e outras formas de generosidade econômica no fim dos anos 90, ao passo que Cuba estava saindo de seu "período Especial" (o assim chamado período de grave penúria econômica após o colapso da União Soviética) também ajudou a financiar Cuba e manter a Guerra Fria de Fidel com os EUA por mais uma década. Nos EUA, a política doméstica desempenhou um papel em manter o embargo. Não foi até há pouco que uma mudança significativa nas atitudes da comunidade de imigrantes cubano-americanos ocorreu, reduzindo o apoio ao embargo dos EUA. Anteriormente, o fato de que uma boa porção dos emigrantes cubanos tinham residência na Flórida, que é um estado de grande influência nas eleições estadunidenses, significava que poucos políticos dos EUA, independente de partido, se arriscariam a perder naquele estado em virtude de Cuba.
ZH - O acordo ocorreria se Fidel fosse o líder cubano?
Jon - Não ocorreu durante os 49 anos em que ele esteve no poder, então talvez aí esteja sua resposta.
ZH - Quantas vezes foi a Cuba desde a primeira? Você morou lá para preparar o livro sobre o Che, correto?
Jon - Tirando os três anos em que morei lá, de 1993 a 1995, por volta de 12 vezes.
ZH - Encontrou Fidel dessa vez? Chamaria ele de um amigo, uma fonte, qual é a natureza de sua relação?
Jon - Não, não encontrei. Isso creio que responde sua questão...
ZH - Encontrou Raul ou outras autoridades em Cuba ou apenas pessoas na rua?
Jon - Eu conheci Raul, sim, mas não nesta viagem. E conheço alguns cubanos, incluindo oficiais, alguns dos quais encontrei em minhas viagens recentes, não apenas gente "na rua".
ZH - Fale-me mais sobre suas expectativas para esse acordo entre o seu país e Cuba
Jon - Eu tenho altas expectativas. Elas se juntam às de muitos cubanos. Uma mistura de alívio por um impasse antiquado e contraprodutivo, que dividiu nossos dois países, estar terminando. E esperança de que isso signifique um relacionamento civilizado e respeitoso - até caloroso - como alternativa. Em geral, cubanos e americanos comuns sempre se deram muito bem. Como outras pessoas, eu tenho as minhas ansiedades em relação à Cuba, principalmente, sobre o grau de desenvolvimento e consumismo que poderia se tornar um resultado disso, com o risco de que o modo de vida de Cuba singularmente preservado e "mais verde" possa ser corroído ou, até mesmo, destruído. Mas é emocionante ver essas duas sociedades se tornarem amigas novamente.
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