Eventos como o concurso de charges de Maomé organizado em Garland, Texas, pela profissional da incitação ao ódio Pamela Geller costumam ter um script. Nele, os promotores devem fazer o papel de defensores frágeis e desinteressados da liberdade de expressão, dos direitos do homem e do cidadão e da igualdade de todos perante a lei. Pouco importa que, sob essas bandeiras piedosas, abriguem-se racistas empedernidos como Geert Wilders, do Partido pela Liberdade (denominação, aliás, copiada do partido da extrema-direita austríaca de Jörg Haider). O essencial é que se escolha com cuidado as vítimas - no caso, os muçulmanos - e, em seguida, se lance o ataque.
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Esse tipo de campanha obedece a uma cartilha velha e sebosa. Editores dos infames Protocolos dos Sábios de Sião sustentam seu direito de divulgar a tese asquerosa de uma eterna conspiração judaica com base na sacrossanta liberdade de expressão. Xenófobos como o francês Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional, não hesitam em invocar os valores do iluminismo ao torcer para que a epidemia de ebola resolva o problema da imigração para a Europa. A Ku Klux Klan defende a prerrogativa dos estudantes da Universidade de Oklahoma de entoar cantos racistas com base na - ela mesma, a liberdade de expressão.
Mas o roteiro de Geller, Wilders e companhia não está completo se alguém não fizer o papel de vilão. Em Garland, isso não foi problema. Dois criminosos abriram fogo diante do local da exposição e foram mortos pela polícia. Tiroteios são corriqueiros num país em que é possível comprar armas em supermercados. Desta vez, porém, o alvo não é uma escola secundária, uma sala de cinema ou uma cantina de universidade. Os atiradores atacaram um centro de convenções alugado a peso de ouro para abrigar uma exposição de charges de Maomé. Isso - como diria Svidrigailov, o devasso personagem de Dostoievski - muda tudo.
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