Inspirados no suplício de Jesus Cristo, açoitado por chicotes sob o peso da cruz nos momentos finais da vida, fiéis também contribuíram, na tarde desta sexta-feira, com sua parcela de sofrimento e abnegação. Rumo ao topo de um dos pontos mais altos de Porto Alegre, em meio à multidão, dezenas de devotos cumpriram o trajeto da 56ª Via Sacra do Morro da Cruz de pés descalços, pagando promessas.
A procissão de cerca de um quilômetro e meio, em direção ao calvário, foi iniciada após a primeira parte da encenação, protagonizada pelo ex-deputado estadual Aldacir Oliboni em um palco montado na frente da Igreja São José do Murialdo. O sol forte a esquentar o calçamento das ruas foi um desafio extra a quem, como Jaqueline Figueira Silveira, 36 anos, decidiu abrir mão dos sapatos. Participante do evento há 15 edições, neste ano a atendente comemorava um diagnóstico errado. Em novembro, descobriu um tumor no reto.
- A médica disse que eu não poderia operar e ia morrer. Não tinha chance - recorda Jaqueline.
Inconformada, a paciente se submeteu a mais exames e procurou outras opiniões. O tumor se revelou benigno e foi retirado em uma cirurgia em fevereiro. O percurso de pés no chão já foi realizado em outros anos, quando Jaqueline se feriu em cacos de vidro e pontas de cigarro acesas. Desta vez, a caminhada se seguiu a outros dois gestos de agradecimento prometidos em nome da cura: uma viagem ao Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo, e uma tatuagem da santa no braço direito.
- Hoje é a última etapa - comemora a atendente.
Celina de Fatima da Silva, 58 anos, também estava ali motivada por um caso de câncer. Com um par de chinelos nas mãos, a funcionária pública se emocionou quando o enredo da Via Sacra mencionou os enfermos - um amigo está internado no hospital com a doença disseminada pelo corpo. Celina estava disposta a subir o morro descalça e também descer.
- O médico diz que não tem mais o que fazer, mas Deus diz que sim - garante.
Muitos participantes seguiram os passos de Jesus em direção local da crucificação e da ressurreição acompanhados dos filhos. Inajara Goulart Lamartine, 32 anos, prometeu sete anos de procissão de pés desnudos carregando Brayan, dois anos, no colo. A recepcionista agradecia pela perfeita saúde do filho depois de um susto: a dois dias do parto, levou um tombo. Desesperou-se ao não identificar mais nenhum movimento do bebê na barriga. No hospital, exames descartaram problemas, mas ela só se tranquilizou depois do nascimento. Ofegante, carregando o menino de 13 quilos nos braços o tempo todo, Inajara brinca:
- Por enquanto está tudo certo. Quero ver daqui a sete anos.
Crucificação e ressurreição
Devotos acompanham a 56ª edição da Via Sacra do Morro da Cruz, em Porto Alegre
Inspirados pelo sofrimento de Jesus Cristo nos últimos momentos de vida, fiéis descalços pagam promessas durante a procissão
Larissa Roso
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