A crise econômica, os desdobramentos da Operação Lava-Jato e as manifestações de 15 de março colocaram a presidente Dilma Rousseff em um labirinto político. Encontrar a saída não será uma tarefa fácil para a petista que, na semana passada, atingiu a maior taxa de rejeição registrada por um presidente desde setembro de 1992, às vésperas da votação do impeachment de Fernando Collor de Mello, e viu seu principal aliado, o PMDB, ameaçar deixar a base.
Na tentativa de reverter o desgaste e apaziguar os ânimos, estão no radar do governo mudanças pontuais no primeiro escalão e a retomada de bandeiras da campanha. A reforma política, a reaproximação com movimentos sociais e até mesmo a redução da máquina também seriam alternativas. O problema é que os possíveis planos de rota de fuga da crise, além de escassos, acabam esbarrando na falta de consenso e nas dificuldades de caixa.
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Na semana passada, o PMDB apresentou proposta de reforma política que vai na contramão do que prega o PT e defendeu a redução do número de ministérios como uma demonstração de compromisso com o corte de gastos por parte da União.
- Nos três primeiros meses do ano, estamos fazendo economia de 33%. Quem deixa de gastar um terço do que poderia está dando exemplo - rebateu o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas.
Reforma política: proposta do PMDB tem financiamento privado e fim da reeleição
O prognóstico de especialistas não é muito animador, embora ressaltem que seria um erro subestimar a capacidade de reação do Planalto. Meio ano depois de comparar, na campanha eleitoral, Marina Silva a Jânio Quadros e Fernando Collor, Dilma agora vê o feitiço ameaçando virar contra o feiticeiro.
- Um governo em início de segundo mandato enfrentando um grau de insatisfação tão alto é muito perigoso - afirma o cientista político Carlos Pereira.
Professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV- Ebape), o especialista diz que existem quatro condições para que um governo perca condições de governar, e que Dilma já contaria com três delas: crise econômica, escândalo de corrupção e baixa popularidade. Faltaria apenas a perda de maioria no Congresso, e é nesse cenário que Dilma tende a ficar ainda mais refém do PMDB.
É consenso no Planalto que a governabilidade está nas mãos do PMDB, que domina a Câmara dos Deputados e o Senado. Em Brasília, deputados têm dito que o país vive "um parlamentarismo disfarçado", com o Congresso, e não o Executivo, ditando as regras. A sensação ficou mais forte após a demissão do ex-ministro da Educação Cid Gomes, anunciada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Sobre os próximos meses, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) resume:
- Vai ser um jogo de queda de braço, uma tensão permanente e um desafio político complexo - diz o parlamentar, que, ainda assim, aposta na superação do "momento difícil" por parte do governo.
Agenda positiva para contrapor ajuste fiscal
Enquanto a oposição parece ter optado pela estratégia de fazer a presidente sangrar, o Planalto tenta reagir. A chamada agenda positiva já começou a ser intensificada nos últimos dias. Dilma participou, na semana passada, de cinco atos, praticamente um por dia. Com pagamentos atrasados em diversos setores, a agenda será focada em viagens da presidente pelo país - na quinta e na sexta-feira, ela esteve em Goiás e no Rio Grande do Sul. Inaugurações, mesmo que de pequeno porte, vão tentar passar a impressão de um governo em movimento.
- Temo que as iniciativas da presidente, quaisquer que sejam, já sejam insuficientes, dado o grau de deterioração política e econômica a que o país chegou. A menos, naturalmente, que ela renuncie e, sem ela, as forças políticas relevantes enfrentem a situação de peito aberto - avalia o sociólogo e cientista político Bolívar Lemounier, ligado ao PSDB, em entrevista por e-mail.
Para o ex-professor de Dilma e conselheiro da presidente em momentos pontuais, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a crise foi construída, em boa medida, pelo fato de que a presidente acabou aceitando um modelo de política econômica que criticou durante a campanha, postura que "engrossou o coro de gente insatisfeita". Segundo ele, o ajuste fiscal não terá resultado no curto e médio prazos e deverá afetar sobretudo a parcela da população que ascendeu para a classe C:
- Para fazer ajuste desse tipo, com bons resultados e sem produzir os efeitos negativos que ele já está produzindo, teria que se ancorar nas forças políticas que a elegeram e distribuir os ônus, os sacrifícios. No caso do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e do Minha Casa Minha Vida, isso atinge diretamente as pessoas que tiveram a esperança de avançar depois do ganho que tiveram, e essa decepção é muito grave.
Em 2011, quando tomou posse como a primeira mulher eleita presidente da República, Dilma parecia antever o próprio futuro ao mencionar trechos de Grande Sertões: Veredas, do escritor Guimarães Rosa, em seu discurso: "O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".
Mais do que nunca, a frase do seu conterrâneo deve estar servindo de inspiração para a presidente Dilma, que, mais do que coragem, vai precisar de criatividade para sair desta sinuca de bico.
Cinco ideias em rascunho
Iniciativas recentes do governo mostram tentativas de recuperar o apoio à gestão de Dilma, mas especialistas ressaltam que ainda há outros desafios a enfrentar
1 - Reforma política
Dilma tomou posse dizendo que a reforma política seria uma das prioridades do segundo mandato. Para o cientista político Rafael Araújo, a presidente poderia "tentar cooptar a verve das ruas" para tirar a proposta do papel. Ela já fez essa investida depois das manifestações de junho de 2013, propondo a realização de um plebiscito, mas "as ruas se calaram e ela não teve força política" para levar o projeto adiante, embora sua popularidade estivesse melhor do que hoje.
- O problema é de que forma alguém que tem uma dificuldade no jogo político, que é característica da presidente, vai conseguir cooptar apoio político para conduzir essa força a seu favor ou a favor da República - questiona Araújo.
2 - Reaproximação com a esquerda
A possibilidade de o governo Dilma dar uma guinada à esquerda - como deseja uma ala do PT - é cada vez mais remota. No entanto, depois de montar um ministério que desagradou a base, a presidente tem demonstrado disposição para se reaproximar de movimentos sociais, que garantiram sua reeleição e foram para a rua defender sua gestão. Na sexta-feira passada, Dilma participou de atos em assentamentos do MST, em Eldorado do Sul. No final de 2014, o ex-presidente Lula teria dito a aliados que a mobilização social e a reaproximação com a esquerda seriam condições necessárias para pavimentar o caminho de um quinto mandato.
3 - Bandeiras da campanha
A estratégia de retomar bandeiras de campanha já começou a ser colocada em prática. Na quarta-feira, como uma resposta aos protestos de 15 de março, Dilma encaminhou ao Congresso medidas anticorrupção. O Planalto aposta na construção de uma agenda positiva para fazer frente à sequência de notícias negativas envolvendo a economia e as denúncias de corrupção na Petrobras. A crise econômica, porém, é um fator que pode limitar a atuação nesse sentido. Há expectativa de que nas próximas semanas o governo anuncie a largada da terceira fase do Minha Casa Minha Vida e o Mais Especialidades, uma das promessas da campanha de Dilma.
4 - PMDB, uma questão de sobrevivência
Para evitar que o principal aliado, o PMDB, abandone a base de governo, o Planalto terá de ceder cada vez mais espaço para agradar ao partido. E o preço da lealdade dos peemedebistas, em um momento de queda na popularidade de Dilma, será extremamente alto. O cientista político Carlos Pereira avalia que, em eventuais processos de cassação, o governo precisará bancar a sobrevivência de seus aliados:
- Se governo se relacionar melhor com a coalizão, alocar mais poder, recursos e espaço para aliados, a tensão diminui, mas não se resolve. Estão na linha de tiro parlamentares da base do governo que têm riscos reais de serem cassados. Como um governo que está em baixa popularidade vai poder salvá-los? É uma situação difícil. Não tem uma saída vencedora.
5 - Redução da máquina
Depois de anunciar um pacote de aumento de impostos e de publicar medidas provisórias alterando as regras da concessão de benefícios previdenciários e trabalhistas, o governo precisaria dar a sua cota de sacrifício: aprofundar o corte de despesas e reduzir o número de ministérios e de cargos em comissão (CCs). A consequência é a redução do espaço para abrigar aliados.
- Tem de haver alguns cortes mais simbólicos, já que Dilma está pedindo sacrifícios à sociedade - afirma o economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília (UnB).
*Colaborou Guilherme Mazui