Em uma semana à frente da presidência da Câmara dos Deputados, ele desengavetou a reforma política que desagrada a petistas, pautou o orçamento impositivo contra a vontade da equipe econômica e autorizou a criação da CPI da Petrobras.
Aos 56 anos, natural do Rio de Janeiro, o peemedebista Eduardo Cunha chega ao poder como algoz do governo e do PT. Ele nega que será oposição, mas não perde a chance de desancar a articulação política do Planalto.
Evangélico, da Assembleia de Deus, Cunha começou a carreira nos anos 80, na candidatura à Presidência da República de Fernando Collor de Mello. À época, descobriu uma falha no registro do extinto PMB que inviabilizava a popular candidatura do apresentador Sílvio Santos.
Como recompensa, foi indicado para a presidência da Telerj, no Rio. Em 2001, assumiu pela primeira vez o mandato de deputado estadual pelo PPB (atual PP). Seus adversários o chamam de ardiloso, os aliados preferem elogiar a fama de cumprir acordos.
Três dias depois da maior vitória de sua carreira, Cunha recebeu o Grupo RBS em seu novo gabinete.
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Eduardo Cunha é o novo presidente da Câmara
O senhor colocou a reforma política em pauta. Qual é a sua reforma ideal?
A minha reforma política ideal certamente não deve ser a reforma política que a Câmara vai aprovar. Reforma política é igual à seleção brasileira, cada um tem uma escalação. Tenho a minha, que não ia perder da Alemanha de 7 a 1. Sou favorável à coincidência de eleições, ao fim das coligações proporcionais, à redução do tempo de campanha, que não seja financiamento público. Sou favorável ao fim da reeleição e ao voto distrital, o chamado Distritão. Você transforma o Estado num distrito, os mais votados são eleitos.
Quanto ao financiamento de campanha, então, o senhor defende que continue como é hoje?
Privado, com algum tipo de regulação diferenciada de empresas e pessoas físicas.
Mas o PT defende o fim do financiamento de empresas. Esse será o primeiro motivo de embate entre o senhor, o PT e o governo?
Acho que a reforma política, como o nome diz, é política. Os partidos têm as suas ideias. O próprio PMDB, que é o meu partido, ainda está concluindo a sua proposta. E, certamente, será muito diferente da proposta do PT. É normal que os partidos entrem em disputa sobre questões de reforma política. Então, não vejo problema em ter embate com o PT. Mas não sei por que o governo tem que se meter no roteiro da reforma política. Isso não é matéria de governabilidade. Isso é matéria de natureza política, que cabe aos partidos.
E como o senhor vê esse debate?
Tem alguns que são contraditórios, defendem financiamento público, mas captaram mais dinheiro que todos captaram em qualquer circunstância de uma campanha eleitoral. Falta um pouquinho de autoridade a alguns que defendem financiamento público, diante dos volumes de recursos que captaram de todas as empresas privadas.
Mas a questão do fim do financiamento por parte de empresas já está no STF. Nem sobre esse tema o governo deveria se posicionar ou articular?
Também me parece contraditório que o governo fale em ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, faça discurso do financiamento público, que despende recursos públicos. Acho que o governo não deveria se meter.
E quanto a plebiscito ou Constituinte exclusiva para reforma política?
Constituinte exclusiva acho equivocado. É você achar que há brasileiros mais ilustres que os parlamentares que foram eleitos. Plebiscito, sou absolutamente contrário. Concordo com o referendo. Não aceitamos ter que previamente ser consultados sobre aquilo que podemos legislar. É tirar a capacidade de representação. Mesmo que concordasse com o plebiscito, seria absolutamente inviável. As opções que você teria para submeter à consulta não seriam entendidas pelo eleitor.
Como estão as relações com o Planalto?
É uma relação institucional. Toda vez que for disponível. É institucional. Estamos aqui dispostos a receber qualquer um para o diálogo. A presidente Dilma me telefonou, já conversamos.
Sem ressentimentos?
Não posso trabalhar com essa palavra. Se fiz uma campanha em que obtive votos de todos desta Casa, que são de correntes diferentes, preguei que não seria oposição nem submisso, então não posso atuar com ressentimento. Não vou ser oposição porque vou fraudar aqueles que efetivamente votaram em mim, sabendo que eu não seria oposição. Eventuais sequelas que poderiam ter ficado têm que se restringir ao limite partidário. Jamais ao exercício institucional da presidência da Câmara.
Mas Henrique Fontana, que era líder do governo e apoiou Arlindo Chinaglia, já foi substituído. A presidente Dilma deveria trocar mais algum integrante da articulação política, como o ministro Pepe Vargas?
Isso aí é o governo que tem que falar. Para mim é absolutamente indiferente.
Mas logo depois da eleição o senhor declarou que Pepe estava inviabilizado.
Não usei a frase no tempo passado, eu usei no gerúndio, que ele estava se inviabilizando. Se ele se inviabilizou ou não... Se terminou em inviabilização só os partidos podem responder.
Para o governo é prioridade aprovar a MP do ajuste fiscal. Como estão as negociações?
Isso está previsto em medida provisória, consequentemente, você tem uma comissão mista. A comissão vai dar o parecer que será votado, depois passará ao plenário. Não tem atuação do presidente da Câmara. Aí se vai ou não ter divergência, são os partidos que vão decidir.
Pela sua experiência, em que pontos o governo enfrentará maiores dificuldades?
Há coisas que podem passar com mais facilidade porque há um momento econômico complicado. Há temas com outro tipo de debate, por exemplo, quando você fala em retirar direito trabalhista. Então, haverá embate político. Se o governo realmente vai manter o texto... Ele vai ter que constituir a sua maioria para poder fazer valer a sua vontade.
Com o cenário de hoje, depois da eleição para Câmara, vai ser fácil construir essa maioria?
A base tem um tamanho razoável, depende de articulação. O que está faltando ao governo é articulação. Falta articulação política.
A partir do Planalto e na Câmara também?
A partir do Planalto.
Até que ponto a Operação Lava-Jato pode interferir na rotina da Câmara?
Não pretendemos paralisar nada porque a Constituição e o regimento preveem saída para tudo nesta Casa. Vamos tratar com absoluta normalidade e com absoluta institucionalidade.
Há expectativa de uma enxurrada de processos de cassação?
Para haver processo de cassação tem que ter representação partidária. Havendo representação partidária vai tramitar no Conselho de Ética, e daí por diante. Então, não tem o que o presidente possa fazer.
E o que poderá acontecer se, eventualmente, o seu nome ou o do presidente do Senado, Renan Calheiros, estiverem na famosa lista de políticos envolvidos na Lava-Jato?
Ninguém é imune a uma investigação. Todos estão prontos para serem investigados.
Antes da eleição para a Câmara, seu nome foi citado, mas o senhor negou participação.
Quem negou foi o advogado daqueles que estavam me atribuindo a acusação. A acusação era falsa. Se aparecer qualquer coisa, será coisa nova.
Qual o papel do Congresso na crise da Petrobras?
É fazer aquilo que cumpre a Constituição e o regimento das duas Casas, que é o papel de legislador e fiscalizador. As comissões parlamentares de inquérito irão funcionar. Ao mesmo tempo, qualquer tipo de tentativa de mudança de legislação que possa corrigir, coibir esse processo de corrupção que aconteceu na Petrobras, nós temos que fazê-lo. O que o Brasil espera é que a gente não saia desse processo igual a antes dele. É a maior história de corrupção do mundo e tem que ter um tratamento forte, de combate, seja em forma de legislação, seja em forma de punição. [Na quinta-feira, Eduardo Cunha anunciou a criação da CPI da Petrobras.]
Quais são os seus grandes temas para esses dois anos na presidência?
O primeiro tema é a reforma política. E o segundo grande tema é a discussão do pacto federativo.
De que maneira a discussão do pacto federativo vai ocorrer? O senhor vai chamar os governadores, prefeitos?
Tenho conversado com alguns governadores. Aliás, durante a campanha eleitoral visitei todos. Agora, quero voltar a estabelecer esse diálogo. Pretendo voltar a todos os Estados, discutindo novamente aquilo que a gente vai fazer. E vamos ter de criar um grande grupo aqui para fazer uma discussão mais séria e gerar algum tipo de projeto.
O pacto federativo passa pela reforma tributária?
Quando você fala pacto federativo é muito diferente de você falar de reforma tributária. Reforma tributária você vai atribuir adequação de tributos, única e exclusivamente que geram receita. E o grande problema do pacto federativo é que você, além da discussão das receitas, tem as várias obrigações. Dou um exemplo clássico: o governo federal dá creches para municípios. Mas o município não tem como fazer o custeio da creche. O mesmo ocorre com a UPA. Todos precisam de UPA para a saúde pública, mas o município não tem como sustentar o custeio. É preciso tratar disso.
O nível de endividamento de Estados e municípios com a União entra nessa discussão?
Sem dúvida. Nisso, inclusive, sou protagonista, porque fui o relator do projeto que mudou o indexador das dívidas. E fiz a alteração da retroatividade, que acabou aprovada no Congresso. Isso aí deu uma economia para o Rio Grande do Sul muito grande.
Aliás, o Estado ainda aguarda a regulamentação da lei que alterou o indexador das dívidas.
Se o governo não fizer, o Congresso terá que cobrar. Eu vou cobrar. Não adianta nós fazermos uma lei para não ser cumprida.
O senhor avisou que agora haverá sessões às quintas-feiras na Câmara. A produtividade da Casa anda baixa?
A produtividade estava baixa e efetivamente prejudicada também pelo processo eleitoral de 2014. É normal que em ano eleitoral as pessoas trabalhem menos.
Mas mesmo antes das eleições o ritmo na Câmara não era lento?
Estava, estava sim. As pessoas vão se acomodando, mas a principal razão disso é você não ter sessão para efeito administrativo às quintas-feiras. Passado o Carnaval, é rotina a sessão toda quinta-feira. E quem não estiver aqui vai levar falta. Quem achar ruim é porque escolheu a profissão errada.