A morte misteriosa do procurador federal Alberto Nisman parece ter engolfado a Argentina num período de incertezas. Desde o dia 19, quando foi divulgado o fato, o governo de Cristina Kirchner não sabe como reagir politicamente, enquanto as investigações policiais se perdem em um labirinto de pistas.
Morte de Nisman amplia isolamento de Cristina Kirchner
Argentinos estão perplexos com morte de promotor que denunciaria Kirchner
Os seis mistérios que cercam a morte do procurador argentino
Nisman, 51 anos, duas filhas, investigava uma suposta participação de Cristina Kirchner nas tentativas de abafar as apurações em torno do atentado terrorista contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que deixou 85 mortos, em 1994. O procurador foi encontrado com um tiro na cabeça, no apartamento onde morava, no bairro Puerto Madero - um dos mais chiques de Buenos Aires -, justamente às vésperas de denunciar a presidente no Congresso Nacional. A partir de então, uma dúvida inquieta os argentinos: foi suicídio ou assassinato?
A expectativa é de que Cristina apareça em público - está reclusa desde 23 de dezembro - ou faça um pronunciamento em cadeia de rádio e TV. Antes, precisará acertar o tom do discurso. Uma corrente dos seus assessores pede moderação, isto é, não atribuir a morte de Nisman a uma trama para atingir o governo. Outra parte dos conselheiros insiste na tese de que o procurador federal era manipulado por inimigos do kirchnerismo, que o usaram e depois descartaram.
Enquanto Cristina está reclusa na Quinta dos Olivos, a residência presidencial, sem despachar na Casa Rosada (palácio de governo), os argentinos seguem a rotina. Depois do protesto inicial de "Yo soy Nisman" - referência ao francês "Je suis Charlie", não houve mais passeatas pelas ruas.
A atração do momento é o entra e sai de peritos no conjunto residencial Le Parc, onde vivia Nisman, com as suas três torres de 43 andares. O local é a mais recente ferida aberta na deslumbrante Buenos Aires. Assim como as sedes da judaica Amia e da discoteca Cromagñon (causou 194 mortes, em 2004, num incêndio similar ao da Boate Kiss, de Santa Maria), ambas localizadas no bairro Onze.
Turistas vão para a frente dos prédios do Le Parc, em Puerto Madero, para tirar fotos e conhecer o lugar onde se instalou a maior crise institucional nos 11 anos do governo do casal Kirchner (primeiro Néstor, já morto, depois Cristina). Mesmo os portenhos visitam o condomínio, incrédulos, enquanto os moradores locais estão aborrecidos com o permanente plantão das emissoras de TV. São quatro unidades móveis gerando imagens ao vivo.
No plano policial, as investigações se arrastam. Falta divulgar o conteúdo do celular de Nisman, com quem teria falado nas últimas horas antes de ser morto. E desvendar o conteúdo das 160 câmeras de vigilância do condomínio residencial Le Parc, onde o procurador morreu.
AS DÚVIDAS:
Algumas circunstâncias em torno da morte do procurador Alberto Nisman não seguem a lógica.
- Por que pediu emprestada uma pistola calibre .22 (de baixo poder de fogo), se tinha um revólver calibre .38 (mais potente)?
- Por que se afastou de Cristina, depois de ter sido próximo de Néstor Kirchner?
- Por que antecipou a volta das férias na Europa para depor no Congresso Nacional, onde apresentaria denúncia contra a presidente Cristina Kirchner?
- Por que ficou sem custódia policial no final de semana?
- Por que boa parte das 160 câmeras de vigilância do prédio onde morava não funcionava no dia da morte?
- Por que não lhe deram atenção quando alertou que temia por sua vida e pela segurança das duas filhas?