Auditoria interna e investigação do Ministério Público Federal apontam para um esquema de distribuição de bolsas de pesquisa na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e em suas fundações de apoio. A Rádio Gaúcha teve acesso às informações da auditoria que mostram entre os casos suspeitos o de um servidor de limpeza que recebeu R$ 12 mil para um estudo sobre vitivinicultura. Ou de um doutorando em educação que ganhou dinheiro da universidade para dar 180 palestras em 120 dias. E, ainda, de um médico que recebe, em bolsas e salário, mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Gilberto Luis da Silva Carvalho consta como servente de limpeza da UFPel no Portal da Transparência. Ele sequer tem Lattes, uma espécie de currículo na internet elementar para qualquer pessoa que deseja entrar na vida universitária. Como um servente de limpeza consegue ganhar R$ 12 mil para um estudo de vitivinucultura é um dos questionamentos feitos durante a auditoria.
Receber bolsas não é ilegal. Mas é imprescindível que o favorecido tenha, no mínimo, uma familiaridade com o assunto a ser estudado, como conta o chefe da unidade de auditoria interna da UFPel, Elias Medeiros Vieira:
"Isso aí, no mínimo, tem uma implicação na moralidade administrativa, eu não considero que seja uma boa prática que a pessoa que não tenha nenhuma afinidade com o objeto do convênio se benefiecie de bolsas, na verdade eu vou mais ainda, vou avançar, e dizer que considero ilegal."
O Ministério Público Federal abriu investigação sobre o assunto e descobriu que bolsas de estudo, que deveriam ter sido divulgadas para todos na universidade, eram simplesmente distribuídas entre poucos, sem qualquer publicidade. Os favorecidos eram pessoas próximas ao reitor Mauro Del Pino, que também receberam funções gratificadas com a gestão dele.
O servente de limpeza, por exemplo, foi promovido a gerente com cargo comissionado na gestão de Del Pino.
Outro caso é Hemerson Luis Pase, o professor adjunto que virou assessor do reitor assim que Del Pino assumiu. No mesmo ano, Hemerson recebeu mais de R$ 30 mil com convênios. E, depois, ainda se tornou coordenador dos convênios.
Tem ainda o caso de Cristiano Guedes Pinheiro. Ele é doutorando em educação e recebeu dinheiro para dar seminários sobre inspeção agropecuária. Foram 180 seminários em 120 dias. O caso dele, segundo o auditor Elias, é mais grave porque ele é presidente das fundações de apoio.
“O presidente da fundação firma o convênio com o gestor máximo, ele é beneficiado, ele contribuiu diretamente é muito mais difícil se eximir da responsabilidade ou próprio coordenador do projeto, ele é o coordenador e ele se colocou, depois vai ficar muito difícil se eximir daquele responsabilidade".
Outro investigado é o professor Luiz Augusto Facchini. Renomado na medicina, com pós-doutorado em Harvard, Facchini recebe por mês em bolsas e salário mais do que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O valor excede o teto constitucional.
Facchini ainda assinou nota de despesa de 40 dias em hotel de Natal, diárias no valor de R$ 8 mil pagas com dinheiro público.
Reitor diz que abriu sindicância
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, Del Pino afirmou que quatro assessores haviam sido afastados e perdido suas funções gratificadas, enquanto a universidade abre sindicância para apurar o caso. Já o procurador da República, Max Palombo, disse que irá pedir restituição dos valores e condenou o que chamou de “descontrole na concessão das bolsas”.
Contrapontos:
Procurado pela reportagem, Facchini disse que não passou 40 dias em Natal. Ele afirmou que emitiu uma nota falsa para cobrir gastos de uma defesa de conclusão de curso. Segundo ele, a fundação de apoio teria se esquecido de reservar o local e emitir a nota falsa foi a maneira encontrada para manter o evento, que fazia parte de um projeto de pesquisa. Sobre a remuneração, ele defende que não há jurisprudência que defina com rigor o teto máximo a ser alcançado com bolsas.
Gilberto, o servente de limpeza, não quis se pronunciar. Hemerson, assessor do reitor, disse que não contrariou qualquer legislação.
E Cristiano, ex-presidente das fundações, disse, por e-mail na terça-feira (3), que não realizou 180 seminários, mas participou de dois. Ele afirma que atuou como coordenador pedagógico do projeto, o que justificaria sua formação em educação em um estudo de inspeção agropecuária. Também afirma que não foi pago para dar 180 seminários, mas para dar auxílio pedagógico em todo projeto. As palestras sobre o tema ficariam a cargo de outra pessoa com formação na área, também participante do projeto.