Nos dias em que consegue arregimentar pelo menos um voluntário para ajudá-lo em sua missão de restaurar as espécies nativas à floresta, Paul Zweng sai com a picape 4x4 da casa que divide com a mulher e os filhos em um subúrbio de Honolulu. A caminho do litoral norte, rumo ao fantástico terreno montanhoso de Oahu, ele para com o objetivo de buscar Sam ou Charlotte ou Jim. Os de sempre.
No Vale Waikane, pega uma estrada lamacenta em direção ao interior, passando pela Igreja do Deus Verdadeiro e uma fazenda de criação de porcos que dá as boas-vindas aos visitantes com uma caveira animal presa em uma estaca no portão da frente. O mato vai ficando mais cerrado conforme ele segue paralelo a uma cerca antiga, coberta com avisos de artilharia não explodida em quatro idiomas.
Depois de uma subida, ele sai e abre o portão para os 584 hectares de sua propriedade, que se ergue das planícies férteis para florestas tropicais e culmina em um pico a 792,5 metros acima do nível do Pacífico. Esse terreno é vital para a cultura do antigo Havaí, pois ali se encontram diversos sítios arqueológicos, além dos restos de fazendas antiquíssimas de cultivo de inhame. As placas espalhadas pelo vale, já desbotadas, falam de uma história mais recente: "Preserve o interior" e "Cidade nova, que pena!"
Nos anos 70, membros da Associação Comunitária Waikane bloquearam a estrada para impedir que as escavadeiras - e a invasão de condomínios e subúrbios - acabassem com seu estilo de vida bucólico. A certa altura a coisa ficou tão feia que o governo teve que intervir e o estado comprou a maior parte dos terrenos para controlar o desenvolvimento, tornando-se proprietário de muitas fazendas e casas, em um arranjo pouco comum que até hoje continua em vigor.
Paul também tem planos de expansão, mas um pouco diferentes daqueles que todo mundo esperava.
Ele pensa no dia em que parte de sua floresta voltará ao estado natural, antes que 20 mil tipos de plantas e animais invasivos chegassem pelas mãos de exploradores, turistas e até dos pássaros.
Pergunte a ele quando acha que a terra era intocada o suficiente para satisfazer seu gosto botânico e Paul responderá sem pensar: "Antes da chegada do Capitão Cook." Ou seja, antes de 1778.
Durante grande parte da vida, Paul foi um geólogo de exploração que vasculhava o planeta - na maior parte do tempo ao ar livre, em lugares como Peru, Mongólia, Chile e a República Democrática do Congo - em buscas de novas fontes de ouro, cobre, carvão e terras raras.
Além de concluir o doutorado em Geociências Aplicadas em Stanford, Paul tinha jeito para arrecadar fundos e entusiasmo, e com a experiência, aprendeu a seguir seus instintos sobre a provável localização dos recursos preciosos.
Tudo isso compensou, e muito, quando duas empresas canadenses com que ele estava envolvido - como o CEO de uma (QGX) e fundador e diretor da outra (Antares) - localizaram reservas imensas de carvão na Mongólia e cobre no Peru. Em 2008, a QGX foi vendida por US$265 milhões e, dois anos depois, foi a vez da Antares, por US$650 milhões (ambos os valores em dólares canadenses).
Pela primeira vez na vida, Paul disse: "Eu tenho uns trocados no bolso".
Ao se ver desempregado, rico e isolado em Oahu (onde seus filhos cursavam uma escola particular, por isso a família decidiu ficar), ele tinha que decidir o que fazer -e a indolência estava fora de cogitação.
- Morro de tédio na praia e não dou a mínima para golfe - confessou.
or isso, acabou se oferecendo como voluntário de um programa de recuperação florestal administrado pelo Exército dos EUA para ajudar a reparar os danos causados pelo treinamento militar.
Entretanto, mesmo com experiência em Ciências da Terra, Paul tinha dificuldade para identificar as plantas. Frustrado, acabou se matriculando em um curso de Botânica da Universidade do Havaí. Havia muita gente na classe, mas ele era um dos poucos que nunca faltava - e decorou os nomes populares, havaianos e latinos de inúmeras espécies, verdadeira façanha para quem sofre de dislexia.
- Aquele curso mudou a minha vida - explicou ele, por ter inspirado seu projeto atual.
Com motivação renovada, começou a procurar um terreno onde pudesse pôr seu conhecimento em prática: e ouviu falar de um lote enorme, praticamente vertical, no Vale Waikane, que já tinha sido vendido por mais de US$9 milhões, mas foi executado.
Com o talão de cheques no bolso, foi ao leilão para tentar a sorte - e não demorou a perceber que não só era o único interessado como toda aquela terra acabou sendo sua. Por quase US$2,2 milhões, se viu dono de 5,2 km quadrados do paraíso com que sonhava.
Matando as árvores daninhas que matam
Quando os vizinhos que moram na região há muito tempo sabem das intenções de Paul, ficam horrorizados, pelo menos até explicar seu plano. É que eles aprenderam a amar as árvores frondosas que ele está tão empenhado a matar - principalmente a albízia, mesmo que ela seja uma das piores pragas dessas florestas.
- Eu também adorava, até descobrir os danos que elas causam.
Até a árvore símbolo do estado, a nogueira-de-iguape, conhecida regionalmente por kukui (Aleurites moluccana), não é nativa das ilhas; foi importada da Polinésia. Paul as mata também porque acabam com as espécies nativas como a Acacia koa, a ohia e a lama.
O Departamento de Terras e Recursos Naturais gostou tanto de seu projeto que vai lhe dar US$616 mil pelos próximos dez anos. O Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA lhe deu US$10 mil para outra iniciativa: proteger o elepaio, pássaro encontrado somente no Havaí e ameaçado de extinção porque está sendo devorado pelo rato-preto.
O Departamento de Agricultura escolheu sua propriedade para a introdução de um inseto brasileiro conhecido por acabar com a disseminação de outra planta invasiva: o araçá-rosa.
Inacreditável quando se pensa que, como ele mesmo diz: "Sou novato".
Voluntários motivados pela esperança
Com o tempo, Paul, que foi criado em Palo Alto, na Califórnia, pretende construir uma casa para a família com vista para a Baía Kaneohe. Nos próximos meses, com a aprovação do estado, vai começar a preparar dois hectares para um teste de plantio de cacau, matéria-prima para o chocolate (embora não seja nativo do Havaí, o cacau não é invasivo e se adapta bem ao terreno, ao clima e à comunidade, disse ele), embora haja muita coisa a fazer primeiro: estradas para abrir, ratos para dizimar e voluntários para coordenar.
Sam Callejo, de 69 anos, que já foi chefe de gabinete do ex-governador Ben Cayetano, raramente perde seu dia de trabalho, às quartas-feiras. Charlotte Yamane, de 71, voluntária experiente do Comitê de Espécies Invasivas Oahu, ajuda sempre que pode, retirando sementes e plantas nativas das propriedades que cercam a de Paul. Jim Keenan, músico e naturalista que trabalha à noite de segurança, se apresenta para o serviço todas as quintas-feiras.
Não só esses três, mas como vários voluntários já estão fazendo a diferença: há sinais de esperança na floresta. Nos campos de onde foram retirados as árvores e arbustos invasivos já se pode ver os brotos de koa, as flores da naupaka e a avenca palaa. A kookoolau, flor amarela que só cresce no Havaí, também já voltou a florescer.
Apesar dos avanços, Paul teme a própria mortalidade e se preocupa com o tempo que lhe resta para trabalhar na floresta. Ele sonha com o dia em que a recuperação seja definitiva a ponto de lhe permitir ver o apapane vermelho ou o iiwi, pássaros nativos que deixaram de ser evidência no vale há anos.
Ele diz que, na verdade, o veredito de seu trabalho não será dado pelos ambientalistas nem pela comunidade, mas pela própria natureza:
- É ela que vai nos dizer se fizemos alguma diferença.
Natureza
Projeto procura restaurar paisagem natural do Havaí
Paul Zweng, doutor em Geociências, é o responsável pela iniciativa que retira plantas que não são nativas e tenta restaurar ecossistema natural havaiano
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