
Papai Noel só pode ser um cara legal. Não é fácil passar tanto tempo sorrindo, ainda que derretendo debaixo de uma roupa nada a ver com a estação. Papai Noel só pode ser um cara organizado. Ou sem sono. Apesar da agenda lotada nesta época do ano, ele não deixa ninguém na mão.
E, sobretudo, Papai Noel só pode ser um velhinho de ouvidos e memória grandes. São milhares de desejos, confissões e promessas que lhe chegam todos os dias. Ele lembra de todas as conversas e guarda cada uma delas como se fosse um segredo.
Baita cara, não? Sim, e é por isso que, mesmo correndo o risco de ficar sem presente de Natal neste ano, Zero Hora aprontou uma. Morrendo de vontade de saber o que as crianças estão falando para o senhor de longa barba branca, instalamos uma câmera e um microfone próximos à poltrona dele, em um dos shoppings de Porto Alegre. E também seguimos alguns de seus passos pela Capital.
O senhor vai ter de nos desculpar, Papai Noel, é que achamos que todo mundo deveria ouvir as pérolas que o senhor ouve. E ver as carinhas que o senhor vê e viver as cenas de filme que só o senhor vive...
"Abua" e Pedro foram ao shopping
O bico acompanha Pedro desde que o menino caiu neste mundo. O bico acalmou crises de choro e fez companhia em longas noites de sono. E, de tão especial, o bico acabou sendo a primeira palavra pronunciada por Pedro. Do jeito dele: "Abua".
A história de Pedro e Abua já tem três anos. Cúmplices, um não sai de casa sem o outro. E a história que segue aconteceu, um pouco, em função disso. Foi na semana passada, quando Pedro foi ao shopping e levou Abua para visitar o Papai Noel. Tinha tudo para ser uma tarde entre grandes amigos.
Mas não foi bem assim. Ao ver o velhinho sentado em sua poltrona, o menino soltou a mão da babá Mara e disparou para o colo do Noel. Com Abua em mãos, disse-lhe que queria ganhar a toca das Tartarugas Ninjas - Leonardo, Michelangelo, Donatello e Rafael eram seus personagens preferidos. O acordo estava quase selado - Pedro teria de se comportar e deixar seus brinquedos sempre organizados - quando, de repente, em uma pressa irrefletida, o menino entregou o companheiro Abua ao Papai Noel.
"O que é que eu fiz?", deve ter pensado Pedro, quando voltou a olhar profundamente para Abua, que já estava entre outros bicos sem donos. Então tentou renegociar o pacto, estendendo a mão para resgatar o amigo. Irredutível, Papai Noel o impediu. Aquela era uma decisão de gente grande.
Parecia não haver sentido para o gesto inusitado de Pedro. Nem mesmo para o próprio Pedro. Foi quando a babá resolveu entrar na história, na tentativa de dar-lhe um motivo coerente:
- É que já tem três meses que ele deixou de usar fraldas e...
Antes que completasse a frase, ela foi interrompida. Um Pedro tomado de vaidade baixou a bermuda jeans. Não estava nem aí com o fato de estar quase pelado dentro de um shopping, justo ali, na frente do Papai Noel. Queria mesmo é mostrar a quem pudesse ver: AGORA ELE USAVA CUECA. Uma cueca azul - no estilo boxer, que é o seu preferido. Ele usava cueca estampada com carrinhos em vermelho, amarelo e verde.
- É, era isso que eu ia dizer, que o Pedro agora usa cuecas, e o bico já não combina mais com um menino de cueca - completou a babá.
Voltaram para casa. Pedro e Mara. À noite, a rotina na casa dos Port seguia como em qualquer outra. A mãe, Daiana, e Pedro brincavam de Tartarugas Ninjas pelos corredores. Ele, a tartaruga Rafael. Ela, Casey Jones, um justiceiro que usa equipamento esportivo como arma.
- Rafa, está na hora de dormir - anunciou a mãe, lá pelas tantas, ao personagem da noite. Era tarde e o "mamá" já estava pronto.
- Cadê meu Abua? - pediu o menino, em contraproposta.
- Mas filho, tu entregou o bico para o Papai Noel, lembra?
- Eu não! Eu sou o Rafa. Quem entregou o bico foi o Léo - apressou-se Pedro, como quem dizia não ter nada a ver com a decisão precipitada da outra tartaruga, a que fora ao shopping naquele dia.
Agora diz aí, que mãe não se derreteria com uma resposta dessas? Desconcertada com a esperteza do filho, Daiana buscou o Abua. A babá o havia recuperado com o Noel, sem que Pedro se desse conta.
- Mas amanhã o Rafa vai levar o bico para o Papai Noel, não vai? - questionou a mãe.
- Aham.
Mais três personagens ainda teriam de entregar o bico para o Papai Noel. Depois deles, seria ainda a vez do próprio Pedro. Pelas contas e percepção da mãe, não será nesse Natal que o menino deixará o querido Abua de lado.
Papai Noel também sabe disso. E mandou um recado:
- Se for preciso, Pedro, ano que vem a gente negocia de novo.
Na casa de Sayore
Um cara como o Papai Noel recebe muitas cartinhas por dia. E lê todas. Mas tem algumas que se sobressaem, chamam a atenção do velhinho. Aí sabe o que ele faz? Fura a fila! Mas tudo bem. Você logo vai entender que não é à toa...
Na semana passada, um pedido diferente, em letra caprichada, chegou às mãos dele. O desejo de Sayore Maier dos Santos, 11 anos, era ganhar uma bola de fisioterapia. Papai Noel desconhecia o motivo pelo qual a menina elegera seu presente, mas desconfiava que, por trás daquelas linhas, estava uma história especial.
Ele tem bom faro. Chamou seus ajudantes, conseguiu a bola em poucos dias e, na última sexta-feira, foi até a casa de Sayore - o endereço, no alto de uma ladeira, em um lugar onde nem carro chega, ele deu um jeitinho de descobrir.
Para a garota, 2013 vai acabar como um ano de conquistas. Além de ver, pela primeira vez, o barbudo cruzar o portão da casa em que mora com a mãe e duas irmãs, será o ano em que conseguiu dar os primeiros passos sem a ajuda de andador ou muletas.
Sayore teve uma parada cardiorrespiratória antes de completar um mês de nascimento. Durante anos, sua vida esteve alternada entre períodos em casa e outros, mais longos, no hospital. Foi com a determinação que todos na escola já conhecem - ela foi destaque como aluna mais dedicada da turma -, que aprendeu a se equilibrar, conseguiu estender os dedos e retomar a atividade das mãos. Hoje, a dificuldade se concentra nos movimentos do quadril e dos pés, que serão operados em breve.
- Não chora, menina! - pediu o Papai Noel.
- É que faz tempo que o fisioterapeuta recomendou os exercícios em casa, mas no fim do mês não sobra nem R$ 100 para irmos até a loja para conferir o preço da bola - explicou a mãe, Terezinha, que trabalha como faxineira.
Sayore deixou que o Papai Noel seguisse com seus compromissos sem nem mesmo ter aberto os presentes recebidos. Não precisava. Questão de confiança: ela sabia que teria naquele pacote o presente que lhe ajudará a ter uma "vida melhor", como ela mesma definiu. O que nesse momento pode se resumir em algo que Sayore nunca fez: ir sozinha para a escola. Para um futuro um pouco mais distante, "uma vida melhor" fará parte de outros planos: ela quer ser fisioterapeuta.
- Eles me ajudam tanto que eu quero retribuir. Eu já combinei com o meu fisioterapeuta Paulo que vou cuidar dele quando ele ficar velho. E o pior é que sei que ele vai me dar um trabalhão - brinca a menina.
Dois pedidos complexos
Eduarda e Eduardo são primos. Ela tem 11, ele tem cinco. Dudu não sabe escrever. E naquela tarde ele estava mesmo interessado em fazer o seu pedido. Ditou a carta para a prima:
- Escreve aí: "querido Papai Noel, quero uma bola cafusa". Aí manda um beijo e um abraço. Daí escreve "de Dudu" e "para Papai Noel". Ah, esqueci. Bota aí: "E uma bicicleta de aro".
O menino mal deixou a prima terminar a cartinha e correu, todo banguela, em direção ao velhinho. E foi chegando, como se estivesse em casa. Sentou na poltrona, cruzou as pernas como se fosse tratar de negócios. Só que o Papai Noel que não entendeu muito bem.
- Mas qual aro? - perguntou.
- De aro. Aquelas bicicletas que são mais durinhas - respondeu Dudu, com as mãos posicionadas em um guidão imaginário.
- Ah, bom. Agora entendi. Tudo bem. Eu vou passar às 23h30min na tua casa. Vê se nesse ano tu não vai estar dormindo, roncando e babando, como no ano passado.
Aquilo não era coisa de Noel dizer a um menino de cinco anos. Pelo menos não a Dudu, que saltou da poltrona, de cara fechada.
- Babando e roncando, não! Dormindo, pode até ser - defendeu-se, com os dentes (ou buracos entre eles) cheios de chocolate natalino.
Por sorte, antes que se iniciasse uma discussão em véspera de Natal, a prima Eduarda se aproximou e entregou a cartinha que havia cuidadosamente decorado. Noel tomou-a e, em voz alta, leu o pedido da menina, mais conciso, mas nem por isso mais simples:
- Neste Natal, eu não quero pedir nada, só a paz no mundo...
O menino indiferente
A mãe bem que se esforçou, mas o garoto não queria deixar o conforto do carrinho para abraçar o Papai Noel. Ele tinha dois anos. Só que aquele senhor de vermelho e branco parecia dizer nada para ele.
- Vem cá! - sugeriu o Papai Noel, estendendo-lhe os braços e um sorriso no rosto.
Mas nada. O garoto não estava nem aí.
Mas tem aqueles que não fazem questão de se aproximar porque o medo é maior que a vontade daquele presente. Nestes casos, são os pais que se aproximam e mostram que não há nada a temer, como fez uma mãe, de forma divertida, nas imagens captadas e mostradas no vídeo abaixo.