Idrissa Kargbo, um vendedor de café de Serra Leoa, sonha em tornar-se um dos melhores corredores do mundo. É uma meta audaciosa.
Não há treinadores de corridas de distância em Serra Leoa, um dos países mais pobres do mundo, e, por isso, Kargbo treina sob a tutela de um velocista local. Assim como muitas outras pessoas no clima tropical, quente e úmido da África Ocidental, ele é contrai malária uma vez por ano.
Se as pernas doem, a solução encontra-se na farmácia local. - Eu compro algum gel anti-inflamatório e aplico sobre a dor - , explicou.
A corrida que ele faz semanalmente é de 40 km, desviando pelas praias, montanhas e ruas engarrafadas de Freetown, onde uma multidão de espectadores boquiabertos vibra.
Em Serra Leoa, correr é um passatempo incomum, assim como na maior parte da África, onde as pessoas se rendem ao futebol. Quando os africanos chegam à pista, geralmente é para corrida de velocidade. A região fabrica velocistas de primeira classe mas, conta com poucos campeões maratonistas.
- Quando eu corro em casa, as pessoas acham estranho - , disse Kargbo. - Mas eu continuo mesmo assim. Eu acho que está no meu sangue agora. É minha paixão e meu talento -
Seguindo esse talento, Kargbo tornou-se o melhor maratonista que o pequeno país já produziu.
Kargbo, de 22 anos, ganhou a maratona de Serra Leoa, no ano passado, em 2 horas, 38 minutos e 27 segundos, e depois bateu esse tempo na Libéria em agosto, atingindo 2:35:15, melhor recorde nacional do país dele. Ele colocou o dinheiro do prêmio na poupança e não precisa mais se preocupar em comprar comida.
- Meu principal alimento para correr é o arroz - , disse ele. - E como um agradinho, eu compro suco e folha de mandioca -
O mais importante: a maratona de Nova York o aceitou no campo sub-elite, um nível abaixo dos corredores profissionais.
Ele esperava que a maratona de Nova York lhe desse um melhor status como corredor, mas ele terminou aquele dia no hospital, onde foi tratado de uma insolação. O tempo foi de desapontadores 2:58:54, mas ele está determinado a melhorar.
De onde ele vem, a vida de um corredor é cheia de desafios. Kargbo organiza as corridas entre as horas dos dias que passa como entregador de café, andando entre prédios de escritório vendendo bebidas. O trabalho lhe paga US$ 80 por mês - salário respeitável em um país onde cerca de 60% dos cidadãos vivem abaixo da linha da pobreza. Ele treina às 5 da manhã para evitar o calor sufocante do meio dia.
Ele não conheceu a mãe e cresceu dormindo na sala de estar de uma casa que ele dividia com a avó, a madrasta e a tia. Mais tarde, quando se mudou para Freetown para se sustentar e para perseguir a carreira de maratonista, ele dormia em um colchão no canto de uma sala decrépita, em um hospital abandonado. Sem saber da necessidade de diminuir o peso antes das corridas, ele, frequentemente, não conseguia comida o suficiente.
Ele terminou o segundo grau com 20 anos, como muitos outros nativos que tiveram a vida interrompida por uma guerra civil dolorosa. Ele viu seu melhor amigo ser morto a tiros por rebeldes, aos 7 anos, conforme fugia para dentro da mata com moradores sitiados.
Entretanto, ele considera-se um felizardo dentro desses parâmetros. - Algumas pessoas tiveram os braços e pernas cortados - , disse ele. - Mas, felizmente não a minha família -
A viagem para Nova York foi a primeira saída dele de Serra Leoa, a não ser pela viagem de ônibus para a vizinha Libéria para a maratona de agosto. O assistente dele, um ex-agente humanitário vindo da Austrália, chamado Jo Dunlop, financiou a viagem através de uma campanha de financiamento coletivo. Dunlop achou um lugar para que eles ficassem no Brooklyn.
Quando ele disse à avó que iria correr em Nova York, ela respondeu: - Eu disse que um dia você representaria nosso país - . Ela não pôde assistir porque a vila, onde Kargbo cresceu, não tem televisão.
Ele sabia que Nova York representaria um novo desafio. - É a maior corrida de todos os tempos. Meu treinador me disse: 'Você é um atleta pequeno. Os ganhadores são atletas grandes. Se você competir com eles, não irá terminar a corrida'. -
De muitas maneiras, a carreira de Kargbo tem sido solitária. Ele é mais rápido do que qualquer pessoa que ele conheça, então não tem quem o force a melhorar. Ele, praticamente, não tem como conectar-se aos nichos de corredores de elite em outras partes da África que já produziram maratonistas campeões como Khalid Khannouchi, Willie Mtolo e Geoffrey Mutai.
- Eu corro contra mim mesmo - , disse ele.
Contudo, há sinais de um nascente movimento de maratonas infiltrando-se na África Ocidental. Serra Leoa e Libéria, recentemente, deram início a maratonas, que se popularizam com os moradores ansiosos para experimentar o esporte. Porém, o tempo deles está muito atrás dos padrões internacionais.
Entretanto, Kargbo aumentou a visibilidade do esporte, tornando-se um tipo de herói, em um país que anseia por símbolos de orgulho nacional. Recentemente, quando visitou um restaurante africano em Nova York, os donos sabiam quem ele era.
David Epstein, autor de "The Sports Gene" ("Os Genes do Esporte"), disse que os corredores da África Ocidental têm um longo caminho a percorrer.
- Se houvesse incentivos culturais e mais fãs na África ocidental, seria possível ver mais maratonistas talentosos por ali - , disse ele. - Você não vai encontrar o talento se o esporte não é popular ou parte de uma tradição. Ninguém se pergunta porque o hóquei não está dando certo na África -
O próprio Kargbo encontrou inspiração em agosto quando correu na Libéria. Nathan Naibei, corredor profissional queniano apareceu e deu o ritmo. Com pouca competição, Naibei focou Kargbo, que estava atrás dele, incitando-o a manter o ritmo e entregando copos d'água. Hoje, os dois trocam e-mails, e, recentemente, Naibei lhe mandou um plano de treinamento. Kargbo tenta segui-lo, aspirando ser como os colegas do outro lado do continente.
Ele ainda não chegou lá. Ele espera chegar à maratona de Londres e tentar se estabelecer novamente no cenário internacional. Porém, para esse corredor, a tal linha de chegada está muito longe.
Corrida de rua
Vendedor de café de Serra Leoa busca se tornar um dos melhores maratonistas do mundo
Entre dias de intenso trabalho, Idrissa Kargbo, de 22 anos, se organiza para treinar
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