Dois dias após perder a filha Bruna, de 16 anos, em um acidente de automóvel, na madrugada do último sábado, em Porto Alegre, Francisco Capaverde já tinha em mente o que fazer para tentar amenizar a dor: participar de campanhas de prevenção a acidentes. Assim como outros pais, o administrador de empresas sabe que nada trará a filha de volta, mas aposta que o trabalho de prevenção pode evitar que casos como o seu atinjam outros lares.
Para muitas pessoas, acontecimentos traumáticos, como a morte de um filho, viram motivação para o trabalho voluntário. A noite de 18 de setembro de 2006 mudou para sempre a vida de Noli e Senaile Backes. Um tiro disparado em um assalto ao mercado do casal, em São Leopoldo, matou o adolescente Lenon Joel, 16 anos, mas fez nascer um projeto que agora atende a 470 crianças e adolescentes e emprega 35 pessoas. Para os dois, a morte do filho único transformou-se em combustível para tentar afastar crianças e adolescentes da criminalidade no bairro São Miguel, local da tragédia.
Hoje, Noli divide-se entre a cidade natal da família, Porto Vera Cruz - às margens do Rio Uruguai, na fronteira com a Argentina -, e São Leopoldo. Segundo ele, já no velório de Lenon Joel havia a ideia de uma "reação pacífica".
A saída da dor para a ação foi difícil, recorda Noli, pois o casal não sabia o que fazer. Onze dias após a morte, uma caminhada reuniu cerca de 4 mil pessoas e reforçou o sentimento que imperava nas reuniões realizadas na garagem do mercado após a morte do jovem. Dali nasceu o plano da organização não governamental (ONG), que surgiria menos de dois meses depois.
- Em 8 de novembro, já tínhamos legalmente constituído o Instituto Lenon Joel pela Paz - recorda o pai do garoto.
Trabalho traz "ânimo na vida, satisfação e força para viver"
As atividades começaram na garagem do mercado e incluíam oficinas de futebol - Lenon Joel adorava o esporte -, violão e flauta. Cresceram com base na busca de apoio financeiro, por meio de projetos variados. Em um dos casos, a ONG captou R$ 1,8 milhão junto à Petrobras para a compra de material esportivo e a contratação de pessoal.
O instituto funciona de segunda a sexta-feira, e o quadro de funcionários inclui psicóloga, assistente social, pedagoga e profissionais de educação física. Para as crianças e adolescentes, oferece atividades como futebol, música, canoagem, tênis, patinação, dança e cursos profissionalizantes de manutenção de computadores e de embelezamento.
Nos dois últimos casos, os alunos contam com oficinas para trabalhar. Ou seja, além da cidadania, ainda conquistam uma forma de fonte de renda - oito monitores foram formados e, agora, atuam como empregados no instituto, que também mantém um núcleo em Porto Vera Cruz.
- Isto nos dá ânimo na vida, satisfação, força para viver. Conseguimos salvar bastantes jovens - avalia.
Em 2010, quatro anos após a tragédia, Noli e Senaile tiveram outra filha, Valentina, que trouxe ao casal um novo motivo para sorrir. Já em 2011, Noli voltou à cidade onde o filho nasceu e foi sepultado. E mudou radicalmente de vida - ex-comerciante, hoje comercializa hortifrutigranjeiros, produzidos em uma propriedade de 18 hectares.
Uma ONG focada na segurança das baladas
Mais de cinco anos após a morte do filho, Igor, a jornalista Isabel Santos não sabe explicar como canalizou a dor em uma ação concreta: o Ficar - Instituto Igor Carneiro.
- Não tenho nem ideia de como consegui. Em uma semana, a minha revolta era muito grande - afirma.
Em 19 de outubro de 2008, o estudante de Direito de 18 anos foi vítima de uma bala perdida, em uma festa na Associação dos Funcionários do Inter (Asfinter). Conforme Isabel, havia 3 mil jovens em um local onde cabiam mil pessoas. E, por R$ 35, podia-se consumir bebidas alcoólicas à vontade. Os problemas a levaram a se preocupar com as condições de seguranças das baladas.
- Levantei a bandeira de que a morte do meu filho não seria em vão. Vários amigos abraçaram a causa - comenta.
Das lágrimas surgiu o instituto, que fiscaliza e promove ações de conscientização entre os jovens de 12 a 18 anos. Isto inclui visitas a escolas e, até mesmo, a realização de palestras a donos de casas noturnas.
Isabel afirma que, embora tenha viajado a Santa Maria, antes da tragédia da boate Kiss, para falar com os empresários da noite, "ninguém nos escutou".
- Quando penso na minha dor, penso que pelo menos o nome dele (Igor) está vivo.
Pela paz no trânsito
Um acidente na RS-115, às 23h do dia 17 de agosto de 2007, custou a vida da estudante Jennifer, 16 anos. O atropelamento da menina, porém, serviu como estopim para o início de um trabalho de conscientização promovido pelo pai, o professor de Matemática Airton Schirmer, que criou a ONG Aprendizes Por Vida Breve Hip Hop & Poesia, com atuação em Taquara, Rolante, Igrejinha e Parobé.
Por meio do som do hip-hop, um "atalho para a inclusão", o grupo passa uma mensagem de conscientização em escolas e comunidades. Cerca de 640 jovens estão envolvidos, alguns dos quais já viraram monitores.
Segundo Schirmer, a decisão de começar o trabalho deu-se mais pela emoção e pelas atitudes de amigos. Por si só, admite, não teria condições.
- Vou ter de ir junto (com os amigos), não posso ficar parado - pensou.
Alvo de uma ação judicial proposta pelo grupo, o local do acidente recebeu tachões, quebra-molas e redutor eletrônico de velocidade.
- No local onde nossa filha perdeu a vida, não houve mais vítimas fatais. Outras pessoas não vão ter este fim.
COMO AJUDAR
LENON JOEL PELA PAZ
Saiba como contatar as entidades:
institutolenonjoel.webnode.com.br
FICAR
www.ficar.org.br
HIP HOP & POESIA
hiphopepoesia.yolasite.com
LÁGRIMAS QUE MOTIVAM
Após perda de filhos em tragédias, pais atuam no voluntariado
Trabalhos voluntários buscam aliviar o sofrimento de parentes e evitar casos semelhantes
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