A morte de uma criança vítima de câncer fez o casal de cabeleireiros Joel Flores, 35 anos, e Deise Flores, 33, criar uma técnica para confeccionar perucas a pacientes da doença.
Com o tempo, o serviço oferecido de porta em porta nas ruas de Passo Fundo, no norte do Estado, virou uma rotina de busca por madeixas pelo Interior a bordo de um ônibus, transformado em salão.
Colado na lateral do veículo roxo, entre a porta e uma das janelas, um mapa da Região Sul mostra os lugares percorridos nos últimos dois anos. Cada cidade visitada recebe marcação com caneta azul. O casal calcula ter viajado mais de mil quilômetros atrás de cabelos.
O negócio se iniciou quando os dois trabalhavam em um salão de beleza em Passo Fundo, onde moram. Na época, eles sofreram com a morte da sobrinha da dona do estabelecimento, que tinha 12 anos quando sucumbiu ao câncer.
Motivados pela ex-chefe, passaram a comprar cabelos para confecção de perucas. No entanto, poucas mulheres arriscavam mudar o visual em troca de dinheiro.
- Era difícil convencer alguém a se desfazer do cabelo por um corte à altura dos ombros - lembra Flores.
Depois de testes com a família, ele criou a técnica que impulsionou o negócio: a retirada de pequenas mechas do cabelo, mantendo o comprimento. Acompanhado da mulher, passava de porta em porta oferecendo o corte. Quatro anos depois, os dois compraram o ônibus e montaram um salão itinerante.
Desde lá, não pararam mais de viajar. Com 12 funcionários atualmente, a meta para este ano é ampliar o serviço com a adaptação de uma van.
Peruca devolve autoestima a pacientes em tratamento
A iniciativa do casal transformou a vida de pessoas como Célia Regina Milde, que aos 46 anos teve diagnóstico de câncer de mama. Moradora de Passo Fundo, ela necessitou de quimioterapia para o tratamento. Por isso, ficou sem cabelos um mês depois, em abril de 2011.
Então, começou a usar lenços, toucas e bonés para proteger a cabeça. Depois de passar por uma cirurgia, Célia decidiu procurar uma peruca no ano passado.
Comprou do casal um modelo castanho claro, com luzes em algumas mechas. No primeiro passeio com as madeixas, já notou a diferença:
- Ninguém mais me olhava com pena. Eu era uma pessoa normal.
Para Célia, foi como se a peruca tivesse devolvido o sorriso e a autoestima habituais antes de descobrir a doença. Curada, hoje ela vê os cabelos crescerem novamente, mas não pensa em se desfazer da peruca. Guarda em casa, como símbolo da vitória contra o câncer.
Madeixas gaúchas valorizadas
- Quem corta o cabelo recebe até R$ 1 mil, dependendo do comprimento e do tipo do fio. Os loiros e os cacheados são os mais valorizados.
- Uma combinação de ascendência europeia, clima e alimentação fazem o cabelo gaúcho ser bastante valorizado no país. Cem gramas custam de R$ 300 a R$ 800.
- As mechas retiradas de quatro clientes, em média, são suficientes para confeccionar uma peruca.
- Prontas, as perucas custam no mínimo R$ 300.
- Os cabelos gaúchos são vendidos para grandes salões de Santa Catarina, São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro - onde são usados por famosos.
- Em quatro anos, o casal já vendeu cerca de 500 perucas.

Célia guarda peruca com carinho em casa
Foto: Fabiana Beltrami, Especial
