A internet se transformou em um balcão virtual onde cresce de forma preocupante a oferta de remédios perigosos, proibidos no Brasil ou sem a exigência da devida receita médica.
Um levantamento em sites de busca mostra que é possível adquirir, com um simples clique, medicamentos abortivos, inibidores de apetite ou produtos tarja-preta capazes de provocar efeitos colaterais desastrosos. O governo federal admite dificuldade para combater esse mercado ilegal de medicamentos.
Basta uma pesquisa em sites como o Google para testemunhar a proliferação das farmácias virtuais clandestinas. Geralmente hospedadas em sites fora do país, a fim de dificultar a fiscalização, há páginas que anunciam abertamente a venda de produtos proibidos ou controlados sem receita.
Outras se "especializam" na oferta de substâncias específicas, como inibidores de apetite banidos do país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas disponíveis na rede de computadores. Geralmente, funciona assim: o interessado faz um depósito bancário prévio, e o atravessador promete fazer a entrega pelo correio.
Em infográfico, veja os efeitos nocivos de medicamentos oferecidos na internet
Um exemplo do descontrole do comércio virtual é o oferecimento escancarado do Cytotec, um poderoso abortivo que não pode ser vendido em farmácias no Brasil. Um site especializado no produto, mantido por um comerciante ilegal identificado apenas como Fábio, não só garante remeter o produto de forma imediata como dá assistência sobre a maneira como as gestantes devem usá-lo. E sugere que, se combinado a um segundo produto que ele também vende a um preço mínimo combinado de R$ 600, a chance de sucesso no aborto aumenta.
Em contato com a reportagem de ZH, que simulou interesse em adquirir o abortivo, uma pessoa ligada ao site solicitou um e-mail para contato e enviou um arquivo de texto com todas as informações necessárias para fazer o depósito e utilizar a mercadoria. "No caso de um sangramento anormal (ininterrupto) deve-se imediatamente procurar um médico", sustenta o material.
O professor de Obstetrícia da UFRGS José Geraldo Ramos alerta para os riscos a que os usuários desse tipo de comércio estão sujeitos:
- O Cytotec é, na verdade, usado para doença gástrica. Em grávidas, gera excesso de contração uterina. O problema é que pode romper o útero em gestações mais avançadas ou, nos primeiros meses, resultar em malformação do bebê caso o aborto não ocorra - revela Ramos.
Levantamento identificou 1,2 mil sites irregulares
As prateleiras virtuais costumam ser preenchidas com abortivos, compostos destinados a inflar a massa muscular, emagrecedores e uma variedade de substâncias tarja-preta - todos com entrega prometida sem necessidade de receita.
Um levantamento realizado por uma empresa para o Ministério da Saúde, divulgado semana passada pelo jornal O Globo, identificou pelo menos 1,2 mil sites ilegais de venda de remédios. Destes, 382 anunciam inibidores de apetite, 359 oferecem abortivos como o Cytotec, e 258 esteroides anabolizantes, entre outros.
Outra das fórmulas com circulação proibida no país mas disponível na internet é o suplemento Jack3d - cuja venda ZH também flagrou em estabelecimentos da Capital em uma reportagem publicada dia 5 de maio no Caderno Vida. O produto é destinado a retardar a fadiga e garantir mais força em treinos físicos, mas apresenta efeitos colaterais como confusão mental e anemia, e é considerado doping pelo Comitê Olímpico Internacional.
Em um dos sites onde esse composto é apresentado por um preço de R$ 175, o responsável ainda disponibiliza um vídeo do YouTube no qual ensina -sem mostrar o rosto - os interessados como utilizar a substância "da abertura do pote ao último gole".
Em relação aos inibidores de apetite, produtos anfetamínicos como o femproporex estão entre os mais comuns - proibidos no Brasil devido a contraindicações como a possibilidade de desenvolverem dependência química. Outra página, de uma farmácia virtual que promete o envio de produtos variados, faz questão de anunciar: "faça seus pedidos recebendo em casa via Sedex dos Correios. Não solicitamos receitas médicas. Site 100% seguro, estamos há sete anos no mercado."
Hospedagem fora do país dificulta a fiscalização
A Anvisa, responsável por fiscalizar a venda de medicamentos no país, admite dificuldades para frear a expansão das farmácias virtuais irregulares. Uma das principais razões para isso é a hospedagem dos sites que oferecem os produtos em outros países.
Em nota repassada a ZH, o órgão informa: "O trabalho de combate na internet tem dificuldades como a apresentação dos produtos em site .com (ou seja, fora do país) e o fato da fiscalização ter que ser feita através do comparecimento ao local físico para a constatação das irregularidades".
- É difícil combater esses sites localizados fora do país porque não estão submetidos às nossas leis - afirma o titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos da Polícia Civil, Marcínio Tavares Neto.
Ainda assim, a Anvisa informa que já conseguiu suspender sites que comercializavam produtos irregularmente como o Cytotec e emagrecedores como Max Burn em ações em parceria com as polícias federal e estaduais. No ano passado, foram efetuadas 40 operações, com 156 prisões ou indiciamentos.
O governo esclarece que a venda de medicamentos pela internet só é autorizada para farmácias e drogarias estabelecidas fisicamente (ou seja, que também contam com lojas de verdade) e autorizadas pela vigilância sanitária.
A recomendação para quem desejar ou precisar comprar algum remédio pela internet é contar com a receita do médico, quando necessário, e optar pelo site de uma farmácia ou drogaria que saiba contar com loja física.
A venda de produtos sem registro é considerada infração sanitária gravíssima e crime hediondo, enquadrado no artigo 273 do Código Penal, com pena de 10 a 15 anos de reclusão e multa. Denúncias podem ser feitas às vigilâncias sanitárias estaduais, municipais ou à Ouvidoria da Anvisa pelo e-mail anvisatende@anvisa.gov.br .
Farmácias virtuais
Venda ilegal de remédios prolifera na internet
Produtos proibidos no Brasil ou que exigem receita médica são oferecidos a qualquer pessoa mediante pagamento prévio
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