Os Piltz decidiram não emigrar. Permaneceram no Interior.
Proprietária de um laboratório e de uma clínica de oncologia e hematologia, a família de Santo Ângelo faz a vida distante 434 quilômetros de Porto Alegre. Ao optar por ficar nas Missões, pai, mãe e três filhos personificam uma tendência das últimas décadas: o Interior tem procurado menos a Capital.
Nos anos 80, quando os negócios dos Piltz começavam a se consolidar, metade do 1,1 milhão de moradores de Porto Alegre vinha de outros municípios. Situação que virou. Três décadas depois, a Capital tem apenas um terço de forasteiros. Segundo o Censo 2010, do atual 1,4 milhão de habitantes, 468 mil (33,25%) são de outras cidades.
- Quem migra procura melhores condições de vida. Até os anos 80, esse salto era realizado em Porto Alegre. Agora é possível dá-lo em novos lugares - analisa Ademir Koucher, supervisor de informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A equação para explicar o fenômeno envolve variáveis em educação, economia, nascimentos e mortes, observa Koucher. Se o pico das migrações ocorreu na metade do século passado, um bom quinhão dos novos moradores da época já morreu ou buscou ares mais sossegados ao se aposentar.
- Há um fluxo de pessoas que criam os filhos e procuram o Litoral ou a Serra. Hoje há internet, comunicação fácil. Quem deixa a Capital segue conectado com o mundo - explica o economista Adelar Fochezatto, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).
Investimentos foram descentralizados
Com dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), da qual é ex-presidente, Fochezatto indica uma queda da participação de Porto Alegre no Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho, caminho inverso ao do Interior, que também ampliou o Ensino Superior. O dueto estudo-emprego seduziu os Piltz. Lisiane, 35 anos, deixou Santo Ângelo na década de 90 para se formar em Farmácia e concluir a pós-graduação na Capital, retornando em seguida. Os cursos não eram oferecidos nas Missões, realidade que mudou quando chegou a vez dos irmãos. Fabiane, 34, fez Educação Física em Ijuí e Farmácia em Santo Ângelo. O caçula Daniel, 32, também estudou na cidade.
A descentralização de investimentos públicos, como no caso de Rio Grande, alvo de mais de R$ 14 bilhões da indústria naval, guia as pessoas para o Interior, em especial diante de uma Capital saturada. Professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sabino Porto Junior acredita que Porto Alegre só voltará a ser atrativa se investir em tecnologia e logística num eixo regional, com ligação até a Serra.
- Em São Paulo, os municípios da região metropolitana geram um mercado com 20 milhões de pessoas. Espalhar o desenvolvimento é bom no curto prazo, mas ruim no longo, pois o Estado não ganha uma região metropolitana competitiva - destaca.
Com plataformas de petróleo erguidas à beira da Lagoa dos Patos, mais uma universidade federal e três faculdades particulares com cursos voltados à construção naval, o engenheiro mecânico Carlos Lima, 29 anos, permaneceu em Rio Grande. Trabalha na empresa Quip, na obra da P-55, onde conheceu o assistente técnico José Borges, 43, que trocou Porto Alegre pelo Interior. Os dois desfrutam do ritmo mais ameno de vida, aspecto que pesa no desejo de Carlos, casado e pai de uma menina, de seguir no seu rincão:
- Poder criar uma criança aqui é melhor.
A geração dos nascidos em Porto Alegre
A nova geração dos Dalpian é a primeira nascida em Porto Alegre. Capítulo atual de uma história de migrações que começa na Itália. Antônio escapou da crise que assolou o país no fim do século 19. O filho Ludovico e o neto Alicino viveram em Nova Bréscia, até o bisneto Paulo trocar a cidade do Vale do Taquari por Porto Alegre, nos anos 80. Para as tataranetas Paula e Letícia, 24 e 23 anos, a sina de andanças termina na Capital.
- Em cidades que atraíram muitas pessoas durante um certo período, é natural que o percentual de forasteiros caia com o nascimento de novas gerações. Os filhos dos imigrantes passam a ser nativos, incorporam o estilo e os hábitos da cidade - aponta o sociólogo Aloísio Ruscheinsky, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Os Dalpian são exemplo. Se as referências dos pais Paulo e Suzana, 51 e 46 anos, ficam em Nova Bréscia, as das filhas Paula e Letícia são de Porto Alegre. Nasceram, têm amigos, estudam e trabalham no município. E ainda viram a família prosperar. A lancheria aberta nos anos 80 na Voluntários da Pátria, quando Paulo deixou Nova Bréscia, deu origem no bairro Petrópolis à pizzaria Nono Ludovico e ao restaurante Nona Angela.
- Queremos expandir os negócios da família. Nossa raiz é aqui - aponta Paula.
Outro clã que trocou o status de interiorano é o Debus. O patriarca Alcides, 56 anos, chegou a Porto Alegre em 1978. Deixou Três Passos para estudar e trabalhar. Formou-se administrador e casou com a namorada Loiva (natural de Lajeado), com quem teve três filhas: Kátia, Karen e Karolina. Ainda criou a grife feminina Rabusch, rede com 25 lojas.
- Me considero porto-alegrense. Aqui criei minhas gurias - diz Alcides.
Economia mais forte fora da Capital
Uma mudança no perfil da economia gaúcha fortaleceu o Interior: o setor de serviços superou a indústria na soma das riquezas do Estado. A troca pesou para Porto Alegre diminuir sua participação no PIB gaúcho. Em 1999, a cidade respondia por 21,1% do índice, número que caiu para 17,5% em 2009. No mesmo período, importantes centros regionais como Caxias do Sul, Rio Grande, Santa Cruz do Sul, Pelotas, Passo Fundo e Santa Maria ampliaram, juntos, sua participação de 14,8% para 15,8%.
- Há 30 anos, era a indústria que gerava 60% do PIB do Estado, muito concentrada em Porto Alegre. Hoje, o serviço e o comércio geram 60% do PIB. E os serviços são oferecidos em todos os lugares, em todas as cidades. Há empregos no Interior - aponta o professor de economia Adelar Fochezatto.
Cidade saturada
O pico das migrações para Porto Alegre ocorreu na metade do século passado. Pelos dados do IBGE, entre os anos 50 e 60, a Capital cresceu a taxas de 4,9% ao ano. Na última década, seguindo tendência do Estado, o número caiu para 0,3% ao ano.
- A cidade ficou mais povoada e competitiva. Os níveis de empregos não aumentaram, ficou mais difícil encontrar bons lugares para morar. São fatores que deixam de atrair as pessoas - aponta o sociólogo Aloísio Ruscheinsky.
Qualidade e oferta para os estudos:
Nas últimas duas décadas, a qualidade e a oferta do Ensino Superior melhorou no Estado. De 1991 a 2010 o número de cursos de graduação quadruplicou (de 511 para 2.123). O crescimento foi similar na Capital e no Interior. Nos anos 90 surgiram novas universidades fora de Porto Alegre. Em 2010, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), de 19 universidades gaúchas, 15 estavam no Interior.
- Em Lajeado, há 10 anos tínhamos 1,5 mil alunos na Univates. Hoje são 10 mil - destaca Ney Lazzari, reitor da Univates e presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).
*Colaboraram Juliana Gomes, Rafael Diverio e Erik Farina