Uma das modalidades mais tradicionais do Brasil nas Olimpíadas, a vela terá um representa gaúcho em Paris no mês que vem. Gabriel Simões, atleta do Clube dos Jangadeiros, estará ao lado de Marco Grael nas águas de Marselha, na França, para tentar buscar mais uma medalha para o país no esporte — já são 19.
Ele começou a velejar na Escola de Vela Barra Limpa, do Jangadeiros, em um barco da classe optimist — onde, por conta do nome do barco, ganhou o apelido de Dom. Depois, migrou para a classe 29er, onde ficou três temporadas e conquistou dois títulos brasileiros.
O resultado destacado na classe pré-olímpica lhe rendeu o convite para ser proeiro de Marco Grael, e a dupla compete junta há mais de um ano. Ao lado do velejador de uma das mais tradicionais famílias da vela brasileira, garantiu vaga pela primeira vez nos Jogos Olímpicos na classe 49er.
— Sem dúvida é uma experiência muito única de participar dos Jogos Olímpicos. É um sonho de todo atleta que vem nessa busca, nessa briga para a conquista da vaga. Está sendo um processo muito gratificante de poder estar lá e levar não só o Brasil, mas o nosso Estado também, para o auge do esporte mundial — disse em entrevista para Zero Hora.
Ao lado do parceiro e timoneiro, Gabriel venceu o Campeonato Sul-Americano disputado no Chile e terminou na quinta posição nos Jogos Pan-Americanos de Santiago.
Confira a entrevista completa
É um sonho viver essa situação de representar o Brasil numa Olimpíada?
Comecei com meus 11 anos na escola de vela Barra Limpa dentro do Clube dos Jangadeiros. E agora, com 22 anos, vivenciar esse sonho nessa magnitude tão grande e tão imaginável nessa época que eu comecei no esporte é algo que traz muita felicidade, muita gratificação para o nosso trabalho.
Como é para ti ser exemplo para as crianças que estão começando na vela? Como é que funciona assim para ti isso?
Há não muito tempo eu estava no lugar deles. Esse legado que pode ser passado para essa geração, que as pessoas que podem ter uma admiração pelo meu processo, pelo meu trabalho, eu fico muito feliz de poder providenciar isso. É uma jornada muito pessoal, toda essa questão do esporte, mas a gente se torna exemplo dentro do meio que a gente trabalha e é algo que me ajuda e me impulsiona.
Tu competes no 49er com o Marco Grael, que é de uma família muito tradicional na vela brasileira, evidentemente. Como vocês têm feito esse período de treinamentos?
Nessa reta final tem muitos pontos a serem pensados. Muito do nosso trabalho já foi feito e qualquer estresse que a gente possa gerar para os jogos não vai ser benéfico. A ideia é velejar e aproveitar o velejo, criar sintonia boa e deixar o momento o mais tranquilo possível. É um ápice na vida do atleta, a terceira Olimpíada que o Marco está indo, minha primeira e ambos acreditamos que quanto mais tranquilo a gente estiver, melhor a gente vai desempenhar e dar o nosso melhor para o Brasil e o mundo inteiro testemunharem.
O que dá para você falar sobre a raia de Marseille, onde vão ocorrer as competições de vela nos Jogos Olímpicos?
Muitas coisas a gente não controla e tem de estar pronto para o maior número de condições que a gente possa enfrentar. Com essas duas semanas que passamos agora no início do mês de junho lá em Marseille, treinando e conhecendo a raia, tivemos know-how um pouco maior do funcionamento das ondas, da maré. A gente tem de se preparar para um campeonato que pode ser tanto de vento fraco quanto um campeonato de ventos bem fortes e vai tudo depender de como o clima estiver no momento. Realmente ter esse jogo de cintura e estar com a cabeça tranquila de que deu melhor dentro da preparação.
O que facilitaria a forma de velejar para vocês na competição? Qual estilo seria melhor?
Gostaria de um campeonato de ventos fortes. Acredito que tanto para nós quanto para o telespectador fica um show legal na água. Tem sido algo que não costumo pensar desde os meus 15 anos, que eu já estava competindo em alto rendimento em vela da juventude. Eu não olho mais previsão de vento antes do dia, é algo que vai consumindo a cabeça e que a gente não controla. Minha maior esperança é que seja um campeonato com condições de fazer regata, que não tenha esses extremos em que não podemos ir para a água nem desses fracos que a gente acaba ficando em terra, perdendo as competições do dia. Espero que seja um campeonato bem equilibrado e dando condições para todo mundo disputar o seu máximo ali dentro.
Qual é a expectativa de rendimento? Brigar pelo pódio, chegar na medal race?
É muito difícil uma pessoa ter uma constância em todas as disputas. O próprio vencedor do Mundial desse ano no campeonato seguinte pegou uma flotilha bronze. Com relação a tops e pessoas a se olhar nas Olimpíadas, é difícil de estipular com antecedência, diferentemente da natação, em que os tempos mais rápidos correm no meio. Acredito que para gente seria uma busca muito legal estar dentro da medal race e dar nosso melhor por mais uma regata dentro do campeonato, que só os 10 primeiros participam. O maior objetivo é velejar tranquilo, não cometer erros grandes e estar ali o campeonato inteiro mantendo uma constância.
Como é que teve essa união com o Marco Grael?
Ele precisava de um companheiro que puxasse mais esse ritmo para ele. Ele já tem questões um pouco mais delicadas que acabam se tornando empecilhos dentro desse processo. Mas a vontade dele ainda era de seguir, de brigar. Então ele entrou em contato com a confederação e o meu nome foi o que ficou na mesa dele. Vendo essa chance, não pensei duas vezes, dei o meu máximo para ver como é que ia ser, se a gente iria encaixar, se os objetivos estavam parecidos. E desde o início do ano passado a gente tem velejado juntos e dado início a essa campanha, que trouxe muitos frutos e momentos bem legais para minha história.
Como foi para você viver esse mês de maio, em que tivemos a enchente aqui no RS?
Por conta dos treinos e competições, fiquei mais ausente do que eu gostaria nesse momento. Foi um período bem delicado, não só para minha família, mas para muitos gaúchos e muitos sulistas que desceram para dar ajuda ao pessoal. Eu estava aqui no dia que começou a subir a água, foi uma coisa bem difícil que a gente passou e está passando. Eu optei por passar em casa essa semana para poder ver meus pais, dar uma força, passar um pouco de energias boas para eles também, já que entrou água na empresa deles. Acho que estamos todos numa barca bem fragilizada aqui no Estado e tanto eu quanto muitos outros, amigos meus da vela que participaram muito dos resgates. Acho que é muito importante a gente ter essas figuras de força no nosso estado. Acredito que esse trabalho possa ser interpretado e visto por pessoas como uma força e esperança nesse momento todo. Foi bem complicado manter a cabeça em pé e seguir os meus treinos enquanto o estado passava por um processo tão delicado.
Como é que é para manter a cabeça em nível razoável para fazer o teu trabalho, inclusive pensando no compromisso da Olimpíada?
Acredito que a cabeça sempre vai ser o ponto mais delicado do atleta. Trabalho com psicólogo e tiro proveito disso para conhecimento pessoal e lidar com essas questões mais delicadas de competição e estresse para me manter com a cabeça erguida e vencer isso. Todo mundo está precisando dessa luz. Foi um período bem complicado para todo mundo e me dá força pensar que eu posso inspirar pessoas a sair disso.