O ouro conquistado em Barcelona pela seleção brasileira de vôlei, o primeiro de um esporte coletivo na história do Brasil, não começou no lotado ginásio de Montjuïc, no bairro de mesmo nome na capital da Catalunha, na Espanha. O suor que se transformou em conquista foi acumulado praticamente por oito anos. Iniciou-se assim que os brasileiros perderam para os Estados Unidos, em Los Angeles, nos Jogos Olímpicos de 1984, continuou sua caminhada em Seul, na Coreia do Sul, após perder o bronze para a Argentina, e só teve seu final em uma quente tarde de domingo, no dia 9 de agosto de 1992, contra a Holanda.
Depois de duas decepções seguidas (ainda que em 1984 tenha subido ao pódio), a seleção brasileira passou por uma reformulação dentro e fora da quadra. Dos que estiveram nos Estados Unidos, oito anos antes, apenas Amauri conquistou o ouro na Espanha. No comando técnico, outra troca. Aos 37 anos, José Roberto Guimarães substituiu Bebeto de Freitas.
Zé Roberto, como ficou conhecido, era atleta e trocou o posto de levantador pelo de treinador. Com as coisas não andando muito bem no Pan-Americano (de 1991, em Havana), ele foi chamado por Carlos Arthur Nuzman, então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), para assumir a seleção masculina, que disputaria as Olimpíadas de Barcelona em 1992. Relativamente jovem e tendo inclusive jogado com alguns dos seus então comandados, Zé precisou superar a desconfiança para tornar aquela equipe na sonhada "Geração de Ouro".
— O Brasil chegou em Barcelona sem estar entre os favoritos a uma medalha. Era uma equipe ainda em formação sob o comando do José Roberto Guimarães, que substituiu Bebeto de Freitas. Era um time que mesclava uma geração de muito talento e trazia a experiência do Amauri, representante da geração de prata. Foi uma campanha perfeita, sete jogos, apenas três sets perdidos — relembra Cláudia Coutinho, jornalista e repórter da Zero Hora na cobertura em Barcelona.
A campanha irretocável brasileira começou diante da Coreia do Sul. A seleção brasileira, depois de dois sets equilibrados, vencidos por 15/13 e 16/14, se impôs na terceira etapa e fechou o duelo, o primeiro do time naquela edição dos Jogos Olímpicos, com um placar mais confortável: 15/7.
Mas foi a partir da vitória na segunda rodada, contra a Rússia (à época, Equipe Unificada, formada por países da antiga União Soviética, cujo bloco comunista havia se dissolvido no ano anterior), que o mundo resolveu dar a devida importância para o vôlei que vinha sendo apresentado pelos brasileiros. Em seguida, enfrentou a Holanda, que seria adversária também na final (mas isso fica mais para a frente). Mais uma vitória relativamente tranquila — 15/11, 15/9 e 15/4.
O quarto jogo reviveu um fantasma na vida dos brasileiros: Cuba. Eram oito anos perdendo para os cubanos, ainda que tivesse vencido os dois últimos confrontos, já sob o comando de José Roberto Guimarães. Mas aquele confronto, no dia 1º de agosto, mostraria ainda mais a força da equipe brasileira. Assim como o Brasil, Cuba vinha de três vitórias – sobre Holanda, Argélia e Rússia. Portanto, aquela partida era um duelo de invictos em Barcelona. E mais do que isso, a enorme rivalidade servia para tornar o duelo mais interessante. A vitória maiúscula (15/6, 15/8, 12/15 e 15/8), ainda que tenha perdido um set, deu o gás que aquele time precisava.
"Acho que depois do jogo contra Cuba (a gente viu que dava para ganhar)"
JOSÉ ROBERTO GUIMARÃES
Técnico da seleção em 1992
— Acho que depois do jogo contra Cuba (a gente viu que dava para ganhar), que foi o quarto jogo da Olimpíada. Primeiro, Coreia. Depois, Rússia. Um mês antes, a gente tinha ganho de Cuba duas vezes em São Paulo na Liga Mundial. Ali, o time já estava mostrando uma cara bem diferente, uma possibilidade diferente de vislumbrar algo. Foi quando a gente começou a ter as primeiras vitórias. A gente viu que tinha a possibilidade de jogar contra qualquer equipe do mundo. Foi assim até o final — recorda José Roberto Guimarães.
A fase de grupos ainda teve o jogo contra a Argélia, seleção mais fraca do grupo, com quem o Brasil não teve dificuldades e confirmou o primeiro lugar na chave. Classificado para as quartas de final, o time de Zé Roberto Guimarães enfrentou o Japão no mata-mata. Nada que trouxesse problemas para a seleção que, a essa altura, já vinha jogando com mais confiança e segurança. Era chegada a hora de outra revanche.
Oito anos depois de Los Angeles e quatro depois de Seul (com duas vitórias dos americanos), Brasil e Estados Unidos voltavam a se encontrar. O vencedor brigaria pelo ouro e já garantiria uma medalha. O perdedor teria que se contentar com no máximo o bronze. Naquele momento, José Roberto Guimarães, os jogadores e toda a comissão técnica conquistaram a meta inicial, traçada quando o time deixou o Brasil. Chegar entre as quatro melhores nações era o objetivo determinado por todos.
Do outro lado do mundo, a torcida estava encantada e confiante que enfim o ouro viria para o país. Na terra do futebol, o vôlei estava cada vez mais em evidência pela expectativa de um sonhado ouro olímpico (o do futebol só veio em 2016, no Rio de Janeiro).
O jogo começou melhor para os norte-americanos. No primeiro set, os Estados Unidos venceram por 15/12, mas nem isso abalou o ânimo dos brasileiros. A recuperação foi rápida. E o time de José Roberto Guimarães fechou os três sets seguintes por 15/8, 15/9 e 15/12 para selar a vaga na decisão dos Jogos de 1992. Faltava um jogo apenas, a campanha de Los Angeles já havia sido repetida. Restava saber se a geração seria de prata ou se tornaria a de ouro.
"Quando a gente ganhou dos Estados Unidos, cheguei para o Giovane, meu companheiro de quarto, e falei ‘vamos cantar o hino’. Já fiquei pensando naquele momento."
PAULÃO
Gaúcho que era central da seleção
— O sentimento de chegar em uma final era muito bom. Quando a gente ganhou dos Estados Unidos, cheguei para o Giovane, meu companheiro de quarto, e falei ‘vamos cantar o hino’. Já fiquei pensando naquele momento. Isso tudo foi muito motivante. Jogando o que a gente tava jogando, com os técnicos de outras seleções declarando que a gente tava jogando muito, com o Magic Johnson na arquibancada, não tinha como perder. Tudo foi motivação. Ali, eu vi que a gente não ia perder mais. Era impossível — lembra o meio de rede Paulão, um dos três gaúchos que estavam naquela delegação.
Bom, realmente a Seleção não perdeu. Mas o jogo ganhou contornos especiais. Nos dias que antecederam a decisão do ouro, o técnico holandês Arie Sellinger afirmou que havia escondido o jogo na partida entre Brasil e Holanda na fase de grupos pois esperava reencontrar os brasileiros nos mata-matas. A confiança estava alta, afinal o time europeu tinha eliminado a Itália nas quartas de final, a favorita até aquele momento a levar o ouro para casa. Sellinger escondeu tanto o jogo que teve que voltar para a Holanda com a medalha de prata.
Isso porque o Brasil não deu chances para os holandeses. a Seleção Brasileira masculina de vôlei foi engatando as marchas set a set. Basta ver o placar: vitória por 3 x 0, com parciais de 15/12, 15/8 e 15/5. E não existe uma viva alma que tenha visto aquele jogo que não lembre como ele acabou. Marcelo Negrão recebe a bola de uma gandula de cabelos curtos. Faz uma prece, como quem sabe que aquele seria o último ponto. Quica a bola por três vezes. Joga ela alto e solta a mão direita no centro. Indefensável para o defensor holandês. Foi o suficiente para os jogadores saírem pulando dentro da quadra e a comissão técnica se abraçar à beira do banco de reservas.
O ouro era brasileiro. Oito anos depois, o vôlei brasileiro trocou a "Geração de Prata" pelo lugar mais alto do pódio. Em entrevista quando a conquista fez 25 anos, Zé Roberto Guimarães disse que a partir de determinado momento, ele não estava mais ali:
— Eu já não estava ali no 12º ponto. Até o cinco a cinco foi igual. Mas depois a gente fez seis, sete, oito, nove. No 12º ponto, quando vi que o time estava equilibrado e que a gente tinha possibilidade de ganhar, eu já não estava mais ali. Na minha cabeça eu queria que acabasse. Eu não via a hora de terminar. Estava faltando ar, fôlego, tudo o que você possa imaginar. Eu não estava raciocinando, não estava ajudando o time.
Depois do ouro, Zé queria apenas uma coisa. Sem medalha e sem poder subir no pódio com os atletas, o treinador queria ouvir o hino nacional ser tocado no lotado ginásio de Montjuïc e ver a bandeira brasileira ser hasteada pela segunda vez em Barcelona (a primeira foi com Rogério Sampaio, no judô). Mas apenas a introdução foi tocada pelos organizadores, causando frustração ao campeão olímpico.
De maneira geral, a conquista teve um impacto importante não apenas para o vôlei, mas também para outros esportes, que vinham fora dos holofotes. O ouro, ali, era a renovação da esperança brasileira de conseguir bons resultados e provava que o Brasil poderia lutar de igual para igual com qualquer seleção no mundo, seja no vôlei ou em outros esportes.
— A Olimpíada transcorria com o Brasil ganhando poucas medalhas, a competição ia para a semana final e a gente tinha duas, uma de prata com o Gustavo Borges na natação e a de ouro com o Rogério Sampaio no judô. O Brasil vivia uma seca de títulos nos esportes coletivos. A última tinha sido a Copa de 1970. Os brasileiros viviam das vitórias do Ayrton Senna na Fórmula-1. Aquela conquista brasileira teve uma baita repercussão no país, todos comemoraram bastante — relembra Antonio Carlos Macedo, apresentador da Rádio Gaúcha e à época repórter que acompanhou as Olimpíadas presencialmente em Barcelona.
O impacto se refletiu, inclusive, no Rio Grande do Sul. A Frangosul, que havia decidido encerrar as atividades de sua equipe de vôlei, que foi vice-campeã brasileira e vice-campeã sul-americana em 1991, depois dos jogos de Barcelona, decidiu voltar às quadras. Foi então feita a parceria com a Sociedade Ginástica de Novo Hamburgo, surgindo a equipe Frangosul/Ginástica, campeã da Superliga temporada 1994/1995.