Na manhã de sua apresentação à seleção olímpica, o meio-campista Tonho Gil acordou com febre de 40 graus e a garganta arranhando. Pior: estava deitado em uma cama de hospital e havia sido submetido a uma punção nas amígdalas no dia anterior. Formada às pressas pela CBF dois meses antes, a comissão técnica comandada por Jair Picerni não sabia de nada.
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O time de 1984 era a chamada SeleInter, e Tonho era um dos sete jogadores remanescentes do primeiro grupo de Picerni. Fazia parte de uma espécie de "time B" da seleção que vinha sendo preparado para a Olimpíada. Quando os maus desempenhos coincidiram com a queda prematura do Inter no Brasileirão, 11 jogadores colorados foram enxertados no elenco brasileiro, incluindo nomes como Gilmar Rinaldi, Dunga e Mauro Galvão, decisão que instalou uma ciumeira generalizada no vestiário. Tonho não podia perder a chance. Campeão do mundo com o Grêmio no ano anterior, havia sido emprestado ao Aimoré e buscava um novo rumo.
– Ele chegou desesperado – conta o preparador físico Júlio Espinosa, uma das grandes figuras daquela seleção – Eu disse "vou te dar um comprimido que vai te curar" e dei para ele um Melhoral. Era tudo psicológico, mas se ele chegasse com 40 graus de febre na apresentação, não embarcava.
Espinosa trabalhava no Inter e funcionava como uma espécie de embaixador colorado no time de Picerni. Com o clima pesado e o vestiário prestes a rachar, a empreitada nos Estados Unidos não tinha como dar certo. Espinosa foi chamado para fechar o grupo. Um dos zagueiros daquela seleção e consultor pontual de Rogério Micale durante a preparação para o Rio 2016, Mauro Galvão vê na figura do preparador o exemplo de liderança para um grupo jovem.
– Tem que entrar para arrebentar, por isso são importantes os mais velhos. Renato Augusto é muito sério, Neymar encara o que tem que encarar. Se esses caras conseguirem mostrar que aquilo é a coisa mais importante, os outros ganham confiança.
O episódio decisivo para que a seleção de 1984 ganhasse essa segurança aconteceu na primeira reunião: a ditadura ainda imperava, e o chefe da delegação brasileira era um general de guerra do Exército. Cercado pelos jovens jogadores, disse que esperava disciplina e respeito à pátria. O grupo desanimou. Rigidez de quartel na maior festa do esporte? O preparador viu ali a chance de ganhar o grupo e levantou o dedo:
– Quer dizer que o senhor é general do Exército brasileiro e é especialista em guerra? – provocou – Então pode deixar conosco, porque se depender da sua experiência, com todo o respeito, estamos f... – completou, para a risada geral. A partir dali, as reuniões foram transformadas em conversas informais à sombra de uma árvore, onde as decisões eram feitas em conjunto. O grupo estava fechado.
*ZHESPORTES