A cena do tri olímpico do vôlei masculino, pode escrever aí, é aquela em que o Maracanãzinho irrompe em um grito estrondoso de "Ei, ei, ei, Serginho é nosso rei", antes de o libero quarentão ser erguido pelos companheiros e jogado ao ar uma, duas, três vezes. E nada foi mais justo na final deste domingo do que essa homenagem.
Serginho foi a alma que deu liga para a geração do tri. Aos 40 anos, bem poderia estar cuidando dos cavalos em seu haras em Jarinu. Ou curtindo os amigos e a família em Pirituba, bairro de classe média baixa na zona norte paulistana. Mas decidiu se desafiar. Mostrou que é possível um jogador dono de três medalhas – ouro em Atenas 2004 e prata em Pequim 2008 e Londres 2012 – entrar para jogar com motivação.
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Mas não foi só por esse exemplo de amor ao vôlei que Serginho foi festejado pelos companheiros e ganhou até reverência deles. Foi também porque Serginho é um cara fora do comum. E o mesmo que você vê na quadra ou na sua tevê. Autenticidade total. O astral contagia, cativa. Depois do jogo contra a Argentina, ele passou pela zona mista e disse aos repórteres:
– Não podemos ir pro pau com os caras. Viu o tamanho deles? Se a gente for encarar, vamos apanhar.
Depois de despachar a Rússia na semifinal, no mesmo local da zona mista, ele parou para falar:
– Como você se sente, Serginho, quarta final seguida? – perguntou uma repórter.
– Como eu me sinto? Cansado. Não aguento mais estar ali dentro – disse apontando para a quadra. – Quero ir pra minha casa, andar a cavalo, ficar com meus filhos, buscar e levar na escola. Chega! Só quero que chegue logo a final para ir para casa depois.
Serginho vai mesmo para casa. Seu último jogo pela seleção foi o ouro deste domingo. Pretende se divertir mais dois anos pelo seu clube antes de se aposentar.
A homenagem dos companheiros não ficou só no ato de jogá-lo para o alto. Quando o líbero pegou o microfone e anunciou que deixaria a camisa no piso do Maracanãzinho e "fizessem o que quisessem com ela", os companheiros se dirigiram ao uniforme e fizeram reverência. Havia um pacto do grupo de dar o título ao companheiro neste seu último ciclo olímpico. A revelação foi feita pelo oposto Wallace, companheiro de quarto e grande amigo.
– Ninguém merecia mais essa conquista do que ele. A maioria do grupo ainda tem mais uma ou duas Olimpíadas. Ele não teria essa chance.
Em seguida, veio Lucarelli, um dos caçulas do grupo e candidato a melhor do mundo logo ali adiante. Questionado sobre Serginho, o ponta parou e pensou uns segundos antes de responder:
– Cara, não tem um adjetivo para o Serginho ainda. Ele tem quatro medalhas olímpicas. Quatro, né? Ganhou tantas que perdi as contas. Um jogador que ganhou tudo isso e mantém essa simplicidade é de admirar. Ele sabe que é fenômeno, mas é simples.
Serginho é simples mesmo. Deixou a quadra com os três filhos – Marlon, 19, Matheus, 16, e Martin, oito, a quem chama de "bezerro". De longe, a mulher só o espiava, encostada numa parede. Um jornalista perguntou sobre o valor da torcida da família na arquibancada. Ele nem esperou a pergunta acabar:
– Não queria que eles viessem. Eu disse para não virem. Mas não me ouviram, pelo jeito – disse, abraçado no caçula e olhando para a mulher, simulando estar irritado.
As perguntas se repetiam, e Serginho respondia com paciência. Uma, duas, três vezes. Até que começou a falar da origem humilde e de quando saiu pulando na rua para comemorar o ouro de 1992. E se emocionou outra vez, como havia feito na quadra.
– Nem chinelo eu tinha, cara. Saí na rua como louco, de pés descalços. Realizei meu sonho de virar jogador de vôlei, isso já era o máximo. Agora tenho outro sonho.
– Qual Serginho? – perguntaram os repórteres.
– Quero ir para casa, descansar, andar a cavalo, buscar meu filho na escola – disse.
Logo depois, ele tomou o caminho do vestiário abraçado aos filhos. Sorria, mas derramava lágrimas também. Começava naquele instante sua aposentadoria da seleção. Ninguém mais do que ele merece o descanso.