Daniel Alves. Robinho. Cuca. Ator que interpretava o Saci. São os casos mais midiáticos de violência contra a mulher no âmbito do futebol. Mas eles formam apenas a ponta externa de um problema maior. Há muitas situações ligadas ao esporte mais popular do país e que não envolvem jogadores famosos ou tem um estádio como cenário. As ocorrências são mais volumosas e silenciosas.
A relação entre a violência contra a mulher e o futebol é direta. Em dia de jogos, os registros de agressões são maiores em relação a outros dias. Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança (FBSP), organização não-governamental cujo objetivo é construir um ambiente de referência na área da segurança pública, aponta que quando há partida de um time os casos de violência contra a mulher na região cresce 20,9%. Quando um time da cidade entra em campo como mandante, o índice de registros policiais sobe 25,9%.
O estudo Violência Contra Mulheres e o Futebol também revelou que a maioria dos casos tem como responsáveis companheiros e ex-companheiros. Os dados foram recolhidos entre 2015 e 2018 em cinco capitais brasileiras, entre elas Porto Alegre.
— A causa não é o futebol, mas os valores do patriarcado no jogo de futebol, a frustração de ver o time perder um jogador importante funciona como um catalisador. Isso traz à tona valores da masculinidade — argumenta Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Quem estuda o tema acredita que os protagonistas do futebol, como jogadores, dirigentes e técnicos, manifestam-se pouco sobre o assunto.
— É importante que se converse sobre o assunto e não como se o mesmo fosse uma coisa distante e que não fizesse parte do esporte. Deveriam ser desenvolvidas campanhas contínuas sobre o assunto e canais de denúncia para os casos de assédio, seja físico, sexual ou psicológico. O esporte tem um papel social importante diante de demandas como essas, por isso deveria contar com estrutura adequada para assegurar a segurança de seus atletas — destaca Mônica Santos, jornalista, integrante do Movimento Quem Ama Não Mata (MQANM).
Embora incipiente, algumas ações emergem entre os clubes. No ano passado, o MQANM firmou parceria com o Atlético-MG para promover uma campanha em uma partida na Arena do Galo. Durante o confronto diante do Grêmio, em 26 de novembro, foram distribuídos cartazes chamando a atenção para o cuidado com as torcedoras nas arquibancadas.
Este ano, o volante Villasanti, do Grêmio, entrou em campo vestindo a camisa número 0. Em na campanha #ZeroAssédio. O movimento ocorreu no fim de semana do Carnaval.
Atletas do clube gaúcho estiveram em um dos casos mais rumorosos envolvendo violência contra a mulher. Em 1987, durante excursão à Suíça, quatro jogadores (Cuca e os companheiros de time Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi) foram acusados e condenados em caso de estupro a uma menor de idade. Recentemente, o Tribunal Regional de Berna-Mittelland anulou a sentença que havia condenado o técnico e ex-jogador Cuca. Como o processo prescreveu, não haverá novo julgamento.
Após sua estreia como técnico do Atlético-PR, em 11 de março, Cuca leu um comunicado abordando a violência contra a mulher, em uma rara manifestação sobre o caso ocorrido em Berna.
Em seu pronunciamento, afirmou que quer fazer parte da transformação e prometeu usar sua voz para educar ele e outros sobre o tema. Além de admitir que hoje entende que o seu silêncio sobre o caso soa como covardia.
— Vivemos uma fase de transformação sobre como nos comportamos, de entender que a mulher não quer mais tolerar e suportar esse tipo de situação. É preciso haver uma educação de todos para compreender o que precisa fazer. É preciso treinar o ser humano a abandonar práticas violentas. Os clubes podem ser um ambiente de movimentar as pessoas em relação a causas bacanas — explica Elizabeth Maria Fleury, socióloga e pesquisadora da violência contra a mulher na Fiocruz.