Começo o texto respondendo a pergunta do título: não existe clube de futebol que não seja arrogante. Porque a prepotência é o berço de qualquer clube de futebol. É o sentimento de superioridade, ou pelo menos a aspiração à superioridade, que move canelas e une esforços no país inteiro, da mais humilde várzea à mais suntuosa arena.
– Joãozinho, vamos formar um time pra jogar bola?
– Vamos! Estou louco para levar uma goleada!
– Isso: quero ser perdedor de tudo!
– Nada pode ser menor!
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Nem na ficção esse diálogo colaria. Nenhum time nasce para perder. O que dirá um clube, que faz da paixão o seu ganha-pão. É preciso vencer para alimentar um círculo virtuoso, que inclui:
– cativar torcedores, que comprarão ingressos ou se tornarão sócios;
– atrair patrocinadores, que pagarão para ter suas marcas associadas a uma equipe de sucesso e com alta popularidade;
– competir nos principais campeonatos, que renderão prêmios mais polpudos e gordas verbas de televisão;
– seduzir grandes atletas, que gostarão de jogar no clube e trarão consigo mais torcedores, mais patrocinadores, mais competitividade, mais visibilidade.
Essa roda se movimenta melhor quando lubrificada pela champanha dos títulos. Daí que, acertadamente, os clubes criam slogans como "Nada pode ser maior" e "Campeão de tudo". É preciso vender a imagem de vencedor – é para os mocinhos que torcemos nos gibis de super-herói e nos filmes de Hollywood, não?
Daí que os hinos dos clubes brasileiros são grandiloquentes, absolutistas, cheios de soberba. "Salve o Corinthians, o campeão dos campeões" são os primeiros versos do Timão. O Flamengo é "consagrado no gramado, sempre amado, o mais cotado". Em BH, muitos cantam "Cruzeiro, Cruzeiro querido, tão combatido, jamais vencido". Em Floripa, "Avaí, meu Avaí, tu já nasceste campeão". O hino do Ceará é um primor – de poesia e de pretensão: "Teu passado é todo coberto de glórias, dia a dia tu conquistas mais vitórias, tua bandeira alvinegra desfraldada, teu time em campo tem vitória assegurada / Campeão da popularidade, tua torcida hoje é toda a cidade, é um grande público a te estimular / É o vozão, Ceará vai ganhar / És o time das grandes campanhas, sempre aqui ou lá fora tu ganhas / Com teus craques em campo a brilhar, Ceará, tua glória é lutar".
Escrevi tudo isso para dizer que, sim, o Inter viveu um período de arrogância (expressada sobretudo no falido mantra "time grande não cai"), mas que, não, não foi a arrogância que o derrubou para a Série B. Foi uma sucessão de erros, um festival de incompetência (lembrem-se: o Inter cedeu o empate a Santa Cruz e Ponte Preta no Beira-Rio, quatro pontos que o teriam salvo com folga). A soberba pode ter sido querosene para o incêndio colorado (achar que o elenco era o suficiente, achar que a Swat resolveria), mas, do outro lado da cidade, mostrou-se combustível para chegar longe (vide o que Renato Portaluppi disse depois de conquistar a Copa do Brasil com o Grêmio: "Quem sabe, sabe. Quem não sabe, vai para a Europa estudar").
Em resumo, o negócio dos clubes de futebol é forjar ilusões de grandeza e lutar para que vez ou outra a realidade as ampare. Quando a fase é boa, encara-se a arrogância com leveza, como folclore, flauta – quase virtude. Quando a fase é ruim, passa a ser condenada – vira vício.
*ZHESPORTES