O glamour de realizar o sonho de atuar em um clube grande também pode virar adversário. Os holofotes e facilidades muitas vezes podem vir acompanhados de tentações e problemas. Como ocorreu com Jean.
De promessa do Inter, ele se perdeu no trio baladas, bebidas e drogas. Enfrentou problemas de saúde após uma lesão não curada que desencadeou um AVC e a perda da visão do olho direito e hoje celebra uma nova vida como jardineiro em São Paulo.
— Nasci de novo! As coisas começaram a andar para mim. Não cheiro (cocaína) desde que fiz a cirurgia e não bebo há mais de um ano. Não sinto mais vontade — vibra.
Jean chegou por empréstimo após se destacar na Copa São Paulo de Futebol Júnior pelo Juventus, de São Paulo. Então com 19 anos, vinha para atuar no time sub-20. Em 2014, Abel Braga optou em realizar uma pré-temporada maior, o que fez o time B, comandado por Clemer, começar o Gauchão. Jean recebeu a chance, junto a nomes como Alisson, Cláudio Winck, Rodrigo Dourado e Alex Santana.
O defensor mostrou virtudes. Inclusive, quando se aventurava ao ataque. Na vitória por 2 a 1 sobre o Novo Hamburgo, liderou a equipe, com um gol de cabeça e um por baixo, depois marcado como gol contra de Fred.
A noite gaúcha
Jean começava a experimentar a fama e os benefícios da carreira como jogador profissional. Mal sabia ele que era o início da derrocada. O desempenho na estreia chamou atenção da imprensa, que desejou entrevistá-lo para apresentá-lo aos torcedores, mas...
– Fiz dois gols e no outro dia Globo, SBT e não sei mais quem queriam me entrevistar. Mas saí para beber, cheguei alterado e não me deixaram treinar. Me deram muitas oportunidades, mas não aproveitei – reconhece Jean.
O zagueiro começava a conviver com o adversário que o impediria de trilhar uma carreira de maior sucesso. A noite e seus acompanhamentos lhe pareciam mais atraentes do que uma vida regrada de atleta, de foco nos treinos e jogos.
De origem humilde, o jovem se deslumbrou. O salário que ganhava, apesar de não se comparar ao de nomes como Dida, Juan, D’Alessandro, Jorge Henrique e Rafael Moura, que conviviam no vestiário de Abel Braga naquele período, já era muito acima do que estava acostumado:
– Era novo, cabeça fraca, sozinho em Porto Alegre. O salário que ganhava na minha cidade era R$ 50 e o primeiro no Inter foi de dois pau e meio (R$ 2.500). Me chamavam para sair e era tanta novidade... Aí, vixe, Maria, era noitada, né?
Álcool e cocaína, os maiores adversários
As festas tinham cardápio e lugares variados: pagode em boates, churrasco em restaurantes ou mesmo reunião com amigos no apartamento. O sucesso veio também fora de campo, com mulheres a cobiçá-lo. O gosto pela balada e por "aumentar o currículo" ganharam outro parceiro, mais perigoso: o álcool.
– Era mulherada e bebida todos os dias. Bebia cerveja, vodka, até água de bateria. O que tinha álcool eu colocava para dentro. Não tinha ruim – afirma o ex-zagueiro.
O gosto pela bebida e a necessidade de aumentar a quantidade consumida cada vez mais indicava que aquilo já não era suficiente. Precisou de novas experiências. Foi quando conheceu a cocaína.
Jean diz que não se viciou, tampouco foi descoberto no clube sobre as incursões com a cocaína. Menos ainda que tenha sido flagrado no exame antidoping.
O que fazer da vida?
Mas se o envolvimento com a droga passou distante dos olhos do clube, o restante já era sabido. E, na hora do fim do empréstimo, a sonhada compra não ocorreu. O zagueiro desperdiçava a grande oportunidade na carreira.
De promessa do Inter, voltava ao time da Mooca e precisaria trilhar um longo caminho para chamar atenção de outro clube grande novamente. Sem ver uma solução para uma retomada, pensou no pior.
O defensor buscou forças na família e continuou. Em 2016, rumou ao Penapolense, clube onde encerraria a carreira. No time do interior de São Paulo, conviveu com as lesões. Sofreu três rompimentos do ligamento cruzado anterior. Dois no joelho direito e um no esquerdo.
O último, no direito, evitou operar. Em vez de enfrentar novamente nove meses afastado dos gramados, acabou infectado por uma bactéria no local, que rumou ao coração.
Sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Teve o lado direito comprometido e perdeu a visão do olho. Precisou ficar sete meses no hospital, entre cirurgia e pós-operatório.
O novo Jean
Fora do futebol, Jean começou a trabalhar como jardineiro em 2019. À época, ainda morava em São Paulo. Quando se separou da esposa, Luana, com quem teve o filho, Théo Marcos, voltou para Jaboticabal, a 260km da capital paulista. Hoje vive com a avó Jovita e o tio Hamilton.
Segue na profissão. Nos fins de semana, troca de função. É percussionista em uma banda que toca pagode e sertanejo, mas ainda sonha em voltar ao futebol. Não mais como atleta, mas em outra posição.
— Ainda sou novo. Estou com 31 anos. Torço para estar no esporte, seja como treinador, dando palestra... Foi onde sempre estive — projeta.
O Inter tem lugar especial no coração do ex-zagueiro. Disse que virou torcedor do time e o acompanha. Ainda tem amizades com alguns companheiros da época, como Ebert, Silva, Geferson e Marlon Bica, a quem se refere carinhosamente como “Capita”.
O menino, que chegou a treinar com D’Ale, Dida e Forlán, espera voltar ao CT da base em breve. Recebeu um convite para visitar antigos funcionários. Quem sabe as conversas não caminham para uma nova chance. Mas independentemente de um regresso ao Colorado ou ao futebol, Jean tem motivos a sorrir. Derrubou incontáveis desafios para ser o homem que é hoje.
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