
Saci-pererê, uma das figuras mais representativas e divertidas do folclore brasileiro, foi fazer suas travessuras na Argentina e gerou repercussão nas redes sociais depois da derrota imposta pelo Inter ao River Plate, de Buenos Aires, na última terça-feira, em Porto Alegre. É que uma brincadeira feita pelo canal Paren La Mano, que distribui conteúdo pela internet, arrumou uma tremenda confusão acerca da lenda popular do Brasil.
A exibição cômica e um pouco desastrosa dos hermanos foi parar no Twitter de torcedores de futebol brasileiros e enfileirou comentários, especialmente de colorados.
Em um momento recortado do programa, um dos apresentadores descreve o Saci, dizendo que fuma cachimbo, usa um gorro vermelho, não tem uma perna. Diz que é como qualquer "personagem mitológico".
— Uns dizem que é verdade, outros dizem que não, que é uma história, um conto, uma lenda — acrescenta no andamento de sua fala.
Em seguida o comunicador diz:
— Como é desta zona (sul do Brasil), usa gorro vermelho, então é colorado, como Inter. E se adotou ele como o mascote do clube.
Na sequência, o comunicador fala de seu comportamento brincalhão e zombeteiro, diz que quando não sabemos onde estão as chaves, é obra do Saci.
Entretanto, o apresentador argentino pisa na bola quando diz que a origem da figura popular está relacionada à escravidão, o que, segundo ele, explica a representação de um menino ou homem negro. Ele aprofunda o comentário explicando que, pelo fato de ter sido escravo, o Saci teria cortado a perna para fugir.
— E, por isso, que o Saci Pererê representa de algum modo a liberdade - pontua.
A livre adaptação portenha para a história do Saci brasileiro era para descrever e ironizar o pênalti aparentemente chutado com as duas pernas pelo atacante Pablo Solari, que foi anulado. Em tom de piada, comunicador diz que o Saci aprontou das suas e que Solari deveria ter chutado com uma perna e não com as duas. Termina argumentando ao colega de programa que os colorados acertaram por ter chutado com uma perna, igual ao Saci-pererê.
Nos comentários, perfis brasileiros reagiram com bom-humor, algumas críticas e até elogios à criatividade da brincadeira.
Segundo o site do clube, a "figura do jovem negro malandro, que engana os adversários com dribles e travessuras, foi diretamente associada ao Internacional". O texto recorda que a "segunda revista do Internacional, publicada em 1960, tinha como nome O Sacy – e a figura estava presente nos cartuns, nas flâmulas e até em pequenas estatuetas que o clube entregava aos seus atletas de destaque". Em 2016, o Saci se tornou oficialmente o mascote colorado — pela primeira vez documentado no estatuto do clube, depois de mais de décadas nas graças dos torcedores.
O Saci
A lenda do Saci-pererê integra o acervo do folclore brasileiro, sendo uma das histórias imortalizadas na cultura popular por ter sido transmitida através das gerações pela oralidade.
Há referências de que sua identidade tem elementos da cultura indígena e africana, tendo o Sul do Brasil como um local de possível origem da mitologia, com apontamento sobre a existência do nome guarani: Çaa cy perereg, em que Çaa Cy significa “olho mau” e pérérég significa “saltitante”.
As narrativas descrevem um ser negro e pequeno, que anda pela mata, veste gorro e manto vermelhos, e fuma cachimbo.
Há versões que descrevem uma figura mais assustadora, com olhos vermelhos, face sombria, estatura e força sobre-humanas. Essa representação seria responsável por atitudes amedrontadoras e danosas.
Mas a imagem mais conhecida é a do menino agitado e autor de molecagens como esconder objetos e assustar animais nas fazendas. Uma dessas representações é a que ficou na memória dos brasileiros que assistiram ao seriado Sítio do Pica-pau Amarelo na TV.
A figura folclórica também é retratada por artistas como Ziraldo, que criou a história em quadrinhos Turma do Pererê, e por Maurício de Souza, que editou série de publicações desenhando, ao estilo Turma da Mônica, diversos personagens do folclore.
Contudo, a obra mais robusta e detalhista na descrição da lenda pertence ao escritor Monteiro Lobato, que escreveu O Saci em 1921. A obra ganhou dezenas de edições e incontáveis reproduções, tendo sido apreciada por diversas gerações de estudantes e leitores.