O futebol proporcionou ao Inter uma chance rara. A partir das 21h30min desta quinta-feira (22), os colorados têm a chance de exorcizar um de seus piores fantasmas, em um confronto válido pelo mesmo campeonato, contra os mesmos adversários e no mesmo estádio. O Olimpia, responsável pelo maior trauma da história do Beira-Rio, é o oponente da noite, na partida de volta das oitavas de final da Libertadores. Uma oportunidade de sepultar de vez a dor esportiva de 1989.
Com o 0 a 0 da ida, a equipe de Diego Aguirre precisa vencer em casa para avançar às quartas de final da Libertadores. Igualdade sem gols leva a pênaltis e quaisquer outros resultados dão a vaga aos paraguaios.
A situação atual é mais desconfortável do que a de 1989, que, inclusive, tinha Diego Aguirre no banco, mas como jogador, vestindo a camisa 16. Naquele 17 de maio, pelo menos 70 mil colorados foram ao Beira-Rio com a certeza de que o 1 a 0 da partida de ida, graças a um gol de bicicleta de Luís Fernando, era uma vantagem grande o suficiente para a partida da noite (que também foi 21h30min) ser apenas um protocolo antes de pegar Nacional de Medellín ou Danubio-URU, os outros semifinalistas.
Se for lembrar de tudo, até eles eram tratados com um certo desdém. O Inter mirava viajar para Tóquio e enfrentar o o Milan, campeão da Liga dos Campeões.
Mas tinha o Olimpia, e é para lá que voltamos. A simples menção a esse nome causa arrepios em colorados que já passaram dos 40 anos. Todos tinham certeza de que o título da Libertadores, que havia escapado em 1980, chegaria naquele ano. Essa sensação aumentou ainda mais depois da exibição no Paraguai. Mas a partida de volta trouxe a dor.
E para que isso não se repita, é bom que o grupo atual perceba as lições que aquele jogo deixou, para o bem e para o mal. A primeira delas é: não se desconcentrar. O Inter entrou tão desligado que levou 1 a 0 antes do décimo minuto, gol de Mendoza. A segunda: reagir rápido. Dacroce empatou aos 11. A terceira: manter o ritmo. Antes do intervalo, o Olimpia havia voltado à frente. A quarta: manter a luta. Na saída do segundo tempo, Luís Fernando voltou a empatar. A quinta: ter convicção. Aos 21 minutos, o Inter teve um pênalti a favor. Nilson, que nunca tinha perdido, pegou a bola e se preparou.
— Sempre batia no canto esquerdo, e nunca tinha perdido. Mas parecia que tinha algo sentado no meu ombro e ouvi uma voz estranha dizendo: "Muda de canto". Mudei e errei — contou a ZH.
Almeida, que era considerado um goleiro baixinho e gordinho, defendeu. E não deu tempo para aprender a última lição: não se desesperar. A bola foi para escanteio, depois afastada pela defesa, dominada pelos paraguaios e 90 segundos depois da cobrança, estava na rede de Taffarel. O 3 a 2 levou aos pênaltis e Almeida pegou mais um, desta vez de Leomir, classificando sua equipe que acertou todos. O placar final de 5 a 3 emudeceu o estádio. Há quem lembre que houve um protesto no famoso portão 8. Mas a perplexidade era tamanha que só restou ir embora.
Antes do jogo, no discurso, os atuais atletas parecem ter aprendido. Edenilson declarou:
— O 0 a 0 de lá é um resultado perigoso, a gente sabe que tem de vencer.
Heitor completou:
— É o maior jogo da minha carreira. Comentei com meus amigos. Se parar para pensar, é difícil quando você sobe ao profissional e ter a oportunidade de jogar um mata-mata de Libertadores. A oportunidade está aí e fico muito feliz.
Por mais que nenhum deles tivesse nascido, a relação de ambos com o Inter sabe que a chance de terminar de uma vez por todas com esse trauma está posta. A se lamentar que desta vez, os colorados não poderão estar no Beira-Rio para compensar a dor dos 70 mil de 1989.
"Me marcou a tristeza dos torcedores"
Éver Almeida era um personagem. Com menos de 1m80cm, possivelmente mais de 80kg, 41 anos, calções apertados e cabelo comprido, o goleiro habita a memória do futebol gaúcho por ter defendido um pênalti no tempo normal e outro na disputa decisiva daquela semifinal de Libertadores de 1989, pelo Olimpia. Encerrou a carreira ao 43 e seguiu como técnico. Segundo sua contagem, conquistou 32 títulos entre jogador e treinador. Atualmente, é dono de uma imobiliária e fala de futebol na Rádio 1000, que transmite pelo Facebook direto de Assunção. Ele conversou com ZH.
O que lembra daquele confronto?
Nunca pensamos que perderíamos em casa. O Olimpia tinha um time muito bom, tanto que fomos às finais da Libertadores de 1989, 1990 e 1991. Mas perdemos. Então chegamos em Porto Alegre e vimos algumas situações que nos deram confiança. Me pareceu que o Inter entrou auto-suficiente, achando que tinha matado o confronto, mas tínhamos fé no nosso time. Depois, no jogo, não desistimos nunca. E o pênalti do tempo normal foi determinante. Se eles tivessem feito, teria sido muito difícil fazer mais dois gols. Depois, nos pênaltis, estava confiante. Disputamos 15 vezes nas penalidades, perdemos só duas.
Costumamos lembrar desse jogo como um trauma esportivo para os colorados. Mas e para quem venceu? Como foi?
Para nós foi algo importante, chegamos à final da Libertadores, era a primeira. Claro que foi a glória. Mas me marcou a tristeza dos torcedores. Eles olhavam para o campo e não acreditavam no que viam. E teve um episódio divertido. Quando saímos do estádio, nos seguiu uma caravana com oito, 10 carros. Achei que poderia ser algo ruim, mas depois vi que eles tinham bandeiras do Grêmio e ficavam buzinando. O engraçado é que, no ano seguinte, enfrentamos o Grêmio (pela fase de grupos da Libertadores, 2 a 2). E aí foi o contrário, os carros que nos acompanharam eram de colorados.
Há alguma semelhança no confronto desta quinta-feira que lembre aquele?
Claro, é o mesmo campeonato, o mesmo estádio, infelizmente sem público. Mas não vejo tantas semelhanças, porque o Olimpia não é mais aquele time poderoso. Mesmo que o Inter tenha piorado na comparação com o da primeira fase, que fez 6 a 1, vejo como um time melhor. Claro, precisa tomar cuidado, porque se o Olimpia faz um gol, as coisas podem dificultar, como vocês sabem...