A bola que passou à direita do gol de Andrada no pênalti para fora contra o Boca Juniors, na quarta-feira, entristeceu aos colorados. Mas o choro do cobrador mostra a quem o erro mais incomodou: João Peglow, 18 anos. Torcedor do Inter desde que nasceu, por influência de uma família que veste vermelho, o garoto campeão do mundo pela seleção brasileira sub-17 no ano passado não conseguiu conter as lágrimas. Era um torcedor em campo, que perdeu uma cobrança decisiva, que tirou o time do coração da Libertadores.
O sentimento de frustração dos torcedores virou, em sua maioria, apoio ao garoto. Nas redes sociais, grande parte das manifestações davam o tom de bola para frente para o guri criado no Beira-Rio.
O choro de tristeza mostrou a indignação do jogador com o erro e, claro, com a derrota nos pênaltis. Mais do que isso, o fator de um menino de 18 anos, em seu primeiro ano entre os profissionais do clube, ter assumido a responsabilidade da cobrança enquanto atletas mais experientes não pegaram a bola, renderam apoio até mesmo de ex-jogadores do Inter.
"Zico bateu e errou. O melhor do mundo na época. Quero dizer com isso que nem o melhor do mundo no seu tempo tem a garantia do gol", escreveu o ex-zagueiro Índio no Twitter.
Quem também se manifestou foi o ex-meio-campista Daniel Carvalho, criado na base colorada. Ele foi ainda mais incisivo no Instagram:
"Não se sinta com vergonha. Errar com 18 anos na Bombonera faz parte (mesmo sem torcida). Ruim é ver quatro jogadores (de linha) com 33, 32, 26 e 25 anos não assumirem para bater o sexto pênalti".
Essa situação vivida por Peglow não é novidade. Em 1989, o ex-meio-campista Luiz Carlos Dacroce, também forjado no Beira-Rio e torcedor do Inter, perdeu um pênalti decisivo. Era um Gre-Nal, válido pelo hexagonal final do Campeonato Gaúcho. Na ocasião, ele e Edu Lima desperdiçaram as cobranças e viram o Grêmio se sagrar campeão.
— Me identifiquei com ele. Em 1989, naquele jogo, eu tinha 21 anos, era jovem, tinha recém subido para o time profissional. É uma situação muito complicada, que fica marcada. Mas é preciso seguir em frente, a vida é assim mesmo. Ele tem qualidade de sobra para superar isso — afirma Dacroce.
Outra semelhança é que o treinador do Inter naquele momento também era Abel Braga. À época ainda jovem, com 36 anos, o comandante colorado soube lidar com a situação e tranquilizar Dacroce. Por isso, ele acredita que o mesmo acontecerá com Peglow:
— Ele precisa desse apoio do treinador. Como o Abel já passou por isso, vai saber lidar. É importante que os companheiros mais experientes deem essa força para ele também, assim como a torcida.
Depois do jogo, já na madrugada de quinta-feira, Abel frisou que a derrota não foi do Peglow, mas sim do Inter. E lembrou das boas atuações do garoto nas últimas partidas:
— O importante é o que ele fez no jogo. O que ele fez no domingo passado contra o Atlético-MG. Fez o gol do empate. Perdemos todos. Os meninos têm o apoio de todos. O Inter perdeu nos pênaltis. Não foi o Peglow que perdeu.
Ainda dentro do grupo colorado, o auxiliar técnico Leomir de Souza também pode contribuir. Ele perdeu um pênalti contra o Olimpia, na semifinal da Libertadores de 1989, em uma das derrotas mais marcantes da história do Inter.
Bom cobrador e exemplo no rival
Embora não fosse um dos primeiros batedores do Inter, o guri era acostumado com as penalidades nas categorias de base. O técnico Guilherme Dalla Déa, que comandou a seleção brasileira sub-17 no título mundial em 2019, garante que Peglow tinha um dos melhores aproveitamentos nas cobranças de pênalti.
— Nós tínhamos os seis primeiros batedores, pela porcentagem de erros e acertos. O Peglow era um deles, porque teve um percentual muito alto de acertos. Ele também cobra muito bem falta, tem uma batida boa, forte, seca — destaca Dalla Déa, que hoje é diretor técnico do Guangzhou Evergrande, da China.
Por conhecer e ter convivido com Peglow durante o período de seleção de base, o treinador entende que o momento deve ser de dor para o garoto, que "é um atleta que se identifica muito com o Inter", segundo Dalla Déa. Agora, o importante é tirar proveito positivo deste erro, avalia.
— Ele é um jovem ainda em evolução. Que isso possa servir para ele, infelizmente na dor, mas para que tenha sabedoria. Ele não vai fugir das responsabilidades, porque tem uma personalidade muito forte. Mas que os torcedores possam entender o lado do atleta. Um jovem com 18 anos está sujeito a isso, mas essa dor pode servir de aprendizado na vida do Peglow — entende seu ex-técnico.
No rival, Pepê viveu situação semelhante. No ano passado, o atacante do Grêmio perdeu um pênalti na semifinal da Copa do Brasil, contra o Athletico-PR, e o Tricolor foi eliminado. Hoje, o garoto é um dos principais jogadores do time.
— Acredito que isso vá acontecer mais vezes com outros jogadores também. É um menino que tem muita qualidade e muito a render ao Inter. Teve personalidade para bater o pênalti. Ele errou, mas tem o respaldo do grupo e daremos força. Está no caminho certo, mas é assim. Às vezes erra e às vezes acerta. É saber lidar com isso — disse Patrick, que saiu de campo abraçado com o garoto, aos prantos, após o jogo na Bombonera.
Do ponto de vista psicológico, é preciso que haja um acompanhamento para que o erro não prejudique o emocional do jogador e afete o desempenho em campo. Para isso, existem técnicas de controle de ansiedade que podem ser usadas em casos como o de Peglow.
— Para um garoto de 18 anos, isso é como uma vacina. É dolorido, mas pode ser positivo. Certamente o pessoal do clube, colegas, darão esse apoio para ele. Sempre é preciso avaliar e lidar com o cérebro do atleta. Existe um processo que a gente chama de desautomatização, para diminuir ou aumentar a ansiedade. A gente usa muito isso com atletas, porque muitas vezes eles precisam de mais confiança, autoestima. Depende de pessoa para pessoa para saber como lidar — explica o psicólogo Benno Becker Júnior, membro da Sociedade Internacional de Psicologia do Esporte.
Se três dias antes do pênalti perdido Peglow havia marcado seu primeiro gol como profissional, diante do Atlético-MG, no Mineirão, ele se viu em uma das maiores decepções da ainda breve carreira horas depois. Futebol é assim. Mas, como o próprio guri colorado escreveu nas redes sociais após o gol, "tudo no tempo de Deus". Que assim seja.