Os dias que antecederam à partida mais importante da história do Inter, em 2006, não foram fáceis. Às vésperas da viagem ao Japão, o primeiro problema: o atacante colombiano Rentería chorava com a notícia de que havia torcido o tornozelo e ficaria de fora do Mundial. Para o seu lugar, foi chamado Leo, que estava prestes a sair de férias em um cruzeiro para Aruba, uma ilha em meio ao mar do Caribe. Teve de trocar os dias de sol pela longa, turbulenta, mas encantadora viagem ao Oriente.
Com uniformes novos na bagagem, a delegação do Inter viveu um dia de festa da torcida que via o clube embarcar, pela primeira vez, para a disputa do tão sonhado Mundial. O ônibus que saiu do Hotel Blue Tree Millenium Flat, bem próximo ao Beira-Rio, foi acompanhado de perto por uma carreata de torcedores. No aeroporto Salgado Filho, mais de 4 mil colorados davam o adeus aos possíveis campeões.
— Imagina como será a volta se ganharmos o Mundial — falou Wellington Monteiro a Edinho, impressionado com a manifestação da torcida.
O avião decolou mesmo por volta das 13h30min daquela terça-feira, 5 de dezembro (12 dias antes da final). Iniciou-se, ali, uma viagem um tanto atordoada. A primeira parada foi São Paulo. Por lá, o voo que seguiria até Paris atrasou. O clube chegou 14h50min e sairia 18h45min. Porém, acabou esperando para embarcar apenas às 23h. A chegada à França ocorreu apenas às 13h e o Inter perdeu o voo para o Japão, que decolaria 13h15min. Assim, precisava aguardar o próximo, que sairia às 23h15min.
Para que os jogadores pudessem descansar, a delegação colorada foi para um hotel nas imediações do Aeroporto Charles de Gaulle. Mas sem três atletas: Vargas, Hidalgo e Iarley. Os dois primeiros, por serem colombiano e peruano, respectivamente, precisariam de visto para entrar em território francês. Foram barrados na alfândega e ficaram retidos no terminal. O atacante Iarley optou por ficar com eles.
— Aquela situação causou um mau estar, porque não tinha jeito para dar naquele problema. O Iarley ficou muito irritado. O Newton Drummond (assessor da direção à época) chamou o Iarley e ele estava com os dentes cerrados. Disse que não iria abandonar os amigos. E eles aguardaram até de noite no aeroporto — recorda o repórter José Alberto Andrade, que viajou ao Japão pela Rádio Gaúcha.
O embarque para Tóquio ocorreu por volta das 23h de quarta-feira, 6 de dezembro. A chegada ao país asiático se deu apenas às 19h (8h em Brasília) do dia seguinte, com 11 horas de atraso. Assim, o Inter viveu uma saga de 42 horas de viagem de Porto Alegre até a capital japonesa. Mas a chegada ao hotel ainda levaria mais algumas horas em um ônibus disponibilizado pela Fifa, com o escudo do clube na lateral. A única ressalva foi a cor azul, um padrão da Fifa.
A primeira tarefa estava cumprida, mas restavam outras tantas. Os problemas com o fuso horário foram rapidamente superados, e logo o Inter viu que seu adversário na semifinal seria o Al-Ahly, do Egito, que venceu o Auckland City, da Austrália, na fase anterior.
Dois dias depois, o clube anunciava a renovação do contrato do técnico Abel Braga. Mesmo antes do jogo contra o Al-Ahly. Era a confiança no trabalho do comandante, que havia levado o clube à inédita Libertadores quatro meses antes.
Depois de muitos treinos e análises do adversário, na véspera da estreia, descanso para os jogadores e coletiva de imprensa aos japoneses. Fernandão, Clemer, Iarley, Abel Braga e Fernando Carvalho divertiam-se com as perguntas em japonês antes de ouvirem a tradução e darem suas respostas. Em clima descontraído, o Inter chegou tranquilo para encarar o Al-Ahly. Venceu um jogo duro, por 2 a 1, com gols dos meninos Alexandre Pato e Luiz Adriano, mas não escapou das críticas.
— Tudo o que recebermos de críticas é valido. Foi uma displicência fora do comum. Temos um time organizado nos aspectos táticos e técnicos. Seremos outro time na final — prometeu o técnico Abel Braga.
Susto e reunião
No dia seguinte, no entanto, o Barcelona mostrava o seu poderio e atropelava o América-MEX com um 4 a 0. E a tensão tomava conta dos colorados.
— Eu assisti a esse jogo perto do Fernando Carvalho e dos jogadores e vi como eles ficaram assustados com aquela vitória do Barcelona — recorda David Coimbra, que viajou ao Japão pela Zero Hora.
Mas se alguém poderia pensar que a apreensão seria ruim para o time colorado, enganou-se. Depois de acompanhar os treinos do Inter e a mobilização antes da final, em 17 de dezembro de 2006, David tinha uma certeza: o Inter seria campeão.
— Antes do jogo, o Zé Alberto e o Silvio Benfica me chamaram para dizer que estava acontecendo uma reunião no quarto do Pato. Eu subi e realmente estavam Pato, Fernandão, Iarley e Clemer conversando muito concentrados no que iriam fazer no jogo. Eu, vendo aquela movimentação, a concentração dos jogadores, tive a certeza de que o Inter ia ganhar — conta.
David, inclusive, ligou para o amigo Tulio Milman, colunista de ZH e colorado assumido, que lembrou do episódio:
— Na véspera do jogo eu estava uma pilha de nervos, apavorado, achando que iríamos tomar uma goleada do Barcelona. Depois da meia-noite o David me liga do Japão e diz o seguinte: "o Inter vai ganhar do Barcelona amanhã". Eu disse que ele estava louco, mas ele respondeu que estava vendo nos olhos dos jogadores a vontade de ganhar. E ganhou.
Com essa vontade de vencer estampada nos olhos, o time de Abel Braga fez o que todos já sabem contra o poderoso Barcelona, que tinha em campo o melhor jogador do planeta, Ronaldinho Gaúcho. Aquele 1 a 0, com gol de Adriano Gabiru, começou a ser escrito dias antes. O medo perdeu para a determinação dos colorados que foram a campo e fizeram história no Estádio Internacional de Yokohama.