Antônia estava de aniversário no dia em que o pai se reuniu às pressas com a direção colorada, na última terça-feira. Imaginou, com razão, que Falcão não poderia participar como gostaria de um momento tão especial, e não há nada mais especial para um pai do que os momentos de alegria de um filho.
Então, ela vestiu uma camiseta do Inter, tirou uma selfie e a enviou pelo celular, tranquilizando-o quanto a eventuais ausências familiares. Junto da foto, avisou-lhe que treinar o seu clube do coração seria o maior presente de aniversário que poderia receber. E dedilhou seis letras:
– Aceita.
Leia mais:
Nome de Marcelo Lomba entra no BID e goleiro fará a estreia contra o Palmeiras
Inter x Palmeiras: tudo o que você precisa saber para acompanhar a partida
Vitinho descarta má fase e compara técnicos: "Falcão é mais tranquilo"
Essa ideia de perpetuar a admiração sempre me impressionou. No caso de Falcão, há jovens que o conheceram já meio careca, mas o idolatram e falam dele como se o acompanhassem desde as peladas no campo do Nacional, com todos os cabelos encaracolados à disposição. Haveria outras cenas, tipo a imagem dele carregando cimento para construir o Beira-Rio na década de 1960, a taça do tri brasileiro invicto em 1979 acima dos ombros e, por fim, sua aparição, fardado, na reinauguração de 2013.
Mas esta, pela singeleza, parece-me mais emblemática. O pedido de Antônia foi para o pai ou para o ídolo do Inter? Os dois, talvez.
São vários os motivos que trouxeram Falcão ao Inter pela terceira vez como técnico, mas não há dúvida de que o fato de ser um ídolo pesou decisivamente. E, quando isso acontece, o debate sempre volta: vale a pena colocar este patrimônio intangível em risco nas questões mundanas do dia-a-dia? Falcão, obviamente, entende que não. Renato, um deus no Grêmio, também. Nenhum dos dois teme que a vaia tisne a sua imagem. Há outros ídolos que pensam diferente.
Pelé foi até ministro. Técnico? Jamais. Zico decidiu nunca treinar o Flamengo ou qualquer outro clube brasileiro. O Flamengo, para não se expor e quebrar a magia com os rubro-negros. Um outro clube no país para não ter de enfrentar o clube que o lançou. Zico decidiu tratar a sua relação com a torcida como o diamante protegido no cofre, acomodado sobre uma almofada roxa de cetim. Não admite arranhões. Como não está com a vida ganha, foi treinar bem longe da sua casa na Barra da Tijuca, ali passando a estação do metrô construído para a Olimpíada. Longe mesmo: Turquia, Japão, Iraque, Índia.
Comentarista da Globo, o boa praça Júnior vestiu a camisa do Flamengo mais vezes do que Zico, em 865 partidas. A cancha de futebol da areia da Gávea chama-se Maestro Júnior. Ganhou quatro Brasileirões, o último em 1992. Treinou o ex-clube duas vezes. A primeira, em 1993. A segunda, em 1997. A última passagem durou três meses. A torcida pegou no pé. Após um empate em casa com o Madureira, decidiu que não precisava daquilo. Ensaiou uma volta pelo Corinthians, ainda mais curta: três jogos. Chegou, viu que a direção não cumpriria o prometido e foi embora. Já não queria mais.
Há fartura de casos de ídolos que jogaram e treinaram seus clubes do coração na história do futebol. Johan Cruyff, no Ajax. Franz Beckenbauer, no Bayern. Cesare Maldini, no Milan. E dezenas de outros. Em todos, a conclusão me parece ser a mesma: nada do que acontecer no terreno dos mortais apagará o que os levou ao panteão da idolatria. Do contrário, Maradona seria preso na Argentina, em vez de fundarem uma igreja para adorá-lo. Ronaldo Nazário foi detido em esbórnia com travestis sem que nem as velhinhas dos clubes de chá de Copacabana o recriminassem por muito tempo. Roberto rebaixou o Vasco como presidente e segue mais dinamite do que nunca.
A tese segundo a qual contratar um ídolo é incinerar sua biografia se sustenta tanto quanto a defesa de Eduardo Cunha. Renato nunca ganhou nada como técnico do Grêmio, embora tenha levado o time à Libertadores. Encontrará sempre o seu rosto tremulando em bandeiras atrás da goleira e terá o nome especulado a cada troca de treinador.
Vale o mesmo para a terceira vez de Falcão no Inter. Se der tudo certo ou tudo errado, sua condição de ídolo não será afetada. Na planície da casamata, é bom que se diga, não será avaliado como ídolo. O império do resultado tem regras bem claras e apressadas, que não perdoariam nem o Papa Francisco, se topasse treinar o San Lorenzo: se não ganhar, fora. Mas essa é outra história. Que começa a ser recontada neste domingo para Falcão, no Inter. Com Antônia de torcedora número 1.
Acompanhe o Inter no Colorado ZH. Baixe o aplicativo:
App Store
Google Play
*ZHESPORTES