Eram 17 minutos do segundo tempo quando Andrigo viu-se cara a cara com o goleiro David Yelldell, do Bayer Leverkusen. O passe havia saído macio dos pés do velho conhecido da base Alisson Farias. Havia chegado a hora pela qual esperara tanto tempo, a de brilhar pelo time principal. O local não poderia ser mais adequado, o parque ESPN Wide World of Sports, em Orlando. Uma espécie de mundo mágico dos esportes em Orlando, onde quase tudo é feito para ser mágico.
"Não ia correr ninguém", brinca D'Ale sobre meio-campo ao lado de Ronaldinho
No Brasil, já passava da meia-noite. O costelão estalava na churrasqueira dos Araújo, no bairro Boa União, em Estrela. O jantar, tardio para uma quarta-feira, tinha justificativa. A mais de 7 mil quilômetros do Vale do Taquari, o filho estaria em ação na pré-temporada americana do Inter. A casa dos Araújo é ampla, de dois pisos. Já é fruto do que o guri amealhou com o futebol.
Mesmo que tenha apenas 20 anos, Andrigo já é figurinha carimbada no Beira-Rio. Com 15 anos, ainda de rosto rechonchudo, cabeludo e com cara de guri de boy band, sofreu assédio de Barcelona e Manchester United. Havia brilhado em um torneio na Europa e, na volta, o Inter precisou correr para mantê-lo.
Uma das atrações da Disney Parade, Ronaldo exalta importância de "jogar com grandes europeus"
Andrigo já está em seu terceiro contrato no Beira-Rio. O vínculo se estende até 2019. Por garantia, há multa milionária em euros, na casa dos 20 milhões (cerca de R$ 88 milhões). O Inter espera desde 2010 que o meia saia da casca e vire o craque que prometia. É bem verdade que a temporada 2011/2012 foi perdida. Em torneio no Espírito Santo com o time sub-17, ele rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito e precisou ser operado. O desafio e o receio de ter a carreira prejudicada tornaram Andrigo ainda mais maduro para sua idade. E fizeram a família se unir ao redor dele.
Por tudo isso, a comemoração pelos 65 anos do pai de Andrigo, Paulo Roberto, na madrugada da última quarta-feira ficaria em segundo plano. Todos os olhos estavam no guri que havia herdado a camisa 20, que era de Charles Aránguiz.
- O pai dele estava de aniversário. Algo me dizia que o Andrigo faria aquele gol - conta Tereza, 54 anos, com a premonição que só as mães têm. - Achei que o meu marido ia enfartar. Mas recebeu o maior presente que o nosso filho poderia dar. Foi muito emocionante - emenda ela.
O pai recebeu, de fato, o melhor presente que poderia ganhar. Assim como Andrigo, ele sabe exatamente qual é a sensação de ver a bola na rede. Quando jovem, Paulo Roberto era Paulão, um centroavante de ofício que defendeu São José-POA, Lajeadense e Estrela na década de 1970.
VÍDEO: D'Ale desfila em conversível vermelho na Disney Parade
Paulo Roberto deixou o futebol porque foi derrotado pelas dores. Sofria com as dores provocadas pelo nervo ciático. Também havia a questão financeira. O dinheiro era insuficiente para sustentar seis filhos. O pai comemora, no entanto, que a bola tenha dado muito mais oportunidade aos seus guris. O mais velho, Anderson, 27 anos, saiu cedo de casa para tentar a carreira no Juventude. O do meio, Paulinho, hoje com 23 anos, foi o primeiro a chegar ao Inter, como lateral-esquerdo. Incentivou Andrigo, o caçula entre os irmãos homens, a acreditar no futebol. O mais perto disso, no Interior, era o futsal.
Andrigo parou no Beira-Rio quase por acaso. Recém havia feito 10 anos e viajou com a família para Veranópolis. Na Serra, receberia o prêmio de melhor de sua categoria. Na volta para casa, desceram até Porto Alegre para ver Paulinho enfrentar o Juventude. Ao chegar ao Beira-Rio, o guri disse para a mãe:
- Quero jogar aqui um dia.
Dez anos depois, o guri se vê no melhor momento da carreira. Avisou a mãe por telefone de que, enfim, ganharia a primeira oportunidade no time principal. Soube que seria promovido em dezembro, a partir de uma provocação de Argel:
- Tá pronto para bater uma bolinha?
Pela primeira vez na Disney, D'Ale fala de encontro com R10 e Ronaldo Fenômeno: "Pedi para tirar foto"
Na estreia colorada nas terras do Mickey, além do gol em nome do pai marcado no Bayer, Andrigo dedicou o 3 a 2 do Inter - que nos minutos finais se transformaria em 3 a 3, com o gol contra de Alan Costa -, a Argel.
- Fiquei um tempão na base e sei agradecer. Fiz o gol e saí para comemorar. Fui agradecer (a Argel) a oportunidade, sei reconhecer as pessoas que me ajudaram - comentou o meia-atacante.
O treinador quer mesmo investir pesado na gurizada da base. Dos 31 jogadores que convocou para a Florida Cup, 21 deles são das formados em casa. Entre eles, o desassombrado Andrigo, que se surpreendeu quando questionado por um repórter sobre a dificuldade de enfrentar o time alemão:
- Nosso time é grande, foi algo normal jogarmos de igual para igual com o Bayer, mesmo estando em começo de temporada.
O novo camisa 20 do Inter faz parte de um projeto para arejar o vestiário em 2016, emprestando-lhe sangue novo a fim de buscar os grandes títulos, com jogadores que ainda procuram os holofotes.
- Meu projeto é apostar no Andrigo. Trouxemos 31 jogadores (para os EUA). Destes, 21 são da base do Inter. Então, temos de valorizar. Vamos dar trabalho, confiança. É um jogador importante - observou Argel.
Clube da Bolinha: Valdívia ataca de pescador nas redes sociais
Das funções que Andrigo executa com facilidade, a de finalizador vem como uma das principais. O que o torcedor viu diante do Bayer, nos EUA, facilmente será repetido se o jogador tiver mais oportunidade e espaço para jogar na frente:
- Andrigo é extremamente inteligente. No Brasileirão de 2013, o coloquei de falso centroavante. Mas também faz a função de meia na linha de três, pelos lados vindo de trás - garante José Leão, técnico do jogador na base, fazendo referência ao triunfo colorado na categoria sub-20 à época.
* ZHESPORTES
Da base
Gol no dia do aniversário do pai e confiança de Argel: a versão 2016 de Andrigo
Camisa 20 marcou o seu primeiro gol como profissional diante do Bayer Leverkusen, na estreia do Inter na temporada
GZH faz parte do The Trust Project