Depois de oito anos de fortes emoções, Romildo Bolzan vive em paz os últimos dias de sua gestão como presidente do Grêmio. Ao lado de esposa, filhos e netas, acompanha com atenção os movimentos de sucessão no clube que geriu por quase uma década.
Após um início de mandato focado em organizar o Tricolor, Romildo colocou o nome na história como o presidente que encerrou o jejum de 15 anos sem títulos de expressão. Sob seu comando, o Grêmio voltou aos maiores palcos do futebol mundial.
Renato Portaluppi, maior ídolo da história do Grêmio, assumiu em meio a uma crise técnica em 2016 como técnico e enfileirou sete títulos de peso. Até a derrota para o Real Madrid na decisão do Mundial de 2017 é recordada com carinho. Mas com o fim da parceria com o técnico-ídolo, o último ato da gestão foi passar pela agonia de uma temporada na Série B. E que só teve o acesso confirmado após o retorno de Renato.
Na manhã de sexta-feira (11), Bolzan recebeu jornalistas dos veículos do Grupo RBS para passar a limpo seus oito anos de gestão. Mas também projetar o futuro. No fim do mandato, observa de longe os movimentos políticos do Grêmio. Por não estar envolvido com as chapas, não há nem a previsão de participar presencialmente da votação na Arena neste sábado. Votará pela internet, cercado pela família. Mas aproveitou a entrevista para deixar um alerta aos candidatos:
— O futebol é traiçoeiro. Nunca diga aquilo que lá adiante pode acontecer contigo. Não duvide de uma situação, não desdenhe e nem critique. Logo ali na frente, tu pode vivê-la.
Leia os principais trechos da entrevista.
O que leva dos oito anos de Grêmio?
Levo todas as experiências de vida que um homem pode experimentar, levando em conta que o componente principal de tudo isso se chama emoção. O ambiente instável, emocional. Tu estás no céu, tu estás na terra, embaixo da terra, está de qualquer jeito. Sabe qual foi a frase que eu disse depois da vitória em Lanús (em 2017)? Ganhamos o campeonato (tri da Libertadores), estou orgulhoso desse fato, mas estou com os pés no chão porque o sucesso é de hoje. Também sei que o futebol nos reserva tremendas surpresas e tremendos fracassos. É exatamente isso. Experimentei tudo, convivi com todos os ambientes emotivos. A gente conseguiu manter o ambiente de tal forma equilibrado, que nós conseguimos comemorar com sensatez os momentos de vitória, conseguimos também passar com sensatez, com uma unidade mínima, os períodos de dificuldade. O que eu levo do Grêmio cada vez mais é uma experiência de vida fantástica. A experiência de que tu viveu tudo o que poderia viver, o ambiente mais hostil que poderia ter, e principalmente o ambiente emotivo. Saio um ser humano um pouquinho melhor.
E como sai o Grêmio após esses oito anos de gestão?
O Grêmio tem altos e baixos. Temos nesse último ano uma situação que não tem como ser diferente. O preço da Série B, o preço de disputar uma Segunda Divisão, o preço da queda da arrecadação, o preço de perder R$ 200 milhões de receitas realizadas em 2021 e não realizá-las em 2022, aquela manutenção dos contratos que tu não podes derrubar também. Isso é muito importante que seja dito, a necessidade técnica de conseguir manter um time minimamente capaz de subir novamente, que não foi a última bolachinha do pacote, mas foi um time que a gente tinha segurança que era capaz de subir. Manter tudo isso teve um preço. E esse preço de certa forma ocasionou uma perda de brilho daquilo que foi 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 do ponto de vista do resultado financeiro, das realizações orçamentárias e sua execução. Isso eu sei. Mas o preço pior que teria que se pagar seria o preço de não subir. E nós subimos. Pegamos um Grêmio que há 15 anos não tinha títulos e entregamos um Grêmio com títulos. Nesse sentido, entregamos um Grêmio melhor. Mas vai ficar essa marca profunda (rebaixamento), que teve reflexos e vai ter reflexos em um período de um ano, que pode ser recuperado. O Grêmio não vai demorar um semestre para recuperar toda a sua tranquilidade financeira na execução orçamentária, se as coisas acontecerem como estamos imaginando, como estamos deixando hoje.
Que Grêmio termina melhor, o Grêmio do campo ou o Grêmio do CT?
Tenho observado esse tipo de debate, principalmente no que diz respeito à qualidade do elenco do Grêmio, e vejo que procede, porque na verdade existe um nível de insegurança, de incerteza por conta da campanha desse ano. Mas eu não vejo o elenco do Grêmio como terra arrasada, começa por aí. Que o time do Grêmio é uma ruindade. O time do Grêmio não deu liga. Tem de entender onde estávamos metidos, o nível de pressão que estávamos submetidos, o nível de exigência que tínhamos e os resultados que tínhamos que obter. Não é fácil. Quando nós caímos, aquele primeiro momento de fazer dois pontos em 24 gerou uma tal desconfiança que não foi possível recuperar. A campanha de 43 pontos que fizemos no ano passado, nesse campeonato de hoje, era mais do que suficiente. O Grêmio tem, a nível de organização, uma situação tranquila. E o futebol tem agora que fazer as adaptações que precisa. Não partindo da terra arrasada, mas partindo da necessidade de reforços.
Títulos ou gestão, o que foi mais importante?
Os dois são importantes. Se fosse só gestão sem títulos, passaria em branco. Não existe no futebol tu tentar organizar uma gestão se não tem títulos. Tu organiza a gestão para fazer títulos. Organiza a gestão para ter resultado no campo. Organiza a gestão para viabilizar a possibilidade de funcionar o campo. É por isso que o futebol tem essa característica fundamental: cumpra com os jogadores, cumpra com o elenco, cumpra com os funcionários, cumpra tudo aquilo que tu se comprometeu. Cumprindo, tu tem a possibilidade não só de cobrar muito mais, mas o ambiente fica muito mais leal. Se tu tem uma questão organizada, tu tem cumprimento com todo mundo, tu vai ter melhores resultados automaticamente. Tu organiza o clube para ter resultado no campo, não tem outra forma. Essa é equação simples. Não tem outra forma de fazer.
O que não fez e gostaria de colocar nesta transição para a próxima gestão?
Gostaria muito de ter honrado a palavra do presidente Fábio Koff em relação à compra da Arena, gostaria muito de ter finalizado aquilo que o Koff começou. Mas a nossa interlocução lamentavelmente não era uma que a gente poderia dizer de segurança e também de confiabilidade. Não temos nem condições nesse momento mais de continuar dialogando por conta exatamente da perda de credibilidade da nossa discussão, da perda de confiança nas nossas relações. E por que que eu digo isso? Porque nós minutamos um acordo. Nós trabalhamos em um acordo judicialmente e temos uma minuta do processo que está em aberto ainda que é só assinar e o assunto está concluído. E depois, sem saber, havia trocado uma questão jurídica de donos da própria OAS com o nome inclusive da empresa. Então, lamento muito não ter conseguido dar esse resultado ao presidente que ele merecia muito por conta da forma como ele conduzia esse processo.
O próximo presidente do Grêmio não resolverá a questão da gestão da Arena?
Duvido que esse assunto se resolva antes de 2033. O Grêmio é dono da Arena não apenas por uma questão contratual, mas já documentada. Por consequência dessa nossa ação, entregamos o Olímpico pra que eles façam lá o que têm de fazer. Porém, veja bem, não significa dizer que eles vão ter posse lá ou não, mas resolveram as propriedades documentalmente
Como é a relação com Renato Portaluppi?
Tenho uma admiração profunda. Foi uma relação construída, não tinha nada de relação e construímos isso a partir de 2016. Se deu início pela lealdade da relação que assumimos. Não se constrói isso com um ídolo como ele, alguém com apoio incondicional da torcida, sem franqueza e respeito. E respeito as individualidades. Ter ciúme de homem é a pior coisa. Ele é o ídolo. Se alguém tiver ciúmes dele, não o entende. Ele é icônico no Grêmio. Não vai transferir esse patrimônio para nenhum outro clube. Aqui conta com a administração e a concordância de todos. Todos relevam eventual erros. No fim das contas, ele tem posições que vão acabar vitoriosas. Quem pensa que o Renato passa por cima, está muito enganado. Quando o Renato chega na intimidade, existe um senso de hierarquia profundo. Nunca usei para me impor. Foi sempre consensual, no diálogo. As decisões sempre foram pelo consenso.
A saída do Renato em 2021 foi um erro?
Havia um desgaste. Existia um processo de não ter mais a correspondência dentro de campo. Tivemos muito mal na situação da pré-Libertadores. Reconheço e faço o mea culpa. Ele não deveria ter saído por uma única e exclusiva razão: o elenco estava montado à imagem e semelhança dele. Jogadores que ele trouxe e confiava e que poderiam dar a ele algo que não poderiam a outro treinador. Poderíamos ter tido melhores resultados.
O que destaca como ponto mais baixo e o mais positivo dos oito anos de sua gestão?
De ruim, é que foi muito duro o rebaixamento. Me penitencio, peço desculpas e perdão para a torcida do Grêmio por ter criado este prejuízo. Isso é uma marca profunda. Isso me desgasta e me faz mal. De outra parte, não posso viver só desta desgraça. Preciso lembrar que 90% dos casos foram positivos. Somos penta do Gauchão e da Copa do Brasil. Um time que disputou tudo até 2021. Fomos semifinalistas duas vezes depois do título da Libertadores. Somos exemplo de como um clube se reestrutura no Brasil. Quero que não me julguem apenas pelo erro.
O senhor entende que seu ciclo fechou no Grêmio?
Não desejo e não quero. Sou o presidente que mais anos ficou. Se tivesse saído em 2019, teria outra conjuntura política. Saí em outra. Fiquei para fechar o assunto Arena, que estava próximo. Não imaginei isso. Tentei concluir uma situação pelo meu gremismo. Não posso dizer o que acontecerá no futuro. Estou completamente fora do Grêmio. Não participo e não me envolvi em nada desta eleição. Só quero transferir a administração do Grêmio. Já entregamos todos os documentos, com todas as informações do clube. E também repassamos o primeiro esboço de orçamento de 2023. A minha missão nesse momento é absolutamente institucional e transferir as informações para quem vai suceder o Grêmio. Se nós não tivéssemos caído, a conjuntura política era completamente outra também no mesmo nível, nós estaríamos celebrando os oito anos que foram de 13 títulos.
Onde encontrou conforto nos momentos de dificuldade?
Primeiro em casa. Mas algumas vezes os filhos sofrem mais do que a gente. A esposa sofre mais do que a gente. É muito normal de chegar e ver um ambiente extremamente pesado em casa, mesmo que muito solidário. Minha esposa tem uma solidariedade enorme, mas também tem um aspecto dos meus filhos. Os dois são absolutamente solidários. Sofrem junto, mas também fazem críticas. Eu fico quietinho porque tenho por característica me recolher quando estou em dificuldade. Me recolho para recompor. Fico lá um dia, dois ou três dias mais na minha. Até entender tudo que está acontecendo para depois tomar uma atitude.
Como lidou como os ataques contra sua família nos momentos de derrota?
Atacar a rotina da minha família é covardia. Para quê? Por quê? Meu filho (Romildo Bolzan Neto, diretor de futebol do Grupo de Transição) é um gremista de tal forma apaixonado e contribuiu lá de uma maneira que não foi por minha indicação. Tu não pode impedir ninguém de ter oportunidades por ser filho de alguém. Tens que dar oportunidade, mesmo que não tenha saído de mim isso. Não deve excluir uma pessoa porque é meu filho. Ele foi campeão brasileiro de aspirantes como dirigente. E aconteceu em uma certa oportunidade quando pediram que eu tirasse o meu filho do cargo por uma questão política.
O que ficará daqui a 10 anos para o Grêmio?
A marca do rebaixamento é definitiva. Títulos também são definitivos. As duas coisas são definitivas. Não quero dizer uma coisa que possa parecer ofensiva. Mas o Grêmio poderá ter gestões que apagam todas as demais pelo sucesso. Ou o Grêmio poderá ter gestões que, pelo insucesso, elevarão todas as demais.
Teve desgaste com a cogitação de candidatura ao governo do Estado?
Olha, não acredito. Eu não tinha condições morais e éticas de sair do Grêmio. Não tinha. Eu tinha de ressurgir, tinha de voltar, tinha de conseguir a voltar à Série A. Se saísse daquele momento e não voltasse, só tinha um responsável por tudo isso. E seria eu. Cometi um erro de certa forma, deixei também correr um pouco, né? Não bloqueei esse assunto rapidamente, deveria ter terminado logo no começo. Esse foi um erro que eu cometi? Alimentei um pouquinho isso também.