De peito aberto, Romildo Bolzan reconhece o seu papel no rebaixamento do Grêmio em entrevista exclusiva a GZH. O dirigente aceita a incompetência do clube como uma razão da queda. Com um vestiário instável, três vices de futebol e o CEO Carlos Amodeo tendo atuado interinamente no departamento de futebol, o Grêmio teve três técnicos até o rebaixamento. De um clube saudado por ter sua política pacificada, a realidade da queda mudou o cenário.
Romildo vê o surgimento de opositores até dentro do Conselho de Administração. E manda um recado para quem, na sua visão, pensa em se aproveitar politicamente do rebaixamento. Com perfil de reforços definido e o diretor-executivo Diego Cerri atuando nas contratações, o clube se reorganiza para chegar forte na Série B. Com o grupo encaminhado, mas ainda com a questão Douglas Costa por resolver, o 2022 começou. A seguir, os principais trechos.
Como o senhor avalia o 2021?
Houve uma ruptura após a final da Copa do Brasil e depois da desclassificação na Pré-Libertadores. Uma ruptura técnica, saiu o treinador e veio outro. Se começou um trabalho, que começou exitoso. Campeão gaúcho com certa sobra, classificado na Sul-Americana. E depois, no Brasileirão, as primeiras rodadas foram avassaladoras para o resultado final. Tivemos a pandemia. Por dois ou três meses tecnicamente e do ponto de vista físico, tivemos muitos jogadores que entraram que não eram titulares. Aquilo deu um baque violento, nos fez pagar um preço caríssimo. O nosso processo de transição, iniciado ainda com o Renato, teve vários jogadores novos. Gerou certa dissintonia no grupo. Ele ficou muito grande, sem o sentido de afinidade. Por fim, com mais uma vitória, a gente não caía. Poderia ter sido o próprio Gre-Nal.
Por que a reestruturação mais forte não aconteceu após a Copa do Brasil?
Renato teve mais a Pré-Libertadores. Aí que deu a ruptura. Recém tínhamos feito a renovação dele. A cada final de ano, sempre fomos um clube com os resultados. Chegaram Rafinha, Douglas Costa e Thiago Santos. Entraram aqui para agregar valor técnico. O que não deu resposta foi o ambiente gerado.
Mas nos bons momentos da sua gestão, essa figura do diretor-executivo sempre esteve presente e com relevância.
Não creio que essa seja a questão fundamental. Creio que teve outras mais importantes. No momento que o Marcelo Oliveira assumiu a coordenação técnica, tudo estava feito através dele. Não foi por aí.
Felipão teve contribuição para essa dificuldade de ambiente?
Não. É uma pessoa extremamente dócil, querida. Talvez faltou um pouco mais de sensibilidade com algumas coisas. Sempre é bom lembrar que ele foi o responsável por grande pontuação. No final teve derrotas.
As dificuldades passaram por algum técnico?
Foi uma falta de sintonia geral. No período do Felipão, havia sintonia com ele. Mas algo de sintonia geral faltou. Existiram demonstrações bem claras de que havia processo de dificuldade de ter um grupo fechado. Tecnicamente, tínhamos jogadores pra fazer. Todos estavam focados pra fugir da queda, mas não acontecia o resultado. Quando falta isso, é por uma série de situações. Falta de confiança, entrosamento. Medo de jogar e o temor do azar. Foi difícil que todos estivessem no mesmo nível de confiança e comprometimento. Havia uma série de dissintonias no ambiente que comprometeu o todo.
A direção agiu para tentar resolver isso?
Várias vezes. O Marcelo Oliveira e depois o Diego Cerri. A direção trabalhou forte para aparar as questões com as comissões técnicas. Mas não tivemos êxito.
O tema premiação atrapalhou?
Não. Combinamos em diversos momentos e as metas não foram cumpridas. O grande prejudicado nisso foi o grupo de jogadores, que tinha um situação que não se realizou. Tivemos conversas com lideranças. Só queriam evitar a queda. Abriram mão de tudo.
O que houve com o Maicon?
Aquilo que ele noticiou. É um assunto que fui comunicado dessa situação pelo departamento de futebol, já chegou pronta. Não quis fazer intervenção.
Mas o senhor não influencia esse tipo de decisão?
Temos instâncias, delego compromissos. Faço minhas ponderações, mas respeitei esta decisão que veio deles.
A saída do Renato foi algo que poderia ter sido evitada?
Naquele momento, tecnicamente, havia uma situação muito complicada para ser mantida. O time não dava mais respostas. Teve a perda da Copa do Brasil de uma forma muito difícil, duas derrotas e com pouca reação. Teve os jogos contra o Independiente Del Valle. Uma derrota bastante consistente em casa. Ali se verificou muita pressão por respostas técnicas e do clube. O tempo gera os desgastes. Tivemos uma reunião no Conselho de Administração e se encaminhou a saída dele. Foi um consenso de direção.
Então o Renato foi demitido...
Quando ligamos para ele, ele falou que conversou com a esposa e que tinha a mesma intenção. Então conversamos e fizemos de comum acordo. Se você vai me dizer que o Cláudio Oderich antecipou o processo (deu entrevista à Rádio Gaúcha sugerindo a saída de Renato após a Pré-Libertadores), ele só manifestou a posição pessoal.
Renato tem responsabilidade no rebaixamento?
Se você disser que esse grupo foi montado a luz e a imagem do Renato, é verdadeiro. Mas também faço o processo contrário. Se o Renato tivesse ficado, talvez tivesse tirado mais desses jogadores.
Como chegou à escolha por Denis Abrahão na tentativa final de salvar o Grêmio?
Marcos Herrmann pediu exoneração. Tinha pouco tempo para fazer uma escolha. Surgiram vários movimentos internos, não iria buscar entre os vices do Conselho de Administração (CA) mais um. O Oderich nunca se mostrou disposto para assumir, poderia ser ele pelo critério que o CA sempre indicava vice de futebol. Surgiu o nome do Denis, vários movimentos apoiaram. Era um perfil diferente, mas não foi buscado para ser o salvador da pátria. É alguém com vivência prática, que viveu esta mesmas dificuldades. Poderia construir um ambiente para nos tirar daquele momento. Não deu.
As entrevistas pós-jogo falaram muito de erros dos árbitros. Isso teve influência na queda?
Aconteceram erros comprometedores, o Gre-Nal foi um deles. Outro lance avaliado foi contra o América-MG. Tiveram várias situações, mas reputo isso na fragilidade da arbitragem brasileira. Para nós teve erros, mas para os outros também. Se imputarmos toda essa responsabilidade para a arbitragem, vamos para o caminho errado. Temos o direito de reclamar? Temos. Mas não vamos colocar a situação de termos ficado dependendo de uma vitória na arbitragem.
Qual a razão para a continuidade de Vagner Mancini e Denis Abrahão?
O processo deles quase deu certo no sentido de escapar do rebaixamento. Mas, na minha avaliação, vem em crescimento. Tem resultado, situações de melhora e um conceito de time. Entre começar tudo do zero e começar de uma situação, era melhor ter um treinador e um dirigente que possuem uma avaliação do plantel e habituados ao Grêmio. Entre perder essa pequena memória e agregar mais um tempo, dar melhores condições, preferi mantê-los. A gente tinha a visão de fazer uma renovação muito mais profunda no elenco. É o momento de mais ruptura, mas romper tudo talvez não fosse o melhor caminho.
Denis estava afastado do futebol havia 20 anos. Por que a opção de ter alguém com esse perfil no comando do futebol em um momento tão delicado?
O diagnóstico das contratações são muito claros. Laterais para a esquerda e a direita. Além do Orejuela, talvez mais um lateral-direito. Ficam comigo para avaliação o Léo Gomes, que está em condições de jogar, e Felipe, que retorna da Ponte Preta. Para a saída do Ruan, veio o Bruno Alves e estávamos adiantados com outro zagueiro e não sei se vamos conseguir finalizar. Kannemann tem previsão de retorno para março e o Geromel vai ficar. Fica o Tonhão. O Janderson é um jogador que já tentamos tempos atrás. O Nicolas é promissor. É claro que o Denis está negociando, mas tem um grande envolvimento do Diego Cerri. Ele tem grande conhecimento do mercado. E também tem as carências que o treinador sentiu, e que agora podemos corrigir trazendo jogadores.
Não vamos comprar jogadores de grande expressão. Mas vamos trazer jogadores fortes, de idade boa, competitivos, com passagens em clubes onde ainda não confirmaram sua carreira e que no Grêmio terão essa oportunidade.
ROMILDO BOLZAN
Sobre o elenco de 2022
Qual é esse perfil de reforços?
Não vamos comprar jogadores de grande expressão. Mas vamos trazer jogadores fortes, de idade boa, competitivos, com passagens em clubes onde ainda não confirmaram sua carreira e que no Grêmio terão essa oportunidade. Não existe formação de grupo de jogadores sem a participação do técnico. O perfil e a lista dos jogadores é elaborada pelo Cerri. O Denis opera, eu também, no contato com clubes. Não temos menos de 15 nomes, que podem fechar mais adiante. Teremos um time forte, experiente e promissor na Série B.
E o Douglas Costa?
Não sei o que vai acontecer. Se aparecer uma situação, iremos examinar. Se ele ficar conosco, ficou. Vamos ter que repactuar. É um contrato muito pesado. Se ele quiser ficar no Grêmio, sem nenhum problema. Não se encontra esse tipo de jogador no mercado. Ele em forma resolve em qualquer time. Vamos deixar evoluir. Ele pode ser a qualidade definitiva para enfrentarmos o que temos pela frente.
Como o senhor encara a queda no âmbito pessoal?
Fui muito cobrado, acuado e pressionado. Me sinto extremamente inferiorizado. Nós vamos fazer daqui pra frente uma reação profunda. Vamos dar ao Grêmio o que ele precisa para retornar à Série A. Vai nos demandar muito trabalho. E passa nesse sentido uma forma de relacionamento com a torcida. Precisamos de solidariedade. Vamos achar os caminhos para a reaproximação.
Como afetou sua rotina?
Fiquei próximo do departamento de futebol. Chegava o tempo todo, perguntava se precisavam de algo. Me joguei lá para dentro, larguei tudo. Foi um ano que me deu enorme constrangimento, decepção, impotência. Jamais aceitei ter passado por essa situação. Me penalizo diariamente por ter levado o clube neste sentido. Tem situação que poderia ter feito diferente. Faço mea culpa. Vim com um projeto de reconstrução e chegamos aonde chegamos. Me dá uma extrema frustração.
O que poderia ter sido diferente?
Não tem uma situação só. Era uma vitória a mais. Não tivemos o resultado.
Me penalizo diariamente por ter levado o clube neste sentido. Tem situação que poderia ter feito diferente. Faço mea culpa. Vim com um projeto de reconstrução e chegamos aonde chegamos. Me dá uma extrema frustração.
ROMILDO BOLZAN
Sobre a queda à Série B
Começaram alguns movimentos na política do clube. Como encara isso?
Tudo isso agrega dificuldades. É a hora dos grandes. De quem vê o momento e pode dar o seu melhor para o clube e depois tirar proveito. O outro é, oportunisticamente, fazer terra arrasada e se colocar. Democracia não tem censura. Cada um assume o que diz. O processo político desse momento é dos grandes. Os pequenos já sabemos o que vão fazer. Atrapalha, mas não vou me atirar em um debate. Falem o que quiser. Aqui teremos um ambiente de reconstrução. Da minha parte, não teremos esse debate político. Vão falar sozinhos.
O senhor garante o Grêmio de volta na Série em 2023?
Não vejo ou trabalho com outro cenário. Vamos fazer tudo. Vamos ter uma reacomodação até fevereiro. Assim que nos reorganizarmos, vai uns dois meses, vamos formar uma situação sólida. Era para ter duas entradas de receitas que não tivemos: o dinheiro da venda do Pepê e o do Brasileirão. Foi uma queda tremenda. Teremos que recuperar nossa segurança.