Após a vergonha do rebaixamento, o Grêmio de 2022 nasce com um projeto que tem o diretor-executivo Diego Cerri como arquiteto. Em alguns dias, os jogadores se reapresentam e a pré-temporada dará a primeira cara ao time de Vagner Mancini.
A partir de conversas entre o vice de futebol, Denis Abrahão, o diretor Sérgio Vazques e Cerri, o clube traçou um perfil das carências e de onde buscar os reforços para construir o time que disputará a temporada e terá a missão de retornar à Série A.
Após atuar “apagando incêndios” no ano passado, o diretor-executivo gremista agora está na linha de frente. Envolvido ativamente, e com liberdade para executar as ideias, Cerri explica os caminhos escolhidos para um dos anos mais importantes da história do Grêmio.
*Colaborou Bruno Flores
Como é o trabalho para 2022?
Na minha chegada, o que foi acordado é que eu teria alguns meses para fazer o diagnóstico inicial e entender as relações do clube. Além de toda a questão estatutária, entender o papel do executivo e fazer uma leitura do elenco e da parte técnica. Só que na medida em que cheguei com o Brasileirão iniciado e com resultados adversos, a situação mudou. Tive de acelerar meu trabalho. Comecei a atuar no vestiário, passamos momentos muito difíceis. Quando o resultado não vem, tudo se torna uma panela de pressão. Tive de mudar o foco do trabalho. A ideia era planejar com calma, junto ao Centro Digital de Dados (CDD), a remontagem do elenco para 2022 para sermos protagonistas. Tivemos de fazer o trabalho de enfrentamento de crise, diariamente buscando soluções internas. Essa relação demora um pouco. Hoje, meu trabalho junto ao Denis e ao Sérgio está muito alinhado. Eles também chegaram em momento de pressão, com necessidade de resultado imediato. Tudo que acontecer, não podemos ser simplistas. Muitas coisas se acumularam e culminaram na queda. Nosso papel agora é de recuperação, recolocar o Grêmio como protagonista.
E como fazer isso?
Decidimos manter uma comissão técnica, temos muito diálogo no futebol. Viemos de quatro trocas. A equipe apresentou um futebol melhor. Existe um desgaste externo, existe. Mas aqui sentimos a comissão fortalecida, com apoio para seguir o trabalho. Montar um elenco enxuto, que a gente possa aproveitar os recursos financeiros que temos por menos atletas e facilitar uma gestão de vestiário. Gosto de grupos menores, o Grêmio tem uma base muito boa e poderá ceder peças.
O presidente citou uma falta de liga no vestiário como responsável pela queda.
Foi. Senti isso. Quando começa a ter o grupo dos mais e dos menos experientes, não tá legal. Notei que antes da minha chegada havia criação de expectativa dos garotos como solução para esse novo ciclo. Não sei se houve mesmo esse tipo de colocação, mas irradiava e chegou dentro do clube. Criava o ambiente que os mais experientes se sentiam desprestigiados e de algum modo se criou um conflito de gerações. Isso foi uma das coisas que aconteceu, mas não simplifico o rebaixamento em cima disso. Não dá para reduzir a uma coisa só. Tivemos um espaço entre os mais jovens e jogadores bem experientes, tivemos poucas peças no meio. Experientes, mas com força ainda. A média de idade era boa, mas com dois extremos. A crise de pontuação torna todas as relações mais tensas. Sem o resultado, começam a aparecer crises por todo lado. Meu trabalho foi muito mais interno na minha chegada. Era para ser um trabalho de diagnóstico, de preparação e estruturar o departamento para montar um time protagonista em 2022, mas esse quadro se alterou rápido. Quando cheguei, estava assim.
Como tentou lidar com essas questões no dia a dia?
Com muito diálogo, fazendo com que cada jogador se sentisse prestigiado e tentar minimizar o choque de gerações. São coisas do dia a dia. Lidar com gente é essencial. Tivemos desafios a cada dia aqui nesse sentido. Mudamos o jeito de jogar quatro vezes, causando uma readequação de jogadores que vinham muito tempo em um sistema. Quando o adversário jogava contra o Grêmio, sabia como seria. Tinha um padrão. Mas durante 2021, não tivemos como caracterizar. Ficou no meio do caminho pela ruptura constante, vários jeitos diferentes de trabalhar, mudanças do elenco e aquele período do time com covid-19 e 18 jogadores afastados. Essas peças se somaram e o ano ficou muito ruim.
Como foi a decisão para a saída do Maicon. Você participou do processo?
Foi uma notícia forte, era uma liderança forte. Não participei dessa decisão. Conversei com o Denis sobre isso na sua chegada. Quando me convidou para continuar, ele é a figura máxima no futebol. Só abaixo do presidente, mas que as decisões estratégicas precisam ser tomadas em conjunto, por mais que uma parte ou outra seja voto vencido. Está sendo muito saudável essa relação que desenvolvemos. Entendo que quando cheguei, entrei em uma casa nova. Você precisa ganhar confiança do sistema. Com a urgência que as coisas aconteceram naquele período difícil, os processos foram um pouco atropelados. Quando sai um cara como ele, pelo que representava, você tem um impacto. Tinha um poder aglutinador, era uma liderança. Mas é fácil procurar culpados e fatos isolados para justificar algo maior. Todos que tomaram decisões tentaram ajudar. Não vou reduzir isso a um divisor de águas.
Qual será a cara do Grêmio para 2022?
O que a gente conversou muito é que não adianta achar que está fazendo se quem está de fora não percebe o que queremos. Nosso time precisa ficar evidente que será comprometido, buscar ser protagonista o ano todo. Buscar a vitória o tempo todo, ser muito forte em casa. Temos de nos impor desde o começo contra os adversários e com pressão alta. Trouxemos jogadores de forma pontual. Orejuela, uma excelente oportunidade de mercado, para os lugares de Vanderson e Rafinha. O Bruno Alves veio do São Paulo, um cara experiente e líder. Nicolas veio do Athletico-PR, um lateral que marca bem e bate bem na bola para disputar com o Diogo Barbosa. Mantivemos os volantes, temos jogadores que confiamos neste setor. Estamos bem servidos. Campaz tem tudo para deslanchar, Pedro Lucas e o Benítez. Um jogador maduro, com passagens por clubes grandes. É um armador, que joga centralizado e faz a bola chegar com qualidade no ataque. O Janderson veio do Corinthians, um cara de velocidade e que incomoda o adversário. E temos Diego Souza, que colocou como desafio pessoal ajudar a recolocar o time na Série A. Ele fez questão de voltar e ajudar na reconstrução. Ainda contamos com Elias e Churín. É um grupo enxuto, não trouxemos 20 jogadores. Talvez ainda venham mais um ou dois e vamos estar atentos ao mercado. Apostar em um trabalho bem feito, uma pré-temporada forte.
O Grêmio teve uma forma de jogar característica por algum tempo. Como jogará agora?
Um time com posse de bola agressiva, que não se restrinja a transição. Na Série B, não teremos como jogar em transição. Temos de criar e quebrar linhas das outras equipes. Construir com a posse de bola rápida, mudar lado do ataque e invadir defesas. Sempre com muita competitividade, marcação forte e guerreiro. O Grêmio no passado tinha a marca da posse de bola, envolver o adversário e quando saíam para marcar a bola era metida para alguém em velocidade e vencia a defesa. Era um jeito de jogar. Essa nossa ideia mescla um pouco de tudo.
É uma opção do clube de ter essa identidade ou uma ideia da comissão técnica?
Quem quer ser protagonista no Brasil, não pode jogar só em transição. Precisa ter saída de bola e construir com qualidade. O futebol moderno não te permite ser lento, moroso, precisa fazer isso com intensidade. Criar com velocidade. Ser agudo, mas encaixar um ponto de marcação forte. Roubar a bola com gosto. Por mais que se tenha um time que quer ficar com a bola, quando você consegue o desarme, pega o adversário despreparado. Aí pode ter essa transição. O que avaliamos aqui, é que possamos ter um pouco de cada coisa. Sair rápido quando roubarmos a bola, mas que a gente tenha um time técnico para criar contra defesas fechadas.
O Grêmio segue em busca de mais reforços?
Estamos avaliando a vinda de mais um zagueiro. Vemos as possibilidades que o mercado oferece. Fomos em um processo rápido de remontagem desse elenco. Fiz uma varredura no mercado, com tudo que tenho de relação. Clubes, empresários. Até o fim acreditamos na permanência, brigamos por isso e tentamos motivar. Por um detalhe mudaria a história. Após a queda, em questões de dias, estávamos fazendo isso e apresentei as possibilidades. Discutimos o que era possível. Não temos condições de comprar jogadores. Tivemos que pagar o empréstimo do Benítez, com a obrigação de compra dependendo do rendimento. Jogadores que trouxemos sem muito investimento, mas que buscamos no mercado dentro do perfil que queríamos. Vamos fazer um time bom com o que temos, sabendo das características do grupo e das competições que temos.
O Grêmio tem pressa para buscar esses jogadores ou coloca prazo para completar grupo?
Durmo quatro horas por noite desde que começamos a montar o grupo. Ficamos aqui até 23h, muitas vezes sem almoçar ou jantar, fazendo varreduras de nomes. É muita dedicação e esforço. Mas nessa pressa, temos de manter o equilíbrio para não fazermos besteira e dar o bote. Por causa de um dia ou uma hora, se perde um jogador. A negociação do Benítez começou dois dias antes do natal. Tinha outras equipes e só conseguimos anunciar ontem. Fomos muito rápidos no mercado, mas mantendo uma ideia. Quando fala de prazo, podemos trazer mais um lateral-direito e zagueiro. Ou que apareça alguém interessante. Não vou falar em data ideal. O Grêmio está aberto a reforços até o último dia de inscrições das competições que vamos disputar. Nossa ideia é ter uma base agora, entrosar a equipe.
Se sente com mais liberdade para trabalhar do que no ano passado?
Estou muito feliz pela parceria com o Denis, com o Sérgio. O trabalho na minha chegada foi apagar incêndios. Mas do ano passado para esse, temos condições de colocar em prática a gestão técnica que eu acredito. É um ponto muito importante e que o grêmio ainda pode evoluir muito, diferente do que ter simplesmente ter gestão financeira e administrativa. Ter um planejamento e estratégias para pensar o clube para este e nos próximos anos. A função do diretor-executivo de futebol passa por isso. Venho do campo, também da academia, como atleta, treinador e 15 anos como diretor. Enxergo a importância da gestão técnica.
Suas primeiras manifestações aconteceram ainda em entrevistas coletivas no ano passado, mas de resto não teve mais contato com a imprensa. Hoje nessa entrevista dá para perceber que você parece mais tranquilo para passar a realidade do clube.
Você não está errado, não. Embora eu ache que ninguém faz nada sozinho no futebol. Me sinto bem por poder contribuir. Podemos discutir, mas pode ter certeza que não vou me furtar de passar o que acredito. Fazer um contraponto, mas se outra posição prevalecer estou abraçado juntos e vamos até o final. Mas tenho o meu espaço de trabalho, coisas que fiz a vida inteira e que sou especialista nisso. Confio no meu trabalho. Tenho que ser usado no que sei fazer. Ano passado não teve muita condição disso. Pela chegada, maneira como foi. Andamos na zona do rebaixamento do começo ao fim. Era um trabalho diferente, coloquei minha experiência dentro de clubes e tentei ajudar no processo interno. Comunicação com torcida praticamente não fiz. Tive uma conversa prévia que o clube seria representado pelo vice de futebol e pelo presidente. Em outro momento que o Grêmio me procurou, tivemos essa conversa também. Trabalho pelo clube, não por mim. Ocupo os espaços que o clube entende necessário. As entrevistas que você se referiu, foi algo de improviso. Em uma derrota, acabei indo falar representando o clube e já foi uma entrevista explicando o momento, a atuação e a derrota. Não tivemos tempo para falar do trabalho, me apresentar ao torcedor. Tudo que fazemos aqui é para o torcedor. É importante que saibam quem está na frente do departamento com o Denis e o Sérgio.
O que aconteceu para o Grêmio decidir negociar o Jean Pyerre, um jogador com características muito parecidas com as do Benítez?
Ele tem algumas características do Benítez, embora tenham diferenças também. O Benítez chega um pouco mais na frente. Ambos têm muita qualidade, mas na vida existem ciclos. E muita vez acontece o desgaste no futebol. Jean está desde garoto aqui. Em conjunto com ele e seu estafe, entendemos que era hora de ele sair um pouco, iniciar um novo processo e buscar crescimento profissional em outro lugar. Faz parte da carreira. Acrescenta. Essas mudanças têm um momento certo para acontecer. Entendemos que para o Jean, para a carreira dele e para o clube, o melhor seria a saída dele.
Pedro Lucas recebeu propostas?
Não tivemos nada. Contamos com ele e faz parte do elenco. Questão de quem vai jogar, terão que mostrar no dia a dia. O Mancini irá avaliar. Temos reuniões duas vezes por semana, todo pós-jogo para discutir o que aconteceu. Uma metodologia de trabalho. Dentro disso, toda a parte técnica do futebol do departamento de futebol está comigo. Também a parte da logística passa por mim, pelo Mancini e o Denis. A parte financeira, mesma coisa. Existe todo um controle.
Qual será a folha para 2022?
Tivemos uma redução muito grande, não vou precisar o número. Talvez superior a 50%.
A folha paralela (atletas que já deixaram o clube por acordo) entra nessa conta também?
Isso é custo para o clube, tentamos reduzir ao máximo isso. Influência diretamente nossa capacidade de investimento. Quanto menos, mais sobra para formar uma equipe mais forte. Pode ser que a gente tenha alguns atletas emprestados que tenhamos de pagar alguma parte. Estamos reduzindo ao máximo, mas ainda pode acontecer. Se você montar um time muito forte, mas estourar o orçamento talvez tenha resultado em curto prazo e deteriore o clube mais adiante. Por outro lado, não dá para ter só a parte financeira e administrativa consolidada e não ter uma equipe forte. O segredo é conseguir, dentro dessas premissas, gerir e ter um time e clube fortes. Só uma das partes não adianta.
Como funciona a dinâmica com o CDD. Trabalham por demanda ou apresentam nomes?
Hoje o fluxo de informações é diferente. Todos os clubes tem departamento de análise de desempenho e começou a surgir a divisão da análise para preparação de jogo e a análise de mercado. Temos aqui o Lucas, trouxe ele para ser o cara de mercado mesmo. Vamos trazer mais gente para o setor. As duas coisas funcionam. Prefiro não ser reativo, um empresário me oferecer o jogador e aí eu analisar. Prefiro mapear o mercado com o CDD, ter meus alvos e o perfil que eu quero. E aí buscar quem se encaixa. Para isso, temos de ter equipe maior. Vamos investir mais nisso. Eu e o Lucas fazemos essa parte, mapeando alvos. Assim se chega primeiro no atleta. Fomos em cima de algumas coisas que tínhamos, discutimos com o Mancini. Temos os perfis traçados e aí analisamos os jogadores. Vamos errar e acertar, mas tentamos errar menos com mais estudo. A análise tem de ser mais aprofundada.