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Profissão Gauchão traz uma série de reportagens com profissionais que trabalham nos clubes que disputam o Gauchão 2025. Ao longo da primeira fase, GZH contará a história de personagens que fazem a diferença no cotidiano das equipes. Nesta terça-feira (11), confira a história de Celina Castro, responsável por lavar os uniformes do Pelotas.
A tantos passes do primeiro tempo de Monsoon e Grêmio, pela 3ª rodada do Gauchão, um intrépido cachorro invadiu o gramado do Estádio do Vale, aplicando dribles em quem tentava tirá-lo de campo. Na Boca do Lobo, Celina Castro, 64, garante que a cena não se repetirá. A lavadeira do Pelotas é uma das tutoras de Atena, a cadelinha adotada pelo clube após a enchente de maio.
Mesmo que o show canino seja divertido, ela resiste à tentação. Afinal, a bronca seria certa. Para evitar qualquer risco, a cadela fica na casa de uma funcionaria quando o Lobão joga em casa.
— Botaram um abrigo, e ela sobrou. Aí nos conquistou e ficou aqui. Ela é muito querida. Ela interage com todo mundo. Com a bola. Ela adora uma bola — conta.
Nem tudo é Atena na rotina de Dona Celina. Na verdade, pouco é Atena enquanto ela está na casa do Lobão. A função principal é lavar a roupa da boleirada. São centenas de peças todos os dias. Faça as contas. Somando jogadores e comissão técnica, são mais de 30 profissionais. Todos usam camisa, calção e meias. Alguns ainda usam camisas e calções térmicos por baixo do uniforme. É roupa que não acaba, dia após dia.
Mas não é só isso. Clube do Interior tem equipe enxuta e demandas largas. Ela ainda vai às compras, ajuda a cozinhar, lava algumas áreas do estádio. Não para. Então, no dia dos jogos deve descansar. Nem pensar. Se a bola vai rolar na Boca do Lobo, na bilheteria Dona Celina estará.
Quem a escuta falar de sua relação com o Pelotas duvidaria que se trata de uma paixão tardia. Ela chegou ao clube sem pretensões. Foi indicada por um amigo para fazer faxina no estádio. Era para ser temporário, mas em pouco mais de um par de semanas se tornou fixo. Já são 12 anos. A relação dela com futebol era nula.
— Bah, nem conhecia, nem sabia pra que lado ia a bola. Não sabia nada. Hoje, eu vivo e respiro futebol — explica com orgulho.
Nem sabia pra que lado ia a bola. Não sabia nada. Hoje, eu vivo e respiro futebol
CELINA CASTRO
Funcionário do Pelotas
O trabalho de Dona Celina
Após a entrevista, Dona Celina fez questão de mostrar seu local de trabalho. Alocados atrás da arquibancada social, os uniformes secavam. Quase dava para ver a água evaporando do tecido devido ao calor escaldante do meio da tarde — no inverno, conta com a ajuda de uma secadora dos tempos do futebol semiprofissional no RS. Fez questão de mostrar o manto áureo-cerúleo para o Gauchão deste ano. Destacou o verde usado pelos goleiros.
Em mais de década no Pelotas, lavou a roupa de centenas de jogadores. A rotatividade no clube é tão grande quanto de carro em estacionamento de shopping. Seus cálculos sugerem cerca de 300 jogadores no período. Gente vem e vai. Muitos vão, mas ficam. Na lembrança, na amizade, nas redes sociais. Jovens, veteranos. De Pelotas. Do Sul. Do Nordeste. De outros países.
A distância da família atinge a todos os esperançosos em busca da sorte na Boca do Lobo. A saudade só fica menor se comparada à vontade de vencer no futebol. As peculiaridades da vida de atleta fazem com que a principal função dela não seja lavar os uniformes.
Só no olhar, sem solicitação explícita, Dona Celina se aproxima e, discretamente, oferece o seu ombro para um consolo. Ouve muito. Fala o essencial. Quando se arrisca a dizer algumas palavras, elas são de conforto.
— Quando eles estão tristes, a gente já vê. Aí a gente já dá uma conversadinha pra levantar o ânimo. Ficam longe de casa por três, quatro meses — relata.
Otimista nata, sempre encontra uma maneira de levantar o ânimo dos boleiros.
— Eu digo “a próxima a gente ganha. Vamos levantar a cabeça e seguir”. Porque assim não tem como ficar triste. Temos um ambiente bom, é um ambiente bom — explica.
Tutora da Atena. Lavadeira. Auxiliar para qualquer função. Vendedora de ingresso. Confidente dos jogadores. Otimista. Quando está na Boca do Lobo, Dona Celina não se limita em ser apenas uma só.