
Meu filho de três anos é um grande ouvinte. Todas as noites sua boca silencia, coisa rara nesse momento de tantas descobertas, e seus ouvidos se aguçam para prestar atenção nas histórias que eu conto. Os olhos vidrados na minha interpretação, quase sempre exagerada, dos clássicos infantis.
A estratégia de contar histórias era um caminho para fazê-lo adormecer. Mas, por vezes, ao contrário, ele desperta. Quer mais. E mais. E eu apelo para todo o meu repertório de heróis e violões. Quando acaba, é preciso inventar pra valer. Haja criatividade! Aí, decido transformar os acontecimentos do meu dia em histórias fantásticas. Dou máscaras e coroas aos personagens que encontro nas ruas, nas redações, na vida. Faço da rotina uma viagem. E o pequeno viaja junto comigo.
Mas, no domingo passado, parei nos "Três Porquinhos" mesmo. Não teve como romantizar a história do Gre-Nal 413, do Beira-Rio. Estive lá gravando uma reportagem para a RBS TV com uma torcedora deficiente visual e vivi com ela o medo a cada novo estouro de bomba atirada de um lado a outro das torcidas. A apreensão a cada novo "puta", "vagabunda", vociferados em minha direção por homens E mulheres que estavam ali para fazer qualquer outra coisa, menos torcer de verdade. Sem ver, a menina que estava ao meu lado perguntava se estava tudo bem. Minha vontade era de fechar os olhos para aquilo tudo. Minha resposta para ela: "Não está bem, mas um dia vai ficar". E eu realmente acredito que vai. Só que essa conscientização, essa mudança, passa por cada torcedor comum que vai ao estádio.
A história que eu quero contar depois do Gre-Nal desse domingo na Arena é de um clássico em que impere o respeito acima de qualquer outra coisa.
Estádio é historicamente um lugar para extravasar as emoções, sim. E que bom! Mas eu pergunto a vocês torcedores: que emoções vocês têm aí dentro? É possível trocar a raiva e as ofensas apenas pelo grito de apoio ao seu time? É possível enxergar a pessoa do lado como um igual? Seja qual o for o sexo, o gênero, a idade, a cor, a camisa que ela esteja vestindo? Se a resposta for sim, vamos juntos.
Meu filho tem três anos e, um dia, será um homem, torcedor, que vai frequentar os estádios. Meu esforço como mãe é transformá-lo em uma pessoa melhor, um torcedor melhor. A vida já é tão pesada do lado de fora dos estádios. Dentro deles, não precisa ser. Que os heróis e vilões de domingo fiquem apenas no campo de jogo. Que possamos transformar o clássico 414 em uma história que possa ser até de ninar. Ou, quem sabe, de despertar, como às vezes acontece com o meu filho. Um história de despertar um #GreNalDeTodos. Para ser contada e recontada, inesquecível, marcante, exemplar.