Walid Regragui mostrou, em pouco mais de 30 minutos de entrevista, os caminhos pelos quais levou Marrocos até a semifinal da Copa. Trata-se de um sujeito leve, descontraído, que brincou diante de mais de 150 jornalistas do mundo tudo com o meia-atacante Ilias Chair, sorriu ao arranhar o inglês numa resposta e retomou o tom sério ao tratar de defender o Marrocos e todo o continente africano.
— Há vários jornalistas europeus criticando nossa maneira de jogar, mas estamos jogando em nível competitivo. Muitos viam os times africanos como alegres, mas agora queremos ganhar, ganhar pela África. Não existe somente uma maneira de jogar. A França, em 2018, jogou um futebol simples e ganhou de todos. Contra a Inglaterra, não criou 40 chances de gol e ganhou. Vamos tentar destruir as estatísticas amanhã. Temos 12% de chance de ganhar a Copa? Tentaremos aumentar esse número — disse.
Aos 47 anos, francês de nascimento e marroquino de coração, Regragui é um sujeito de ideias claras. Formado em Economia, além do árabe e do francês trazido de casa, domina o espanhol e o inglês. Ainda mantém o biotipo do lateral-direito que fez carreira em clubes menores da França, teve uma passagem pelo Racing Santander e atuou pela seleção justamente no período em que ela ficou de fora das Copas. É um sujeito atlético, com tamanho de zagueiro e pinta de boleirão. Essa conexão forte com o passado como jogador talvez seja seu grande segredo para, em um trabalho de três meses, colocar o primeiro africano e o primeiro árabe na semifinal.
Regragui assumiu o Marrocos em agosto. O antecessor, o bósnio Walid Halilhodzic, conhecido pelo temperamento forte, havia se incompatibilizado com duas estrelas do grupo, o atacante Zyech, do Chelsea, e o lateral Mazraoui, do Bayern. O ambiente era pesado na seleção. Enquanto isso, Regragui levava o Wydad Casablanca ao título africano de clubes. Na final, venceu o bicampeão Al-Ahly, do Egito, aquele mesmo eliminado pelo Inter na semifinal de 2006. Ele já havia conquistado o campeonato nacional, deixando para trás o rival Raja. Aliás, se você pensa que o Gre-Nal ferve, precisa ver vídeos do clássico de Casablanca.
O primeiro ato de Regragui ao assumir foi reaproximar Zyech e Mazraoui. A partir daí, foi criando um ambiente familiar. Não é força de expressão. Aqui em Doha, os familiares estão próximos dos jogadores. Depois do jogo contra Portugal, por exemplo, foi possível ver o lateral Hakimi e o extrema Boufal abraçado às suas mães.
— O crédito tem de ir para os jogadores. Só tentei criar um espírito. Copa do Mundo é diferente de tudo. Preparei a mentalidade do time. Permiti que eles trouxessem a família para ajudar nesse processo. O foco é em ser organizado e ter autoconfiança. Os jogadores acreditam no projeto, encontrei um grupo que acredita no país e em mim — observa.
A relação familiar é um ponto central nessa seleção. São 14 jogadores nascidos fora do país. Zyech e Boufal, por exemplo, são holandeses. Hakimi é espanhol. Chegou a ser convocado e jogar pelas seleções de base da Fúria, mas declinou. Sentia que aquele não era o seu lugar. Os 14 "estrangeiros" são, na verdade, filhos que jogam pelos pais e pelo sentimento de pertencimento a um país e a uma cultura transmitido por eles. Uma resposta à exclusão por viver como imigrante.
Houve, claro, discussão no país sobre levar à Copa um grupo com mais de 50% dos jogadores nascidos no Exterior. O campo, porém, desmontou qualquer falta de vínculo deles com o país dos pais e avós. São cinco jogos, um gol apenas sofrido e gigantes derrubados: Bélgica, Espanha e Portugal. Mais do que isso, as vitórias são emblemas de uma África se impondo aos seus colonizadores. Marrocos foi colônia de Portugal, Espanha e França. Sua independência é recente, de 1956. É esse sentimento de liberdade e de identidade que move o Marrocos.
— Quando você joga pela seleção, é marroquino. Só seleciono os jogadores que acho que podem trazer algo ao time. Muitos duvidaram desses atletas. Muitos deles podem jogar na Europa. Na seleção, é preciso criar o espírito desse time — explicou Regragui.
Em seguida, ele se levantou, colocou o boné preto e saiu. É nessa cabeça que apostam alto o Marrocos, o mundo árabe e uma África inteira.