Padre gosta de futebol, mas quando o azar é forte, não tem santo que resolva. Na paróquia São Vicente Mártir, zona sul de Porto Alegre, onde seis religiosos se reuniram para ver Brasil e Croácia nesta sexta-feira (9), a zica deu as caras logo antes da partida.
Não saía um ruído da televisão. E futebol sem som não tem graça. Ligam e desligam o aparelho, trocam de canal, e nada. Padre Luiz Barros, 36 anos, bota na rádio para não perder o início do jogo. Precisam chamar o técnico da TV a cabo para resolver o problema, que faz o diagnóstico: era só trocar as pilhas do controle remoto.
— Deus lhe pague — agradece Luiz.
A alegria invade o primeiro tempo, com os padres fazendo projeções. Padre Paulo César Lima, 44 anos, chama no 1 a 0 para o Brasil. Todos ali acompanham futebol, alguns mais, outros menos. Há os que têm times do coração, como Padre Sandro Mello, 48, líder da paróquia São Vicente, que cobriu uma imagem de Nossa Senhora Aparecida com um manto vermelho para representar seu amor pelo Inter. E uns deixam escapar xingamentos impublicáveis. Falam mal até de Neymar. Padre, afinal, também sai da linha.
— Até parece que padre é E.T., né?— brinca padre Marcus Kalil, 53.
— Parece que padre nem é gente — acrescenta padre Sandro.
Tão humanos que, quando o almoço fica pronto pouco antes do intervalo, uns correm para a mesa e abandonam o jogo, outros levam o prato para a frente da televisão, a fim de não perder um segundo da partida.
— Agora vamos provar a fama de que padre come bem — diz padre Sandro.
Servem-se de arroz, salada de batata com maionese, carnes de gado e de porco assadas, além de salsichão. Tudo regado a refrigerante. Estão satisfeitos, mas o duelo avança pelo segundo tempo e não sai gol. A cada vez que o Brasil chuta, o goleiro croata defende. Não deixa passar uma bola. Os padres tomam café e sorvete de sobremesa.
Na paróquia São Vicente Mártir, a devoção é em Nossa Senhora Desatadora de Nós. Ela é representada por uma santa segurando uma espécie de cordão. Tem olhar determinado e, com os pés, doma uma serpente, símbolo do mal. Pergunto se não está na hora de pedir ajuda.
— A Nossa Senhora Desatadora de Nós é para problemas de saúde, de casamento, de família, desemprego... — responde padre Sandro, com delicadeza, mas dando uma lição.
A aflição se prolonga na prorrogação, até que Neymar, o malfalado, finalmente resolve. Os padres vibram. Mas a Croácia pega o Brasil desarmado e consegue empatar.
— Inconformados — descreve padre Luiz ao ver os semblantes dos torcedores brasileiros no estádio do Catar. — Nós, também, inconformados. O jogo estava ganho.
Nos pênaltis, o goleiro da Croácia defende a primeira; no último chute a que o Brasil tinha direito, a bola dá na trave. Os padres levam as mãos na cabeça, fazem mais xingamentos, padre Marcus se atira no sofá. Hexa, agora, talvez em 2026. Os croatas têm uma santa forte, sugere o padre Luiz:
— Nossa Senhora da Muralha.