Na época em que Celestino Costella começou a estudar, a tábua onde os livros eram colocados tinha um buraco em que ficava um vidrinho de tinta necessário para molhar a caneta. Nos meados da década de 1930, era o rigor em sala de aula que chamava a atenção. Alunos desobedientes eram repreendidos com uma vara ou com castigo de ajoelhar no milho. Quanta diferença tem a pedagogia contemporânea. Foi isso que Celestino aprendeu ao longo dos últimos seis anos. Da tinta para preencher cadernos às teclas que reproduzem letras na tela. Assim se escreve a história do morador de Veranópolis que vai comemorar no final de semana uma graduação aos 90 anos.
Quando criança, Celestino completou o 5º livro. Era um por ano, segundo ele. Embora quisesse continuar os estudos, teve de deixar da sala de aula para ajudar na agricultura de onde saia o sustento da família formada por pai, mãe e 17 irmãos. Aos 23 anos, conheceu Maria Sbrissa, a primeira namorada de 17 anos. Nasceu o amor de uma vida que gerou 11 filhos e 15 netos. Por 40 anos, Celestino foi responsável por transportar pedras de uma mina de basalto que explorava junto com o irmão. E quando chegou a hora de parar de trabalhar, reviveu o sonho de estudar. Fez Educação de Jovens e Adultos, curso de informática, participou do Programa Universidade da Terceira Idade em Caxias do Sul. Só que não era suficiente para ele. Prestou prova e, aos 84 anos, entrou no curso de Pedagogia no campus de Bento Gonçalves da Universidade de Caxias do Sul . A solenidade de formatura é nesse sábado.
"O sentimento que tenho é de muita alegria. Começo a pensar que valeu a pena fazer esse sacrifício pela aprendizagem que consegui".
A motivação para encarar os trajetos de ida e volta que juntos demoravam cerca de três horas, pelo menos três vezes por semana, mesmo em dias frios e chuvosos, é simples: o gosto por aprender. O roteiro de van era realizado pela cidade que ostenta o título de Terra da Longevidade e seguia pela sinuosa BR-470 até chegar a Bento Gonçalves. Todo o esforço merece comemoração. Vai ter festa e missa de ação de graças no domingo. Além do feito de conseguir o diploma, é hora de celebrar o aniversário de 90 anos, completados no último dia 4, e a satisfação de estar casado há 66 anos com Maria.
"Ele é uma pessoa muito querida, que se dedica com a família, comigo também. Quantas vezes, ele me disse muito obrigado pela comida. E isso me alegrava", conta.
Uma dedicação que Celestino tinha também na faculdade. Quando chegava em casa, por volta das 23h, antes de dormir, tirava um tempo para estudar. A experiência de ir para a faculdade foi marcante para ele. E enriquecedor para os colegas. Ele era a história viva, como conta a professora Jane Dal Pai Giugno.
"Os ensinamentos que recebemos foram grandes. O seu Celestino nas disciplinas, por exemplo, história da educação, teoria pedagógica e tantas outras, fazia os depoimentos e relatos das próprias vivências, enriquecendo os conceitos que essas disciplinas traziam. Então, isso enriquecia o grupo, as acadêmicas, a universidade. Para ele, o enriquecimento acontecia pelo contato com as novas teorias, com os novos conhecimentos, com a contemporaneidade.
Coordenadora do curso de Pedagogia, Jane foi a responsável por organizar a rotina de aulas para que Celestino pudesse cumprir o currículo sem que ficasse sobrecarregado. E foi tão bom para o estudante de 90 anos que ele quer continuar. Ainda está avaliando, mas pensa em fazer uma pós-graduação.