É difícil, mas os professores deveriam se colocar no lugar das crianças para entender como elas pensam, aprendem e interagem com as tecnologias e as informações recebidas no dia a dia e na escola. A proposta de estimular essa interação entre educador e estudante é de Ronaldo Mota, um dos principais pensadores brasileiros na área da educação e inovação.
Professores consideram metas para a Educação insuficientes.
Venezuelano fala sobre a Universidade do Futuro
Professor aposentado da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com pós-doutorado no Canadá e nos EUA, Mota já foi ministro-interino da Educação e secretário nacional nas áreas de Educação Superior e Educação a Distância, do Ministério da Educação (MEC), e de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Em 2014, assumiu o posto de reitor da Universidade Estácio de Sá, com sede no Rio de Janeiro e polos espalhados pelo Brasil. Durante o segundo Workshop Inovação e Educação da Estácio, em junho, ele concedeu a seguinte entrevista:
O senhor diz que hoje temos um novo modelo de analfabeto. É o analfabeto informatizado?
Eu não diria que ele sabe de tudo, mas que tem acesso a um conjunto enorme de informações, e não sabe o que fazer com elas. Is­so é drástico, não é algo tão genérico ou abstrato. Ele não sabe selecionar a informação. Não sabe o que é essencial do ponto de vista daquilo que se exige no futuro: resolver problemas. É como se ele tivesse um passa­do caracterizado pelo sei e não sei. Mas o profissional do futuro não se caracterizará pelo sei e não sei, mas por saber resolver problemas. Isso tem a ver com saber. Mas só saber não é suficiente.
Como a escola ajudará?
Cabe às escolas as metodologias que o educando tiver ao longo do percurso, desenvol­ver habilidades que, à luz de informações, ele saiba resolver problemas. Ou seja, resolver problemas é algo que você en­sina, é algo que você aprende.
Nova educação exige criatividade e envolvimento dos professores.
Essas novas metodologias seriam tecnológicas? Seriam voltadas para o ensino a distância?
Não tem um vínculo direto com o presencial ou a distância. É de uma natureza abrangente que contempla ambas e contempla especialmente o híbrido. O hibridismo é a marca dos novos tempos.Cada pessoa aprende de uma maneira, e o nosso processo educacional parte do pressuposto indevido de que todos aprendem identicamente. As tecnologias digitais fazem parte da solução, mas a solução significa acoplá-las a tecnologias e aborda­gens que contemplem a perspectiva de que cada e­ducando tem uma trajetória.
Existem essas metodologias?
Claro. A partir da percepção do perfil do estudante eu defino as trajetórias específi­cas. Por exemplo, quando você tem o ensino tradicional, você faz uma pergunta e o aluno responde. Se ele acer­tou, parabéns; se ele errou, problema dele. Em um portal inteligente, a pergunta que é corretamente respondida é vista positivamente, mas a pergunta que é respondida in­corretamente também é excelente. Porque ela dá uma luz de qual foi o provável conceito que ele aprendeu errado, qual a informação que deveria ter e não tem. Um aluno que tenha deficiência de conteúdos é dirigido para acessos a esses con­teúdos. Alguém que tenha uma rapidez acima da média é indicado para seguir em níveis mais profundos. Esses são os portais educacionais inteligentes, per­sonalizados e com grande escala.
É possível implementar isso com a realidade que temos? O Brasil tem essa capacidade?
Tem muito mais do que a gente imagina. Hoje, você tem crianças pobres pagando para ir a uma lan house estudar. Se você fizer essa experiência que foi feita aqui no Rio, em Calcutá, na Índia, de sim­plesmente ir a um bairro popular e disponibilizar computadores, as crianças aprendem em uma velocidade que nenhum adul­to pode imaginar. Por mais que você fale que viu a criança no Facebook. Quem disse que o Facebook também não pode ser educacional? Pode ser um ponto de passagem em que ele pode estar se reiterando na busca de informações. É muito comum o professor entrar na sala de aula e dizer para os alunos desligarem o celular. Há professores fazendo o contrário. E pedem que o aluno mande um e-mail contando como foi a aula. E quando mandam, copiam o professor, que dá uma nota. Quando ele faz isso, muda a aula porque o a­luno presta uma atenção que ele jamais prestou. O ápice do aprendizado é quando aprendo algo que eu vou ter de contar a alguém.
Há escolas que nem internet têm ainda. A educação não enfrenta desafios tecnológicos?
O Brasil, por exemplo, tem a pior e mais cara internet do mundo, o que não impediu que 110 milhões de pessoas pudessem e gostassem de usar a internet. Se o povo gosta tanto por que vou criar um conflito disso com a educação? Acho um absurdo certas determina­ções proibindo o acesso ao wi-fi nas escolas. Não há conflito entre tecnologia e edu­cação, pelo contrário. Só que conjugar tecnologia com educa­ção demanda uma metodologia que ainda não desenvolve­mos no mundo.
O que é preciso para os professores disseminarem esse tipo de cultura? Qual a barreira?
Primeiro, porque eles são mais velhos. Por que é tão difícil? Porque o gestor político em geral é mais velho. Por que há tanto conflito com o gestor educacional? Porque, em geral, é mais velho. Há um conflito latente entre os mais jovens e os mais velhos. Às vezes, não aparenta tanto porque eles estão parando de se falar. As crianças hoje estão vivendo outra realidade que está em conflito total com os mais velhos. Selecione um grupo de crianças de oito a 10 anos e pergunte: quanto tempo você fica na internet? E coloque múltiplas escolhas de duas horas até 12. Faça uma segunda: quantas vezes você entra na internet por dia? Um terço das crianças não responde porque a pergunta é nonsense. Pelo simples fato de que elas ficam o tempo todo. Mandamos essas crianças para a escola, mandamos um professor que tem relativo antagonismo com tecnologias e pedimos que um ensine o outro. Estão lá forçados. Nem o professor quer estar ali porque não entende quem ele está educando. Nem as crianças entendem os professores.
Tecnologia no ensino: assunto complexo.
Quem educa os educadores?
Nós precisamos desenvolver algo chamado tolerância. E a tolerância tem a ver com o conceito mais importante no mundo contemporâneo: empatia. Empatia é a capacidade que eu tenho de entender o outro, de me colocar na posição do outro. Os professores brasileiros não estão precisando só de um curso de formação, estão precisando de um curso de empatia. Se o professor não se colocar na posição dos mais jovens, ele não vai entender e comprará uma briga infrutífera. Comprar briga com o celular, tablet, é igual a, na década de 1960, fazer campanha contra a televisão. É preciso ser empático.
A escola do futuro não poderia permitir que se aprendesse apenas o que se tem afinidade?
Tem quatro características que independem da profissão que será escolhida no futuro. Primeiro, o letramento da língua portuguesa. Segundo, o letramento matemático. Terceiro, o letramento digital. E o quarto é ciência. A Finlândia está enfrentando isso de forma interessante. Ela mantém as matérias específicas, mas incluiu matérias de natureza transversal porque a formação tem de conjugar o específico com o geral. Fundamental não é saber tudo, é aprender a aprender e gostar de aprender.