Nos últimos anos, os cursos de formação superior na área de Artes em Porto Alegre têm enfrentado a precarização de suas estruturas. Com isso, vêm sendo denunciados problemas de infraestrutura e falta de espaço para acomodar os alunos. Um dos casos mais emblemáticos é o do Instituto de Artes (IA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que possui cursos renomados, mas sofre com essas questões.
O bacharelado em Artes Visuais é, inclusive, um dos cursos com aumento de procura na instituição de ensino. Considerando o número de candidatos no vestibular, nos últimos 10 anos, esse foi o curso que apresentou a maior taxa de crescimento da densidade – 65,9%, conforme levantamento de Zero Hora.
Também cresceu a procura pela licenciatura em Artes Visuais e o bacharelado em Teatro. Além disso, no ano passado, o bacharelado em Artes Visuais da UFRGS recebeu nota máxima na avaliação do Ministério da Educação. Ou seja, são cursos com alta demanda e reconhecimento. Ainda assim, persistem problemas que afetam o dia a dia de estudantes e professores.
Danos frequentes
A sede do IA fica no Centro Histórico da Capital, na rua Senhor dos Passos. Inaugurado em 1943, o edifício de nove andares já passou por várias reformas para atender às necessidades dos cursos de Artes Visuais, Música e Teatro. No entanto, ainda apresenta diversos problemas, como os frequentes alagamentos e infiltrações dentro do prédio.
Temos problema com goteira, já cheguei a ficar alguns dias sem aula por conta da estrutura comprometida.
LÍVIA ALVES
Estudante de bacharelado em Artes Visuais
O mesmo ocorre no Departamento de Arte Dramática (DAD), unidade do IA que fica na rua General Vitorino. A situação mais grave é no anexo do prédio-sede, que está parcialmente interditado. Segundo a diretora interina do instituto, Jéssica Becker, sempre que chove forte em Porto Alegre, os alagamentos são recorrentes.
— Acontece até de passar água de um andar para o outro, quando tem chuva forte. Temos um procedimento de emergência quando isso acontece, de colocar todos os baldes e chamar a superintendência da universidade, e eles nos atendem prontamente. Isso vem acontecendo nos últimos três anos. A gente conserta aquele pedaço ali que deu problema, e aí chove em outro pedaço — conta.
O problema piorou depois que foi feita uma grande reforma no telhado da sede, há seis anos. O novo telhado e as calhas não são resistentes e ficam danificados com frequência, tornando o prédio mais vulnerável às fortes chuvas registradas em Porto Alegre. Em diversas ocasiões, as aulas tiveram que ser realocadas ou suspensas, em razão de evacuação do prédio por conta da precipitação.
— Tem dias que trancam tudo aqui e a gente não pode ter aula porque está tudo alagado. Temos problema com goteira, já cheguei a ficar alguns dias sem aula por conta da estrutura comprometida. Não foi nem por conta da enchente, aconteceu em janeiro do ano passado e no retrasado também teve casos de chuva forte — relata a aluna do 5º semestre do bacharelado em Artes Visuais, Lívia Alves, 22 anos.
Com isso, em 2024, alguns alunos chegaram a perder obras artísticas em processo que estavam guardadas no prédio, segundo Lívia, por conta da água. A estudante também reclama de problemas nos elevadores, que estão “sempre interditados”, sendo que somente um deles funciona.
Conforme a UFRGS, nos últimos meses, foram realizadas obras como substituição de calhas, rufos, algerozes e telhas, pintura e higienização de salas, troca de janelas e recuperação de revestimentos danificados. No entanto, para resolver o problema, a diretora afirma que o necessário seria fazer uma reforma completa dos telhados e das calhas, que são limpas duas vezes por semana para não entupirem.
— Elaboramos junto à prefeitura da universidade um projeto para fazer um novo telhado. É um projeto bem maior, para reformar tudo. Já foi encaminhado e está com o setor de engenharia da UFRGS — afirma Jéssica.
Por conta do calor, as salas de aula necessitam de pintura com frequência maior. Muitas delas precisam de aberturas novas, mas há janelas que não podem ser substituídas, por serem elementos históricos da construção que precisam ser preservados.
Outra questão é a parte elétrica do prédio, que precisa ser modernizada e, com isso, muitos equipamentos novos não podem ser ligados na rede, por ser antiga e incompatível. É o caso de um forno para cerâmica doado ao instituto, além de aparelhos de ar-condicionado novos, que exigiriam carga maior.
No ano passado, o IA adquiriu novos aparelhos por meio de uma emenda parlamentar. Antes, havia salas de aula sem ar-condicionado. Alguns deles, no entanto, ainda não puderam ser ligados. Segundo Jéssica, também existe um projeto para renovação da rede elétrica no IA, parado há quatro anos. Trata-se de uma obra custosa, que deve durar pelo menos um ano. A estimativa é que as despesas com a reforma somem pelo menos R$ 500 mil.
Faltam recursos e mão de obra
As demandas esbarram em limitações orçamentárias e de força de trabalho. De acordo com o vice-reitor da UFRGS, Pedro Costa, além da falta de recursos para dar conta de todas as reivindicações, a instituição conta com uma equipe técnica bem menor do que havia no passado.
— Temos ciência de todas essas demandas históricas do IA e isso sempre foi uma preocupação nossa, desde que assumimos a gestão. Infelizmente, trabalhamos com essas restrições, além de ser uma universidade muito antiga. Na maior parte das mais de 500 edificações que temos, a demanda por manutenção é grande — afirma.
Caso o orçamento permita, será iniciada em 2025 a reforma da rede elétrica do instituto e serão executados ao longo do ano os reparos nos telhados, segundo o vice-reitor. Ele diz que o prédio-sede é prioridade, por conta da degradação do edifício histórico.
Também está na lista de demandas a finalização das reformas necessárias para adequar o prédio ao Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI). A adaptação iniciou em 2023, mas ainda não foi concluída porque exige obras, de acordo com o vice-reitor.
Outro problema é a infestação de escorpiões amarelos. Tanto o prédio-sede quanto o DAD são localizados nos principais focos dos aracnídeos em Porto Alegre, o que deixa a comunidade acadêmica em constante alerta. As unidades passam por desinsetização a cada 90 dias, para tentar conter o escorpião. O último serviço foi realizado em 30 de novembro de 2024, conforme a UFRGS.
Jéssica destaca que a universidade tem colaborado amplamente com melhorias no instituto, especialmente a nova gestão da reitoria, que colocou as obras no IA entre suas prioridades. No entanto, os cortes orçamentários afetam todas as unidades acadêmicas e têm trazido dificuldades.
— Muitas das nossas questões de infraestrutura tangem o orçamento. Nesse momento, estamos aguardando a aprovação do orçamento para 2025. Temos a expectativa de que seja um orçamento melhor. Ano passado, a gente recebeu um valor que é quase insuficiente para a manutenção adequada. Mas sempre tentamos fazer tudo que precisa ser feito — ressalta a diretora.
Instituto de Artes reivindica ampliação
Para além das questões de infraestrutura, que há anos geram demandas no IA da UFRGS, outra reivindicação antiga é a ampliação do espaço. Há mais de 20 anos, existe uma demanda de ampliação do IA para um prédio da UFRGS localizado na esquina da Rua Sarmento Leite com a Avenida João Pessoa, na Capital. Trata-se da antiga Faculdade de Medicina, que depois passou a ser unidade do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS).
Em 1999, uma resolução do Conselho Universitário (Consun), órgão deliberativo máximo da universidade, já previa a cessão do espaço para a unidade acadêmica. Em 2009, um documento assinado pelo então reitor, Carlos Alexandre Netto, também prometia que 5 mil metros quadrados do prédio fossem ocupados pelo instituto quando o novo prédio do ICBS ficasse pronto – o que ocorreu em 2022.
Porém, isso não aconteceu ainda. Em entrevista à reportagem de Zero Hora, o vice-reitor Pedro Costa afirmou que, conforme reunião da reitoria com a direção do ICBS realizada no fim de fevereiro, o terceiro andar do prédio do ICBS antigo será destinado “de imediato” para o IA. Os demais andares são destinados a outras unidades e à Administração Central.
De acordo com ele, ainda no primeiro semestre de 2025 os estudantes e professores do IA terão a sua disposição o terceiro pavimento e parte do segundo. Quanto ao térreo, deve levar pelo menos três anos, pois o departamento de anatomia, que atualmente funciona no local, precisará de um novo prédio para ser realocado.
Situação provisória na Uergs
O prédio que vai abrigar os cursos de Artes da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) deve ficar pronto em 2027, conforme a instituição de ensino. Os quatro cursos de licenciatura são ofertados em Porto Alegre desde 2023. Antes disso, eram sediados há mais de 20 anos no município de Montenegro. Desde então, os alunos ficam divididos em espaços garantidos por meio de parceria firmada com a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) em setembro de 2022.
Atualmente, as turmas dos cursos de Artes Visuais, Dança, Música e Teatro são distribuídas no Campus Central, na Casa de Cultura Mário Quintana e no Teatro de Arena. Quanto às atividades realizadas no campus da Uergs, essas ocorrem em salas de aula adaptadas para essas finalidades, conforme a instituição, nos prédios 1, 5, 6 e 7.