Há anos, as universidades vêm enfrentando um problema que preocupa gestores do Ensino Superior e do mercado de trabalho – a crescente falta de interesse dos estudantes por cursos de Engenharia. Em 10 anos, o número de matrículas em graduações nessa área no Rio Grande do Sul (RS) caiu 20,3%, conforme dados do Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Segundo o estudo, em 2014, eram 54,7 mil matriculados no RS. Já em 2023, foram registradas 43,5 mil matrículas. O levantamento feito pela reportagem com base nos dados do Inep leva em consideração todos os cursos que levam “engenharia” no nome.
Já o número de ingressantes em cursos nessa área no RS registrou queda de 9% no mesmo período. Foram 19,8 mil em 2014, contra 18 mil no ano passado.
Conforme a reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcia Barbosa, trata-se de movimento que não ocorre somente no Brasil, sobretudo no que se refere aos cursos mais tradicionais, como Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica:
— Países em processos pós-industriais vivem algo semelhante. No entanto, para um país em processo de fortalecimento da sua indústria é grave. Estamos estabelecendo um grupo de trabalho na Pró-Reitoria de Graduação para identificar elementos já existentes e, se for o caso, fazer uma pesquisa entre estudantes de Ensino Médio.
Marcia afirma que para o campus da UFRGS que será implantado na Serra Gaúcha, há planos de criação de um curso de Engenharia que envolva a indústria local. Segundo a vice-presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), Bernadete Dalmolin, a situação é preocupante nas instituições privadas sem fins lucrativos.
Conforme o Comung, após chegarem ao auge em 2016, as matrículas de Engenharia no Estado começaram a cair nas particulares. Para Bernadete, a falta de políticas públicas para as instituições comunitárias, em nível federal e estadual, acaba reduzindo a formação de engenheiras e engenheiros qualificados no Estado.
— Se não houver esses incentivos, por meio de políticas de ampliação de acesso e permanência para os estudantes, sobretudo nas áreas mais emergentes nesse momento, nós teremos muito mais dificuldade. A indústria terá dificuldade — diz Bernadete, que é reitora da Universidade de Passo Fundo (UPF).
Ela ressalta que o desenvolvimento social, econômico e ambiental do Estado pode ficar comprometido se não houver fortalecimento da educação e profissionais de qualidade para atuar nestas áreas. Anunciado pela Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia, o programa RS Talentos será lançado em 2025 e deve contribuir para a formação de engenheiros, nos moldes do Professor do Amanhã.
Mudanças nos cursos
Para o engenheiro de dados Bento Bastian, 28 anos, que passou por três graduações em Engenharia e acabou mudando em 2022 para o curso de Ciência de Dados e Inteligência Artificial na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), um dos fatores que pesou na decisão foi a falta de perspectivas.
— Teve muito a ver com a questão de ganhar um salário bom, ter mais oportunidades nessa área que gosto, de dados. O mercado de computação está muito mais aquecido, com mais vagas. Valorizo também a questão da qualidade de vida. De poder trabalhar home office, em uma empresa que não tivesse esse peso, esse tradicionalismo.
Ele chegou a cursar quatro anos de Engenharia Ambiental na UFRGS, sendo que antes tentou Engenharia da Computação e Engenharia Elétrica na mesma instituição, até encontrar a graduação que desejava.
Na Unilasalle, o curso de Engenharia Elétrica foi descontinuado por falta de alunos. Segundo o coordenador dos cursos de graduação em Engenharia, Alexandre Knop, um dos problemas identificados foi o perfil "tradicional" dos cursos, com currículo conteudista e poucas atividades práticas que trabalhassem questões reais.
A partir de 2025, a universidade vai apostar em um novo modelo nas Engenharias, adotando um currículo mais moderno e com projetos em parceria com empresas e construtoras.
— Vamos trazer para a sala de aula problemas reais de engenharia, para que os alunos tenham esse contato com as empresas. Queremos reformular totalmente a forma como esses cursos são vistos, trazendo aprendizados de outros países na matriz curricular — explica Knop.
Haverá um currículo comum aos três cursos até o quarto semestre. Depois, os alunos poderão escolher em qual área desejam seguir – Engenharia de Produção, Civil ou Mecânica. Do quinto semestre em diante, a aprendizagem se dará por meio de projetos.
*Colaborou Beatriz Coan