Em respeito à sua crença religiosa, o pai de santo Alessandro de Quadros quebrou protocolo e pôde vestir branco em cerimônia de formatura da Urcamp, em Bagé. Ele, que agora é bacharel em direito, é de umbanda e o uso da cor branca é um símbolo de respeito à sua fé e religião.
Para não utilizar a tradicional toga preta dos formandos, Quadros precisou entrar com uma solicitação de quebra de protocolo junto à reitoria da universidade. Para isso, ele contou com o apoio da professora e coordenadora do curso, Lourdes Helena Martins:
— A questão religiosa é tão presente na vida desse acadêmico, que é pai de santo, que integra a própria identidade dele. Seria uma grande contradição ensinarmos em Direito Constitucional o significado e alcance do direito à liberdade religiosa e cercearmos esse direito. Estamos muito honrados e felizes por sermos pioneiros na concessão administrativa do uso de toga branca pela crença religiosa.
Conforme Lourdes, a aprovação do pedido foi muito rápida e não enfrentou nenhuma barreira por parte da instituição. Mesmo sem ter oposição, o pedido também passou por uma avaliação do setor jurídico da Urcamp, para garantir a legalidade da quebra de protocolo.
— A Urcamp é uma instituição que não tem vínculo religioso, é laica, assim como o Estado. Então, temos o dever de respeitar toda e qualquer religião. Jamais seríamos intolerantes religiosos — explica o reitor da Urcamp, Guilherme Cassão Marques Bragança.
Em suas redes sociais, o bacharel em direito comemorou a quebra de protocolo. Ele agradeceu o apoio da professora e coordenadora do curso e comentou sobre a importância do ato:
“Essa vitória é um marco, uma celebração da diversidade e do respeito às nossas crenças. Agradeço profundamente a todos que tornaram isso possível, especialmente à professora Lourdes, cujo apoio foi fundamental para que essa conquista se materializasse. Que este momento inspire muitos outros a lutarem pelo reconhecimento e pelo respeito às suas identidades e crenças. Hoje, ao vestir a toga branca, não carrego apenas o símbolo da minha fé, mas também a força de uma vitória coletiva para todos nós, umbandistas”.
Mudança nas tradições
O pedido inédito de Quadros abriu um precedente e trará mudanças na instituição. Devido à iniciativa do formando, o Manual de Formaturas da Urcamp deverá ser atualizado. A Procuradoria Jurídica da instituição está redigindo a proposta que seguirá a tramitação regulamentar até a aprovação pelo Conselho Superior da Urcamp. Conforme o reitor, o objetivo é que, com a mudança, os formandos tenham mais liberdade e não se sintam constrangidos em pedir para utilizar a toga branca.
Tradicionalmente, os formandos utilizam a beca toda preta, com alguns detalhes na cor do seu curso, e somente o reitor possui alguns adereços brancos na vestimenta. Essa é uma regra que traz consigo simbolismos da academia. Sendo o reitor o representante de todos os cursos da instituição, nas cerimônias e solenidades acadêmicas ele utiliza o branco que simboliza a união de todas as cores de todos os cursos.
Além da cor, o modelo do capelo, o chapéu de formatura, e outros adereços também mudam do formando para o reitor. No caso de Quadros, o seu traje foi semelhante ao dos colegas e teve apenas a mudança da cor preta para a branca. Os detalhes que trazem a cor do curso, por exemplo, se mantiveram.
Um caso semelhante foi registrado em abril, em Santa Catarina, e serviu de apoio na decisão da reitoria. Na época, Cynthia Luiza Ribeiro do Amaral colou grau em Serviço Social com os trajes em branco na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em respeito à sua religião, o candomblé.
A formatura de Quadros é um marco importante para o RS, Estado onde há uma forte presença de religiões de matriz africana. Dados do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, no Rio Grande do Sul, 157 mil pessoas se consideravam praticantes de umbanda ou candomblé — os dados do Censo de 2022 relacionados a religião ainda não foram divulgados. O Estado fica à frente, inclusive, da Bahia, com 47 mil, e do Rio de Janeiro, com 141 mil.