Aposentado há cerca de oito anos, Ricardo Schutz, 63 anos, atua como motorista de aplicativo para complementar a renda, em Porto Alegre. Com o dinheiro que arrecada atuando em média oito horas por dia, consegue pagar o plano de saúde dele e da esposa e o financiamento do carro, instrumento de trabalho. Hoje, não consegue imaginar como manter o padrão de vida, incluindo os cuidados de saúde, se abandonar a profissão que adotou após o fim do emprego formal.
Schutz é uma das 322 mil pessoas com 60 anos ou mais que trabalham de forma informal no Rio Grande do Sul, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) Trimestral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em um cenário onde o mercado de trabalho conta cada vez mais com trabalhadores com idade avançada, o montante de pessoas nessa situação cresceu 11,4% no Rio Grande do Sul no terceiro trimestre deste ano ante igual período de 2023. Além disso, atingiu o maior patamar em números absolutos dentro da série histórica.
Mais pessoas idosas trabalhando para complementar a renda, envelhecimento da população no Estado e aumento nos custos com saúde e bem-estar estão entre os principais pontos que ajudam a explicar esse movimento, segundo especialistas.
Aumento em relação a 2023
Olhando apenas números absolutos, o Rio Grande do Sul contava com 322 mil pessoas com 60 anos ou mais trabalhando em situação informal no terceiro trimestre deste ano — 33 mil a mais do que o observado no mesmo período de 2023 (veja no gráfico). Entre os grupos de idades pesquisados, esse é o que apresentou o maior salto no período. O avanço do contingente de informais com 60 anos ou mais — de 11,4% — é maior ante a média geral.
Pegando todas as faixas etárias, o Estado tinha 1,970 milhão de pessoas na informalidade no terceiro trimestre — 6,95% a mais do que o verificado um ano antes, quando era 1,842 milhão.
O crescimento da informalidade também acompanha o salto na população com 60 anos ou mais ocupada no Estado, que passou de 523 mil para 590 mil entre os dois períodos — avanço de 12,8%.
No país, o avanço na população com 60 anos ou mais ocupadas em situação de informalidade foi menor, de 6,43%.
Avanço da população mais velha
O coordenador da Pnad Contínua no Estado, Walter Rodrigues, afirma que a tendência de inversão da pirâmide etária no Estado, onde a população mais envelhecida avança mais, é um dos pontos que ajuda a entender esse movimento. Além disso, afirma que a dificuldade enfrentada pelos idosos na recolocação no mercado formal também tem peso nesse processo:
— Tem a questão histórica das pessoas de 60 anos ou mais terem mais dificuldades de colocação no mercado de trabalho. Isso seria uma das explicações. Também tem a questão etária, é um grupo que está em maior expansão.
O Censo de 2022 destacou essa tendência de aceleração do envelhecimento da população gaúcha. O Estado tinha 2,19 milhões de pessoas com mais de 60 anos em 2022 — parcela de 20,15% da população. No Censo de 2010, eram 1,46 milhão (13,65% do total). O dado mostra que esse grupo de cidadãos saltou 50,27% entre as duas pesquisas.
O presidente da Federação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul, José Pedro Kuhn, afirma que a maior parte desse grupo de pessoas com 60 anos ou mais que trabalham na informalidade é formada por pessoas já aposentadas. Kuhn destaca que o alto endividamento que atinge as pessoas dessa faixa etária impulsiona a busca por ocupação em um ambiente de renda média baixa:
— O aposentado, o idoso, está buscando incrementar renda. Para pagar os endividamentos, ele tem de trabalhar mais.
A taxa de informalidade no grupo com 60 anos ou mais, que mostra o percentual de informais dentro do total de "trabalhadores ocupados nesta faixa", ficou estável entre os dois períodos, saindo de 55,2% para 54,5%.
Renda não acompanha os custos de vida
O professor Moisés Waismann, coordenador do Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, afirma que uma série de fatores empurram pessoas com idade mais avançada para a informalidade. Cita complemento diante de aposentadoria com valor insuficiente, necessidade de incrementar o orçamento familiar, alto custo das despesas médicas e do lazer e maior número de pessoas com 60 anos ou mais aptas para o trabalho. No entanto, destaca a renda limitada como o fator que tem maior peso dentro dessa equação:
— É uma série de fatores, mas eu acho que o preponderante, efetivamente, é a falta de bem-estar depois da aposentadoria por conta da renda. A renda que se paga pela contribuição da força de trabalho não é suficiente para eles se manterem.
Waismann afirma que isso é o resultado de um sistema onde a maior parte das pessoas se aposenta com benefício que não acompanha as reais necessidades que essa etapa da vida demanda.
— Não acompanha nem os avanços lógicos. Hoje, temos meios de acessar bens culturais via internet. A sociedade fica mais complexa, tem uma expectativa maior de vida, mas algumas pessoas não conseguem aproveitar esses benefícios, não tem condições de manter uma vida saudável, porque não tem dinheiro para comprar remédio.
Citado no início da reportagem, o ex-motorista de transporte coletivo Ricardo Schutz começou a atuar como motorista de aplicativo logo após conseguir a aposentadoria. A nova atividade começou como algo esporádico, para proporcionar uma renda extra e quebrar a rotina. Com o custo de vida aumentando nos últimos anos, a nova profissão virou um dos principais alicerces do orçamento:
— Se parar, quebra. Não tem como eu dizer hoje que eu vou parar. Faz parte do orçamento. A Uber é orçamento. Já não é mais para comer meu churrasquinho, para passear, como eu tinha aquele pensamento inicial. Se eu não sair para a rua, falta dinheiro.
Além do plano de saúde dele e da esposa, o aposentado usa a atividade como motorista de aplicativo para pagar a parcela do financiamento do carro. Sem a atividade extra, afirma não ter como bancar essas duas contas. Schutz admite que não tem um plano para parar de atuar na função informal e que cuida para estar apto para o serviço que garante o orçamento de casa.
Informalidade também avança entre mais escolarizados
Além de avançar mais entre pessoas com 60 anos ou mais, a informalidade também tem destaque quando é feito o recorte por grau de instrução. Dados da Pnad apontam que o grupo com Ensino Superior completo ou equivalente apresentou alta de 14,53% no número absoluto de informais — maior crescimento entre os níveis de escolaridade (veja no gráfico).
O coordenador da Pnad no Estado, Walter Rodrigues, afirma que é difícil entender os motivos desse movimento em um cenário onde pessoas mais qualificadas costumam ter mais facilidade de inserção no mercado formal.
Conceito e metodologia
- A Pnad considera informal empregados sem carteira assinada, pessoas que trabalham por conta própria e empregador sem CNPJ e os que atuam auxiliando a família.
- Dados de empregadores e trabalhadores por conta própria sem CNPJ foram coletados só a partir do quarto trimestre de 2015. Por isso, a série histórica conta com informações apenas a partir de 2016 no caso do terceiro trimestre.
- No Rio Grande do Sul, o levantamento também não mostra os números de 2020 e 2021 diante das dificuldades na coleta dos dados provocadas pela pandemia, que afetaram todos os Estados.
- O grupo de pessoas com 60 anos ou mais ocupadas em situação de informalidade pega trabalhadores que já foram formais e migraram para informalidade, os que nunca foram formais e os que se aposentaram e acharam nesse modelo uma forma de incrementar a renda.
Movimento em outras faixas de idade
- Na faixa entre 25 e 39 anos, o total de informais passou de 535 mil, no terceiro trimestre de 2023, para 592 mil no mesmo período deste ano — avanço de 10,65%.
- Já o grupo de pessoas com idade entre 40 a 59 anos apresentou alta de 4,88% no número de informais, saltando de um total de 738 mil para 774 mil.
- Na massa entre 18 e 24 anos, o total de informais passou de 220 mil para 224 mil entre os dois períodos, ligeiro crescimento de 1,82%.
- A única faixa com redução no número absolutos de informais é a que pega trabalhadores entre 14 a 17 anos. O total desse grupo diminuiu de 60 mil para 58 mil — recuo de 3,33%.