Em 2004, 955,1 mil gaúchos recebiam o Bolsa Família. Duas décadas depois, já são 1,1 milhão de beneficiários no Rio Grande do Sul, alta de 15,18% da qual Simone Nunes Vieira não faz parte. Ela é mais uma gaúcha com trajetória de exceção nos dados globais do programa, segundo estudo do Instituto de Mobilidade Social (IMDS). É que o fato de utilizar os recursos, abriu as portas para que, assim como os filhos, ela também acessasse o mercado de trabalho formal.
Isso aconteceu há nove anos, quando comemorou por ser uma das recém-contratadas, entre os 4 mil trabalhadores temporários, no canteiro de obras de ampliação da indústria de Celulose CMPC, em Guaíba. À época o investimento de R$ 5 bilhões, com 10 mil postos de trabalhos, foi considerado o maior já realizado por uma empresa no RS.
Simone exerceu a função de auxiliar de pedreiro, em uma das terceirizadas. Fez cursos e acabou contratada, pela própria CMPC como soldadora. Hoje atua em funções de contabilidade setorial, planos de manutenção e rotas de inspeção, de olho em novos desafios dentro da companhia chilena. Mas o que mantém, de fato, vivo na memória é o dia, em 2014, em que entrou na assistência social do munícipio para devolver o cartão social.
— Eu disse para as gurias: podem usar isso para outra pessoa, porque minha carteira de trabalho foi assinada pela primeira vez e não preciso mais — relata, ao lembrar do espanto das assistentes, desacostumadas com a cena. — Foi difícil, mas nunca deixei de estudar — resume, ao concluir, após um suspiro, que a data da renúncia ao benefício teve mais importância do que todos os valores recebidos mensalmente durante anos de auxílio.
Saiba mais sobre o estudo
O que se sabe sobre os filhos gaúchos do Bolsa família?
Entre 2015 e 2019, 58,1% dos beneficiários do programa, em 2005, acessaram o mercado de trabalho formal. O percentual fica acima da média no país: 44%. Do universo medido no Estado, 16,9% dos filhos do Bolsa Família em idade laboral foram encontrados na Rais (pesquisa oficial do mercado formal) em dois anos. Outros 41,2% estiveram nas estatísticas por três anos ou mais. Dos titulares do núcleo familiar, 41,5% eram homens e 40,3% mulheres, o que difere de uma das regras do Bolsa Família que indica o pagamento preferencial às mulheres.
Quais as principais constatações do Estudo?
Entre as possíveis análises da ampla base de dados, fontes consultadas por GZH indicam que o material evidencia que o programa Bolsa Família, criado em 2003, é um dos fatores que determinam a ampliação do acesso ao mercado de trabalho formal para os filhos criados nos núcleos familiares que receberam o auxílio. O fator configura o que se chama de emancipação do programa social, ou seja, depois de um período emergencial, é possível obter melhores condições de vida, seja por questões econômicas ou de acesso aos serviços públicos.
Quais as diferenças entre o RS e o Brasil
O Rio Grande do Sul apresenta condições diferentes das do país, em razão de distintos contextos para o mercado de trabalho e o nível de benefícios existentes no país. Conforme explica o coordenador da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por aqui, 6,8% dos domicílios contavam com o Bolsa Família em 2022, enquanto no país o benefício chega a 19% dos lares. Ou seja, há menor concentração de beneficiários no Estado.
Há relação entre ensino e trabalho?
A vinculação do pagamento do programa com a continuidade da Educação dos filhos dos titulares tem reflexo no futuro dos beneficiários. No RS, e do Sul, por exemplo, a maior concentração dos filhos do Bolsa Família, ou 56,1% das pessoas encontrados no mercado de trabalho formal, havia concluído o Ensino Médio. Por outro lado, a representatividade dos beneficiários do programa que possuíam apenas a conclusão dos primeiros anos do Ensino Fundamental atingia somente 1,50%. Significa que a jornada de educação resultou na abertura do mercado de trabalho.
Por que as condicionalidades são relevantes?
As condicionalidades do programa (vacinação e frequência escolar) além de benefícios pessoais paras as crianças e às famílias assistidas, geram impacto de longo prazo, pois geram variáveis capazes de reduzir gastos públicos com saúde e segurança. Conforme lembra a coordenadora do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marilia Patta Ramos, o prêmio Nobel James Heckman conseguiu demonstrar com modelos econométricos que esse é um dos efeitos das políticas públicas voltadas à primeira infância.
Qual é o papel da mobilidade social no programa?
Como os programas de transferência de renda não conseguem corrigir a falta de acesso ao Ensino e, por consequência, a formação profissional dos adultos, a meta é que essa ausência seja suprida na próxima geração. Isso gera um dos cenários para que ocorra a mobilidade social, ou seja, o deslocamento das pessoas e grupos sociais entre posições socioeconômicas diferentes. Acesso à educação é um dos caminhos que podem levar a esse destino.