Resultado de dois anos de testes, o protótipo de ônibus 100% autônomo apresentado pela Marcopolo, nesta quarta-feira (14), é considerado um marco para a tecnologia e a indústria automotiva do Rio Grande do Sul.
O que a fabricante de Caxias do Sul mostrou, na planta de Ana Rech, não fica muito atrás dos testes realizado pela badalada Tesla, do bilionário Elon Musk, ou pela fabricante alemã Mercedes-Benz nos caminhões. Contudo, para deslanchar, apontam especialistas do setor consultados por GZH, necessita das mesmas condições de infraestrutura de que dependem essas empresas internacionais.
Ainda que os incrementos nas condições apontados para telecomunicações, internet, satélites e rodovias possam significar mais tempo para que, de fato, haja escala comercial para uma linha de produtos desse tipo, o primeiro modelo de transporte coletivo de passageiros da América Latina sem motorista representa uma "vitória" para o país e, sobretudo, para o Estado e para a centenária indústria da Serra. E o melhor é que o mercado também gostou do que viu.
As ações das preferenciais (sem direito a voto em conselho) da companhia (POMO4) fecharam o pregão na bolsa de valores, a B3, cotadas a R$ 5,11, após alta de 2,2% no dia, intensificada a partir do anúncio do protótipo. Trata-se do maior patamar desses papeis desde fevereiro de 2020.
Uma das razões é que os investidores costumam olhar para o futuro, e a notícia coloca a Marcopolo um passo à frente em seu mercado. É o que diz o professor titular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenador do Grupo de Mobilidade (Gmob), Carlos Félix.
Segundo ele, a tendência da mobilidade urbana e do transporte de cargas e passageiros no planeta é um caminho sem volta. Acompanhar esse processo de perto e produzir inovação e tecnologia alinhadas com essa demanda "da porteira para dentro" é um movimento "sem precedentes" para indústria gaúcha do setor, analisa Félix:
— É uma empresa reconhecida internacionalmente, mas de origem gaúcha. Trata-se de um marco na evolução por se tratar de uma fabricante de tecnologia intensa. Além de saudar essa evolução, lembro que é inexorável que o mundo avance por esse caminho — avalia.
Para o professor da UFSM, largar adiantado na corrida por soluções garante o diferencial de poder acompanhar mais de perto os avanços de segurança que, no futuro, permitirão ampliar o aprendizado até que existam condições para que veículos dessa natureza tomem a ruas e estradas do Estado e do país.
Tecnologia depende de infraestrutura para ganhar escala
Na mesma linha, o presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura (Câmara Log), Paulo Menzel, destaca que, sim, o protótipo é um divisor de águas para o segmento. Em contrapartida, ele reforça que a produção em escala e o tempo para que isso se torne possível estão condicionados a fatores que não dependem da empresa criadora do veículo 100% autônomo.
— Não vamos muito longe, basta passar a ponte do vão móvel para que o sinal do nosso celular se perca independentemente da operadora — ironiza ao resumir as carências a que se refere.
Para Menzel, segurança está no topo das atenções para a continuidade do produto. Por outro lado, até que as discussões cheguem ao ponto de necessárias alterações regulatórias que outorguem a utilização de veículos autônomos "existe literalmente muita estrada pela frente":
— Ainda assim, desta vez vale o hino (do Estado): que sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra — celebra o presidente da Câmara Log.
Aplicação em circuitos privados
Engenheiro civil e doutor em Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), João Fortini Albano também saúda o fato desta quarta-feira, mas antevê que, antes da produção em escala, o equipamento da Marcopolo possa ser utilizado em pequenos trajetos no interior de plantas fabris, percursos de aeroportos interacionais ou deslocamento de trabalhadores em grandes empresas ou indústrias.
Conforme ele, ainda que o Norte aponte para essa direção, os modelos de trânsito, essencialmente, os nacionais não autorizam que essa evolução seja incorporada em uma rotina para parcelas mais representativas da sociedade.
— É difícil falar em tempo de maturação, mas é uma movimentação relevante de pesquisa. Como vai terminar essa história não sabemos. Porém um início viável seria a utilização pelo próprio setor privado, porque avalio que a inserção de veículos 100% autônomos em um trânsito "irracional" como o nosso está distante de acontecer.