Considerado um dos termômetros da atividade econômica, o segmento de operações de M&As (fusões e aquisições, na sigla em inglês) de empresas registrou queda de 34,6% no primeiro semestre deste ano no Rio Grande do Sul. No ano passado, o setor voltado a esse tipo de negócio contabilizou R$ 14,66 bilhões em 78 operações de M&As – número 69,4% superior ao desempenho de 2020. O levantamento, realizado a cada três meses, é da KPGM.
A performance gaúcha, assim como os outros dois Estados da Região Sul (-32,2%), contraria a trajetória nacional, que aponta alta de 26,11%, com 1.014 negociações em igual período de 2022. No entanto, especialistas no tema concordam que, desta vez, olhar apenas para o dado fechado pode não traduzir a real temperatura e a atratividade dos ativos disponíveis por aqui.
Segundo o sócio da KPMG e coordenador da pesquisa Luís Motta, isso acontece porque a base de comparação foi elevada a partir da pandemia e atingiu o seu ápice no ano passado. O movimento, explica Motta, foi catapultado pela necessidade de digitalização das empresas nacionais, no geral, até aquele momento, bastante atrasadas no processo. Para se adequarem e sobreviverem à crise, a solução foi buscar no mercado alternativas para fazer frente às nova demandas.
Foi o que deu início a uma avalanche de M&As, centrada, essencialmente, nas áreas de tecnologia, meios de pagamento e financeiro. Naquela ocasião, com base no comparativo entre os primeiros semestres de 2020 e 2021 no RS (veja mais na linha do tempo abaixo), as transações aumentaram 225% – de 16 para 52.
Em 2022, mesmo com o recuo, as 34 negociações concluídas de janeiro a junho deste ano ficam 41% acima das 24 anotadas em 2019. Em síntese, a régua subiu e agora está sendo acomodada em novo patamar.
— Apesar de menos transações em 2022, não há um viés de baixa atratividade. Normalmente, quando existe uma crise, os M&As sofrem baixas. Desta vez, foi o contrário, pois a saída da crise passou, e muito, pelas fusões e aquisições. Se olharmos os ciclos, quando há crescimento econômico e juros baixos que garantem acesso ao capital, o desempenho é melhor, pois esse não é um investimento de curto prazo — pontua Motta.
O sócio da KMPG acrescenta que outro fator que ajuda a explicar o cenário é o comportamento dos fundos de investimento estrangeiros. De acordo com o levantamento, a maioria das transações (90) realizadas nos seis primeiros meses deste ano, no Sul, envolveu empresas domésticas. Outras 12 foram no formato CB1, quando uma companhia de fora investe capital no Brasil, e uma como CB2, modalidade em que a brasileira adquire ativos internacionais.
— A leitura possível é a de que, depois da sacudida no mercado, no ano passado, os fundos que já haviam investido maciçamente entre 2020 e 2021 optaram por, neste momento, performar melhor suas carteiras e reduzir aportes em novos ativos. Isso impactou a pesquisa como um todo, mas não denota a falta de apetite pelo Sul, que segue como a segunda região mais desenvolvida do país — comenta.
Desempenho no Sul
Com 103 operações de fusões e aquisições no primeiro semestre deste ano, os três Estados do Sul correspondem a 10,2% do total verificado no país. Trata-se do segundo maior potencial, atrás do Sudeste, que tem São Paulo abocanhando fatia de 68% do mercado nacional.
Para Fernando Marchet, sócio da Bateleur, empresa especializada em M&As, é natural que haja mais concentração no Sudeste, entretanto, o desempenho do Sul no período pode refletir operações de menor porte, principalmente as que envolvem as startups.
— Quando a gente olha para esse tipo de estatística, é bastante provável que tenha pequenas operações com startups. Não determina uma percepção de desaquecimento do mercado, mostra menos operações, em quantidade. A melhor forma de perceber o quão dinâmico está o mercado é o volume, pois uma operação média pode envolver R$ 200 milhões, enquanto várias pequenas em startups não atingem esse valor, mas são contabilizadas — analisa.
Existe um levantamento do relatório mensal do Transacional Track Record (TTR), mas que só é divulgado regionalmente no final de cada ano (em 2021, foram R$ 14,66 bilhões movimentados no RS). De acordo com Marchet, pode-se dizer que o mercado está aquecido quando ocorrem as maiores transações, com empresas maduras na duas pontas. Ainda assim, ele lembra que isso demanda tempo de maturação e, muitas vezes, operações contabilizadas agora estão em construção há mais de um ano.
Expectativa renovada
A empresa suíça Cotecna, uma das líderes mundiais no segmento de teste, inspeção e certificação (TIC), anunciou em agosto a aquisição do Laboratório Agronômica, um dos principais centros de diagnóstico fitossanitário do país, análise de produtos, sementes e controle biológico, com sede no Rio Grande do Sul. A negociação dá a largada para o segundo semestre dos M&As no Estado e demarca o ingresso no mercado brasileiro do grupo estrangeiro que, desde 2014, realizou 12 operações em diversos países.
À frente do processo, João Caetano Magalhães, diretor da Redirection International – consultoria especializada em assessoria com fusões e aquisições concluídas no Brasil, América Latina, Estados Unidos e Reino Unido –, destaca que a busca por um parceiro começou em 2017 e acabou por chegar no RS, onde o agronegócio é um dos pilares econômicos e a atratividade está sempre em alta.
De acordo com Magalhães, que há dois anos selou a incorporação de uma planta de abate de frangos no Paraná por outra empresa de fora, os ativos que oferecem soluções para a digitalização da agropecuária – as chamadas agritechs – também ajudam a manter os olhares atentos para o mercado do Sul.
— Atuamos em empresas de médio porte, com faturamento anual entre R$ 50 milhões e R$ 500 milhões, muitas vezes familiares, e nesse nicho há um aquecimento que passa por entender que essa frente pode ser crucial para o crescimento dos negócios — salienta.
Conheça algumas transações gaúchas em 2022
Atitus Educação e Fasurgs
A gaúcha Atitus Educação (antiga Imed), com base em Porto Alegre, Passo Fundo e Ijuí, já havia adquirido, em 2021, a Faculdade América Latina (FAL), de Ijuí. Em 2022, incorporou a Fasurgs, faculdade especializada na área da Saúde, de Passo Fundo, para agregar ao portfólio novos cursos e reforçar a presença na medicina e no segmento de saúde. Conta com R$ 100 milhões, até 2026, para dar a largada no projeto de expansão para Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Delly’s Food e Frölich
Em janeiro, a empresa, especializada em distribuição de alimentos para o foodservice, concluiu a incorporação da gaúcha Fröhlich, de Ivoti. A tradicional detentora das marcas Fritz & Frida tem mais de 65 anos no mercado e movimenta cerca de 600 toneladas diárias de mercadorias em seus centros de distribuição. No ano passado, a Delly’s já havia abocanhado a Johann, de Estância Velha (RS), que atua no segmento de envio de mercadorias diretamente ao cliente – o chamado cross-docking.
Lavoro e Casa Trevo
Com atuação na comercialização de insumos agrícolas, desde 1973, a gaúcha Casa Trevo, com sede em Nova Prata, entrou na mira do Lavoro, maior distribuidora de insumos agrícolas da América Latina. Numa mesma tacada, a holding, gerida pelo fundo Pátria Investimentos, levou a CATR Comercial Agrícola, pertencente aos mesmos controladores da Casa Trevo (Grupo AZ), fundada em 2006, também em Nova Prata, para oferecer tecnologias para cooperativas e cerealistas do RS.
Biosolvit e Ebios
Na esteira dos negócios ESG (meio ambiente, social e governança, na sigla em inglês), a startup do setor de biotecnologia Biosolvit adquiriu toda a divisão de óleo e gás da gaúcha Ebios Tecnologia Sustentável. Fundada em 2010, em Caxias do Sul, atua para evitar e controlar acidentes ambientais. Também oferece soluções para a construção civil e indústria automotiva. A ideia é que a transação permita ampliar a linha de produtos destinados à contenção e à absorção de petróleo e derivados.