O Rio Grande do Sul começa a reabrir a economia, mas incertezas relacionadas ao coronavírus desafiam a reação nos próximos meses. Diante das dúvidas que a pandemia espalhou no ambiente de negócios, especialistas mencionam que a retomada tende a ocorrer de maneira descontínua. Ou seja, a recuperação deve avançar em ritmo lento, com a possibilidade de intercalar períodos de alta com momentos de perda de fôlego. Seria como um veículo que tenta subir a ladeira, mas é obrigado a reduzir a velocidade ou até a estacionar em alguns pontos do trajeto.
A projeção nacional é similar. Na terça-feira (12), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) publicou ata na qual considera "plausível" o cenário de retomada com "idas e vindas" para a economia brasileira.
— A recuperação, muito provavelmente, será irregular. A crise sanitária é um desafio com o qual não havíamos convivido — sublinha Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL Porto Alegre).
Para reabrir a economia aos poucos, o governo estadual colocou em prática, na segunda-feira (11), o plano de distanciamento controlado. O modelo divide o Rio Grande do Sul em 20 regiões, com 12 setores econômicos. A intenção do Palácio Piratini é autorizar ou não o funcionamento das atividades após a análise semanal das condições epidemiológicas de cada área.
Ou seja, dependendo do comportamento do vírus, o nível de restrições em uma região poderá aumentar ou diminuir ao longo do tempo. É essa imprevisibilidade trazida pela pandemia que preocupa empresários. A Coreia do Sul, por exemplo, teve de fechar bares e clubes após novos registros de contaminações no final de semana. O país asiático é considerado referência no combate à covid-19.
Possíveis saídas
Para especialistas, a iniciativa do governo gaúcho pode representar o primeiro passo de uma recuperação das perdas causadas pelo coronavírus. Contudo, o Estado também depende do desempenho do restante do país. E é esse ponto que semeia opiniões divergentes.
Uma parcela dos especialistas entende que o governo Jair Bolsonaro terá de retomar a agenda de reformas e austeridade fiscal no pós-pandemia. A preocupação com as finanças públicas serviria para elevar a confiança de investidores e estimular aportes privados no país.
— Agora, é preciso adotar medidas que minimizem os danos e salvem o maior número possível de empresas e empregos. Mas, ao voltarmos a uma situação de normalidade, políticas de estímulo fiscal devem ser revistas — avalia o economista Felipe Garcia, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Outra parcela dos especialistas considera que a única saída para reanimar a economia é a aposta em novas medidas de incentivo, apesar da elevação nos gastos do governo. O pacote deveria incluir ações na área monetária, com linhas de crédito mais atrativas para empresas em bancos públicos, aponta Fernando Ferrari Filho, professor da Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
— Se o governo não fizer essa parte, decisões de investimentos e consumo serão postergadas. Em momentos de crise, bancos do setor privado não emprestam tanto em razão dos riscos elevados — ressalta Ferrari Filho.
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No Rio Grande do Sul, indicadores começam a dimensionar as perdas causadas pelo coronavírus. Em março, o volume do setor de serviços despencou 11% em relação a fevereiro, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o Índice de Desempenho Industrial (IDI-RS) amargou tombo de 10,2%, sinaliza a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs).
A estiagem que castiga o Interior é outro fator de preocupação. Em razão da falta de chuva, a produção gaúcha de soja deve desabar 40,4% neste ano, enquanto a de milho tende a registrar redução de 31,8%, indica a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A agropecuária tem peso maior no Rio Grande do Sul do que em outras regiões do país.
— Traçar o cenário para a economia, agora, é um pouco temerário. A pandemia atingiu principalmente o setor de serviços, e a estiagem prejudicou a safra. Por outro lado, as medidas adotadas pelo governo estadual para flexibilizar o isolamento são positivas neste momento. Na comparação com outros Estados, o Rio Grande do Sul pode dar um passo adiante, mesmo que incipiente, no processo de retomada econômica — resume Ferrari Filho.
Qual é o formato da reação?
Uma sopa de letras está por trás do debate sobre o formato de retomada dos negócios depois da crise do coronavírus. No vocabulário de economistas, o desempenho em V representaria uma reação rápida. Ou seja, a atividade das empresas cairia muito com a pandemia, mas voltaria a subir logo na sequência. Esse, entretanto, não deve ser o trajeto nos gráficos do Rio Grande do Sul, e nem do Brasil, dizem especialistas.
— Antes de o vírus chegar, ainda enfrentávamos dificuldades para recuperar as perdas da recessão de 2015 e 2016. Com o tecido econômico fragilizado, passamos a viver uma nova crise — explica o economista Marcos Lélis.
Para o professor da Unisinos, o Rio Grande do Sul dependerá ainda mais das ações do governo federal para espantar a turbulência provocada pela covid-19. Lélis acredita que o Ministério da Economia terá de encontrar brecha no orçamento para novas medidas de estímulo após a crise, como investimentos públicos em infraestrutura, além da manutenção do auxílio para trabalhadores informais.
Assim, a retomada, tanto no Estado quanto no restante do país, poderia ocorrer no formato da letra U. Ou seja, a atividade cairia de forma abrupta, passaria por período de acomodação até ganhar fôlego e voltaria a subir em momento posterior. Conforme Lélis, o desempenho se daria em L no pior cenário — tombo seguido por estagnação.
O economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, concorda com a ideia de que o Rio Grande do Sul pegará carona no cenário nacional, mas avalia que a melhora virá a partir de medidas que busquem controlar os gastos públicos no pós-pandemia.
— A questão do Estado é a mesma do Brasil. Não existe outra via que não seja a das reformas para redução de gastos públicos — argumenta.
Reabertura da economia
O RS começa a percorrer trajeto de retomada no momento em que há processos similares no Exterior. Veja quatro exemplos.
Alemanha
Menos afetada pela covid-19 do que outros países europeus, a Alemanha permitiu a reabertura do comércio e de escolas neste mês. Os locais, entretanto, precisam seguir medidas preventivas. A questão é que o número de casos de infectados voltou a subir com a flexibilização.
Estados Unidos
O presidente Donald Trump autorizou Estados a reabrir empresas de acordo com a realidade de cada região. Pelo menos metade do país já anunciou retorno de atividades. No Texas, que é um dos mais populosos, por exemplo, restaurantes e shoppings podem operar com restrições.
Uruguai
O país vizinho ao Rio Grande do Sul deu largada em maio ao processo de retomada. Grandes lojas foram autorizadas a reabrir as portas. Construção civil e parte das instituições públicas também receberam sinal verde para recomeço.
Coreia do Sul
Visto como um exemplo na luta contra o coronavírus, o país asiático flexibilizou o isolamento social. Agora, com o temor de nova onda da covid-19, decidiu fechar bares e clubes.