Entenda a reportagem em quatro pontos
- A Polícia Civil realiza operação, nesta sexta-feira, que investiga desvios na Federação das Câmaras dos Dirigentes Lojistas (FCDL) do RS.
- Estão sendo cumpridos mandados de busca e apreensão em sete endereços, inclusive na sede da FCDL-RS, no centro de Porto Alegre.
- Segundo a investigação, que começou em 2017, os desvios teriam ocorrido por 13 anos e chegariam a R$ 10 milhões.
- Principal alvo da investigação é o presidente da entidade, Vitor Augusto Koch, que dirige a FCDL-RS desde 2006. A mulher dele, um empresário e dois funcionários da federação também foram indiciados.
Leia a reportagem completa
Uma tradicional entidade empresarial do Rio Grande do Sul, a Federação das Câmaras dos Dirigentes Lojistas (FCDL), virou caso de polícia. Investigação deflagrada pela 17ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre aponta que integrantes da federação estariam envolvidos em desvios de dinheiro, na emissão de notas fiscais fraudadas, em serviços cobrados e não prestados, e em uso de dinheiro da instituição para despesas pessoais e compra de apoio para eleições internas.
A Operação Lojista foi desencadeada na manhã desta sexta-feira (29) pela 17ª DP. Com autorização judicial, são cumpridos mandados de busca e apreensão em sete endereços, inclusive na sede da FCDL, no centro de Porto Alegre. A Justiça também autorizou bloqueio de bens móveis e imóveis dos investigados e de valores em contas bancárias.
Os policiais calculam que os desvios teriam ocorrido por 13 anos e chegariam a R$ 10 milhões, divididos em parcelas mensais de pagamento de propina e em pagamentos por serviços inexistentes. A estimativa é feita com base em quebras de sigilo bancário, fiscal e também em confissões de envolvidos no esquema.
As suspeitas foram levadas às autoridades pelo vice-presidente da agremiação empresarial, Fernando Palaoro.
O alvo principal da investigação é o presidente da FCDL-RS, Vitor Augusto Koch. Ele dirige a entidade desde 2006 e tem mandato válido até o final de 2020. O delegado Juliano Ferreira, da 17ª DP, indiciou Koch, a mulher dele, Carla Elisa Koch, o empresário Pedro Ênio Schneider e os funcionários da FCDL Leonardo Neira e Raquel Garcia Nick Fraga por estelionato, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e organização criminosa.
As buscas foram feitas no gabinete de Koch na sede da FCDL, na Capital, e nas salas dos dois funcionários investigados. Mandados também foram cumpridos em Três Coroas, na casa do presidente da entidade, em um apartamento e na empresa dele.
Na sede da loja que possui em Três Coroas, Koch afirmou que as suspeitas "não procedem" e disse sofrer perseguição.
— Não tem ilicitude nenhuma, é tudo legal, transparente. Nós temos auditoria, contabilidade, conselho fiscal. É uma ação política, porque nos posicionamos contra nossa confederação nacional na questão do SPC Brasil. É uma perseguição que, há dois anos e meio, estão fazendo contra mim e minha empresa — declarou.

O que é a FCDL
A FCDL é a estrutura que congrega 130 Câmaras de Dirigentes Lojistas (CDLs) do Estado. A federação se sustenta na cobrança por serviços oferecidos aos lojistas, como cursos, prospecção e análise de crédito de clientes em potencial. Além disso, cada CDL contribui com pagamento mensal para a FCDL. O faturamento mensal da entidade é de cerca de R$ 1,3 milhão, conforme Palaoro.

Quando começou a investigação
A investigação policial começou em 2017, quando Palaoro registrou uma notícia-crime junto ao Ministério Público. Segundo ele, desde 2012 estariam acontecendo irregularidades na FCDL, constatadas após análise dos balanços disponíveis nos Livros-Razão da entidade. Ao longo de quase dois anos de investigação, a equipe comandada pelo delegado Ferreira listou algumas das irregularidades detectadas:
— Compras direcionadas à loja do presidente: a investigação aponta que a FCDL adquiriu vários produtos em 2015, 2016 e 2017 na loja Silmar, cuja sede fica em Três Coroas e que pertence ao presidente da FCDL-RS, Vitor Koch. Ele está no cargo há 13 anos. Foram comprados materiais de escritório, facilmente encontráveis em qualquer loja do ramo em Porto Alegre (onde fica a sede da federação), mas que foram adquiridos justamente no estabelecimento do presidente. As compras totalizaram R$ 63,3 mil em três anos, o que demonstra, em princípio, favorecimento ao presidente da FCDL (o estatuto proíbe priorização de dirigentes em negócios feitos pela entidade).
— Retirada de valores na FCDL por um empregado: um assessor da presidência da FCDL, Leonardo Neira, recebeu, além de salário, bonificações que estão sob suspeita. Em 2016, foram R$ 19,4 mil extra e, em 2017, R$ 20,2 mil. A título de que? A investigação aponta que nos recibos de transferência bancária há, anotado a caneta, recomendação de "acertar documentos" para fechar a contabilidade. Chamou a atenção dos policiais que os bônus são sempre em valor fixo e contínuo, autorizados por Koch. Leonardo assessora diretamente o presidente.
— Pagamento irregular de despesas de campanha: a investigação concluiu que uma das chapas concorrentes à presidência da FCDL teve despesas pagas pela própria entidade. É a Chapa 1 (situação), que teria usado dinheiro da federação para saldar seus débitos. Isso contrariaria o artigo VI do estatuto da FCDL, que estabelece que todas as receitas obtidas serão utilizadas tão somente para os fins da própria entidade, não se admitindo nenhuma forma de repartição da receita entre os associados. Boletos e notas fiscais de folders usados para campanha "União dos Lojistas" foram pagos pela federação, segundo apurou a investigação. O inquérito aponta que teria sido em torno de R$ 20 mil. A polícia investiga se ocorreu apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal).
— Gráfica e comércio de vinho no mesmo endereço: o denunciante Palaoro assegura que R$ 1,8 milhão foram gastos pela presidência da FCDL-RS em serviços irregulares, parte dos quais não executados. Os pagamentos foram feitos à New PS Serviços Gráficos Ltda, New PS Propaganda e à empresa San Pedro Comércio de Vinhos. As três firmas funcionam no mesmo endereço e têm como diretor a mesma pessoa, o empresário Pedro Ênio Schneider. Além disso, a investigação ressalta que a San Pedro encerrou atividades em 09/09/2014 (na Receita Estadual) e em 27/11/2014 (na Receita Federal), mas continuou emitindo notas, inclusive no ano seguinte.
A New PS Serviços Gráficos recebeu da FCDL-RS, ao todo, R$ 210 mil. A New PS Propaganda e Marketing, R$ 934 mil. E a San Pedro Comércio de Vinhos, R$ 702 mil. Desse total, pelo menos R$ 90 mil a San Pedro recebeu depois que foi formalmente encerrada como empresa pela Receita Estadual.
A investigação constatou que contratação formal justificável pela FCDL só existe com a New PS Serviços Gráficos. Em relação às outras duas firmas, emitiram notas fiscais em sequência para a FDCL e os policiais apontam isso como indício de que a entidade seria a única cliente delas, no período. Além disso, pelo menos uma das notas da New PS Propaganda e Marketing não segue padrão correto: o número da inscrição estadual não está certo, o tipo da fonte não acompanha o padrão do restante da nota (parece carimbo), a nota é de um modelo que não serve para prestação de serviço e o CNPJ da gráfica que imprimiu a nota está errado. Tudo isso leva à suspeita de que a nota seja falsificada.
Chamou a atenção dos investigadores que, a partir de 2012, os mesmos valores mensais pagos à New PS Serviços Gráficos foram pagos à empresa San Pedro Comercial de Vinhos - sendo que ambas pertencem ao mesmo dono, Schneider.
— Vinhos em profusão: há no inquérito e-mail mostrando que um funcionário da New PS justificou despesa com nota fiscal da San Pedro, o que mostra o vínculo entre as três empresas. Em 2014, notas fiscais das duas New PS deixaram de ser usadas e ficaram só as da San Pedro Vinhos, cuja atividade principal é venda de bebidas. Por quê? Que funções exerceu ela, questionam os investigadores? Há dúvida de que o serviço exista, já que o valor pago (R$ 702, 6 mil) serviria para comprar 14 mil garrafas de vinho de qualidade (a R$ 50 cada), capazes de servir 42 mil pessoas. O suficiente para 450 assembleias de lojistas com 100 participantes cada, conforme consta no inquérito. Conforme o vice-presidente da FCDL, não há notícia de que tanta bebida tenha sido servida em eventos da entidade. A Polícia Civil também desconfia do fato de R$ 934 mil terem sido pagos a uma só agência de publicidade. Todos os pagamentos foram autorizados por Vitor Koch, presidente da FCDL.
— Tentativa de aliciamento: conforme depoimento de uma testemunha, integrante da FCDL, o presidente da entidade sugeriu que dois vice-presidentes da federação oferecessem dinheiro a Fernando Palaoro para que ele não fizesse denúncias contra a atual gestão.
Suspeitas foram confirmadas em depoimentos, segundo a polícia
Parte das suspeitas da Polícia Civil foi confirmada por um dos supostos envolvidos nos desvios, Pedro Ênio Schneider. Em depoimento, ele disse que foi contratado por Vitor Augusto Koch para campanhas publicitárias na FCDL.
Os dois teriam combinado que parte dos honorários de Schneider seriam devolvidos a Koch. No começo, 25% dos valores. Depois, 40%.
Os valores, segundo Schneider, eram sacados num banco e levados por ele a Koch, em Três Coroas, na sede da empresa Silmar Móveis. Schneider afirma que Leonardo Neira, que trabalha com Koch, solicitou a ele que disponibilizasse sua conta bancária para depositar valores da FCDL, para depois serem repassados integralmente ao presidente da federação. Isso era feito porque o estatuto da entidade impede que valores maiores que as despesas sejam enviados diretamente ao presidente.
Os repasses — que começaram em torno de R$ 25 mil mensais e depois passaram a R$ 42 mil mensais — foram feitos, conforme Schneider, ao longo de três anos e meio, até outubro de 2018.
Eram sacados e entregues em espécie a Koch, diz Schneider. Nenhum serviço era prestado, mas mesmo assim eram emitidos recibos ou notas fiscais, para justificativa legal da remessa dos valores.
Tudo o que Schneider disse foi confirmado por outra testemunha ouvida pela polícia, também membro da FCDL-RS. A testemunha disse que Schneider possuía dois tipos de notas, uma manual e outra eletrônica. A primeira sempre tinha valores bem mais altos. Afirmou ainda que foram emitidas várias notas sequenciais, feitas à mão, de uma empresa de vinhos e que a FCDL não realizou eventos que justificassem tal despesa.
A Polícia Civil obteve na Justiça a quebra do sigilo bancário dos envolvidos, referente aos últimos cinco anos, e com base nisso e em notas fiscais de serviços supostamente não prestados fez a estimativa de desvios.
— O presidente da FCDL, infelizmente, fez uso de todo esse aporte milionário da entidade para benefício próprio — conclui o delegado Juliano Ferreira.

Entrevista
Fernando Palaoro, 56 anos, vice-presidente da FCDL
O que fez o senhor suspeitar de irregularidades na gestão da Federação?
Eu estou há mais de 12 anos junto na gestão da FCDL com o atual presidente. Sempre tive total confiança no trabalho dele e apoiei. Na última campanha para a eleição de 2017, fomos a campo visitar as CDLs em busca de voto. Foi quando ouvimos comentários sobre supostos benefícios financeiros por parte do presidente e de alguns diretores. Eu combati a informação, pois não tinha conhecimento e não acreditava, mas acendeu a luz amarela. Passada a eleição, fui buscar informações e conversei com o presidente a respeito. Senti ele arredio. Então, coletei alguns documentos e fiquei surpreso com o que descobri.
Por que decidiu denunciar?
Eu não poderia compactuar com o que encontrei de irregularidades. Procurei outros colegas para falar, mas fui rechaçado, fiquei isolado. Então, fiz uma espécie de dossiê e levei para o Ministério Público, que pediu investigação à polícia.
O senhor diz que ficou isolado. Houve até tentativa de exclui-lo da direção. Se arrepende de ter dado início a todo esse processo?
Não. Estou fazendo um favor a todo o movimento lojista. Não tenho interesse em cargos, apenas em moralizar a gestão de uma entidade que congrega em torno 130 CDLs.