A busca pela formação de um patrimônio sólido que consiga assegurar uma aposentadoria sem sobressaltos nas próximas décadas traz um desafio adicional. Além de viver mais e ter de trabalhar por mais tempo, investir não será tão fácil.
O retorno no mercado financeiro ficará mais difícil, projeta o consultor e educador financeiro André Massaro. A dificuldade está associada ao movimento de queda dos juros no mundo e também no Brasil que, apesar de ainda ser alto para os padrões globais, tende a diminuir nos próximos anos.
Massaro observa que aplicações em renda fixa que chegavam a dar rendimento de 1% ao mês tendem a ficar mais raras. Assim, será reforçada a necessidade de entender melhor outras modalidades que possam fazer o dinheiro crescer mais ao longo da vida.
— As pessoas terão de ir para a renda variável, mas que também oferece riscos. Não há um crescimento linear do patrimônio. Crises no meio do caminho podem atrapalhar. Mas é quase inevitável. Terão de se acostumar — diz Massaro, lembrando que períodos turbulentos, que podem levar à volatilidade de ações, por exemplo, estão longe de serem raros no Brasil.
De qualquer forma, a saída passa pela educação financeira para desenvolver o hábito de poupar e investir regularmente, usando os instrumentos disponíveis de renda fixa e variável. Isso também pode ser feito via gestoras e fundos, lembra o economista. Terceirizar a administração do capital tem o lado positivo de ser feito por especialistas, mas por outro lado há custo para esse tipo de serviço.
— Uma taxa de administração de 1% (ao ano) pode parecer pequena, mas ao longo de um período de 20 a 30 anos é um custo grande — pondera Massaro.
O professor da PUCRS e educador financeiro Leandro Rassier alerta que investimentos tradicionais dos brasileiros passam a ser mais questionáveis. Na poupança, o rendimento é baixo. E há ainda caso de imóveis que podem garantir um rendimento inferior à caderneta, observa o especialista.
— A realidade do Brasil está mudando. As pessoas precisarão saber como funcionam fundos de investimento, LCA, LCI, mercado de ações. Será necessário se expor mais ao risco, como acontece em outros países. No Chile, 15% da população investe em ações. No Peru, em torno de 10%. No Brasil, apenas 0,38%. Será preciso gerar renda com os produtos financeiros.
O imóvel é sinônimo de segurança, mas, se não der renda, pouco adianta — ressalta o economista, citando produtos como fundos multimercados (que unem renda fixa e variável) e tesouro direto como outras opções.
A realidade do Brasil está mudando. As pessoas precisarão saber como funcionam fundos de investimento, LCA, LCI, mercado de ações. Será necessário se expor mais ao risco, como acontece em outros países.
ANDRÉ MASSARO
educador financeiro
De qualquer forma, o melhor é começar a poupar e investir o mais cedo possível, acrescenta Rassier. Ele lembra que ainda é possível encontrar em alguns bancos e corretoras alternativas de renda fixa com vencimentos mais longos que podem garantir taxas de 0,6% ao mês, o equivalente a 112% da variação anual hoje das aplicações atreladas aos certificados de depósito interbancário (CDI), atualmente em 6,35% ao ano.
Usando esse exemplo de aplicação, Rassier faz alguns cálculos. Se uma pessoa de 25 anos, entrando no mercado de trabalho, conseguir poupar e aportar R$ 100 ao mês, em 40 anos, quando chegar à idade de 65 (idade mínima para homens se aposentarem, de acordo com a proposta de reforma da Previdência do governo), terá acumulado R$ 278 mil. Claro que, devido à inflação, o poder de compra desse montante, lá na frente, será bem inferior ao atual. Se começar a guardar R$ 100 mensais a partir dos 35 anos, chegará na mesma idade com R$ 127 mil — menos da metade. Se uma pessoa com 25 anos conseguir poupar R$ 300 por mês, pode amealhar R$ 833 mil (veja diferentes cenários aqui).
Educação financeira nas escolas
O Conselho Regional de Economia do Rio Grande do Sul (Corecon-RS) pretende iniciar ainda neste ano um projeto para levar educação financeira a escolas de Porto Alegre. A intenção é introduzir conceitos básicos, da bancarização à economia doméstica, mas como uma base para o futuro.
— O principal não é saber onde investir, mas primeiro ter a consciência de que precisa fazer isso — diz a economista Janile Soares, coordenadora da Comissão de Educação Financeira do Corecon-RS.
Ao menos pelo lado da oferta de produtos financeiros, a concorrência começou a ser maior nos últimos anos, com corretoras — antes voltadas mais ao mercado acionário — passando a ofertar uma variedade maior de possibilidades de aplicações, assim como instituições financeiras mais voltadas a grandes investidores buscando o público de varejo, lutando pelo cliente dos bancos tradicionais.
Para Rassier, outra transformação à frente tende a ser benéfica para quem quiser um rendimento maior de seu capital. Ele avalia que, assim como nos Estados Unidos, devem ganhar espaço no Brasil os planejadores financeiros pessoais, que atuam como uma espécie de médico da família, auxiliando a buscar as melhores alternativas de aplicação, formando um portfólio de acordo com o perfil e o objetivo das pessoas. Hoje, lembra Rassier, esses assessores podem ser vinculados a apenas uma instituição.
O ideal, entende o especialista, é que esses profissionais possam, nos próximos anos, ter a possibilidade de atuar sem vínculos com uma casa financeira específica, buscando os melhores investimentos para os seus clientes, que remunerariam esses planejadores de acordo com o desempenho da aplicação — o que evita conflitos de interesse.
A possibilidade de poupar dinheiro e investir de forma mais sofisticada, entretanto, não deve ser para todos, admitem os especialistas. Para as camadas mais baixas da população, que exercem trabalho braçal, contam com pouca informação ou têm dificuldade de fazer sobrar algum dinheiro ao final do mês, a tendência é continuar a depender da Previdência oficial — que, nas próximas décadas, devido ao aumento da longevidade, deve ganhar regras cada vez mais duras para se aposentar.