
O país acordou nesta segunda-feira (28) tentando retomar um mínimo de normalidade cotidiana após oito dias de greve dos caminhoneiros. Aos poucos, postos voltaram a vender combustível, hospitais receberam medicamentos e insumos e o transporte urbano operou com maior capacidade na maioria das capitais.
O emprego de tropas armadas ajudou na retomada do abastecimento, mas o movimento que paralisou o transporte de cargas não refluiu, deixando uma vítima inconteste estendida na estrada: o governo do presidente Michel Temer. Surpreendido pela capacidade de mobilização da categoria e ignorado por quem realmente comandava os bloqueios nas rodovias, Temer sucumbiu. Ao atender à grande parte das reivindicações dos grevistas, rompeu com sua política fiscal e, pela primeira vez, foi recebido com panelaços ao fazer um pronunciamento oficial. Pouco adiantou. Apesar dos apelos de entidades do setor, muitos caminhoneiros se negam a encerrar a greve – a Polícia Rodoviária Federal registrava 556 pontos ativos de protestos durante a tarde de segunda-feira. Nos gabinetes palacianos, a diretriz agora é tentar sobreviver até a transmissão do cargo ao próximo presidente, em 1º de janeiro de 2019.
– Se não fosse ano de eleição, caía todo mundo. Como falta pouco para terminar, o governo vai sangrar até dezembro – admite um assessor ministerial.
Não há em Brasília quem enxergue no Planalto algum sinal de retomada da liderança institucional. A base de sustentação no Congresso dissolveu-se, preocupada apenas com as eleições de outubro. Outrora aliados, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), deram as costas ao governo e conspiram à luz do dia contra Temer. Sem apoio no plenário e com poucos parlamentares dispostos a defendê-lo, o presidente deu posse na segunda-feira (28) ao obscuro deputado Ronaldo Fonseca (Pode-DF) no cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Sem jamais ter sido um presidente popular, Temer tinha duas âncoras: o Congresso e o mercado. Sem o respaldo parlamentar, agora vê se esvair seu prestígio junto aos investidores. O motivo principal foi o acordo fechado com os caminhoneiros, cujo custo estimado é de R$ 13,5 bilhões, com subsídios e congelamento do preço do diesel nas bombas por 60 dias. O reflexo foi novo tombo no valor das ações da Petrobras, que caíram 14%
– O governo está esfarelando ao vivo. Não conseguiu se prevenir contra a greve, foi insuficiente na negociação e abandonou a política fiscal para tentar chegar até 31 de dezembro. O mercado agora só olha para 7 de outubro (dia da eleição) – comenta o analista Richard Back, da XP Investimentos.
Diante da desconfiança geral, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou nesta segunda-feira que o governo irá cortar R$ 3,8 bilhões em despesas do Orçamento de 2018 para subsidiar a redução de R$ 0,46 no litro do diesel. Conforme o ministro, o aporte à Petrobras custará R$ 9,5 bilhões ao Tesouro:
– Fomos até o limite do possível dentro da responsabilidade fiscal.
Para cientistas políticos e economistas, a grande falha do Planalto foi não prever a repercussão social da política de preços instituída pela Petrobras em 2016. Era necessário, na visão dos especialistas, instituir algum mecanismo de controle, mesmo respeitando a flutuação do barril do petróleo no mercado institucional. Somente ontem isso foi feito, com a decisão de Guardia de arcar com, no máximo, R$ 0,30 dos R$ 0,46 de diminuição no preço do diesel.
– Faltou trava aos reajustes automáticos. Até o sistema de metas (pelo qual o Banco Central visa controlar a inflação) tem limites. Como faltou essa malícia, o governo passou do vinho para o vinagre em uma semana – diz o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Com a greve perto do fim, os principais ministros de Temer passaram a recear disseminação do descontentamento por outras categorias e setores produtivos. Os petroleiros já anunciaram paralisação de três dias a partir de amanhã e oito entidades que representam o agronegócio não aceitam a tabela de preço mínimo para fretes.
A insatisfação deve aumentar se o governo levar a termo aumento de impostos para atenuar as perdas causadas pelas concessões aos caminhoneiros. O nível de perigo é tanto que manifestantes ocuparam na segunda-feira a frente do Palácio do Planalto pedindo intervenção militar e o cancelamento das eleições.
Do lado de dentro do Palácio, há sinais claros de desorientação. Em entrevista coletiva concedida no início da tarde, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, disse que “a paralisação dos caminhoneiros está resolvida”. Quando os jornalistas se preparavam para deixar o local, Marun retornou para afirmar que o governo estava revogando aumento no preço da gasolina que teria ocorrido mais cedo. Na verdade, não houve aumento da gasolina, tampouco revogação por parte do Executivo. O ministro havia sido traído por uma fake news.
Questionado sobre o futuro do governo Temer e as pressões enfrentadas nos últimos dias, um influente assessor palaciano resignou-se:
– Que governo? Não tem mais governo.