Líder mundial nas exportações de carnes de frango e bovina, o Brasil viu a credibilidade da produção presente em mais de 150 países ameaçada após a Operação Carne Fraca da Polícia Federal (PF), que tornou público esquema de pagamento de propinas a auditores fiscais agropecuários para liberação em frigoríficos de carnes impróprias para o consumo. O escândalo teve proporção elevada por envolver duas entre as maiores empresas mundiais do setor: BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, e JBS, detentora da Friboi e da Seara Alimentos.
O tamanho do estrago causado no mercado ainda será conhecido, mas a dimensão é calculada pela importância do setor para a economia brasileira. No ano passado, o grupo carnes respondeu por US$ 12,6 bilhões da balança comercial – se consolidando como o terceiro principal segmento exportador no país. De toda a produção de carne brasileira, cerca de 25% é vendida para o Exterior e 75% consumida no mercado interno.
– Infelizmente, fatos como esse, mesmo isolados, acabam impactando em todos os frigoríficos, e na cadeia produtiva como um todo – lamenta Zilmar Moussalle, diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs).
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Só as unidades de aves e suínos geram 4,1 milhões de empregos diretos no país e respondem por 11% das exportações do agronegócio brasileiro. A produção de frangos é responsável por 36% das exportações globais do produto.
– Em hipótese alguma iremos defender quem pratica irregularidade, mas não podemos transformar exceções em regras que deturpem a imagem de um setor tão importante para o país e reconhecido lá fora – diz o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, acrescentando que cada nação importadora tem seus próprios fiscais para atestar a qualidade da carne brasileira.
Horas após a operação, enquanto participava de um evento sobre controle sanitário da influenza aviária em Montevidéu, o dirigente recebeu ligações de compradores da União Europeia (UE) e da África do Sul pedindo explicações sobre as notícias publicadas na imprensa mundial sobre "carne estragada" vinda do Brasil. Diálogos interceptados na operação indicam que um carregamento de carnes do frigorífico da BRF foi barrado em um porto da Itália por conter indícios de salmonela, bactéria que causa infecção com vômitos e diarreia, e teria sido identificada em pelo menos quatro contêineres.
Maior consumidor da carne brasileira, a UE teria pedido uma reunião de emergência com o governo federal. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse em entrevista à Rádio CBN que recebeu ligação do adido da UE no Brasil solicitando o encontro, ainda sem data.
A investigação da PF colocou em xeque o controle sanitário brasileiro, lançando suspeitas sobre o Sistema de Inspeção Federal (SIF), reconhecido até então como o de controle mais rigoroso na industrialização de alimentos. Para tentar tranquilizar os consumidores, o secretário-executivo do Ministério da Agricultura (Mapa), Eumar Novacki, enfatizou que dos 4.837 estabelecimentos com inspeção federal no país, apenas 21 estão sob suspeita – menos de 1%. Na próxima semana, o governo iniciará força-tarefa para inspecionar as unidades interditadas pela PF.
Ainda na sexta-feira, o Mapa anunciou que os 33 servidores citados na operação serão afastados. Conforme o titular da superintendência gaúcha do ministério, Roberto Schroeder, entre os fiscais suspeitos nenhum atua em unidades do Rio Grande do Sul.
O Estado, líder no consumo per capita de carne bovina no país, também não teve mandados de busca e apreensão em unidades de produção. O que não o isenta de impactos negativos, diz Carlos Cogo, consultor em agronegócios:
– O mercado é globalizado. Se houver alguma retaliação comercial ou embargo, toda a cadeia produtiva será atingida.
Entre os possíveis impactos, cita Cogo, estão redução das exportações e diminuição dos rebanhos e do consumo de grãos, como soja e milho. No mercado interno, analistas evitam projetar reflexos.